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sábado, 16 de maio de 2015

A gravidade e a curvatura do espaço-tempo

Lawrence Sklar
Universidade de Michigan

A gravidade e a relatividade

Na sua obra mais importante, os Principia, Newton propôs uma teoria que, entre outras coisas, iria explicar o movimento dos planetas em torno do Sol por meio das órbitas elípticas que Kepler descrevera com grande cuidado. A teoria que explica este movimento tem duas componentes. Uma deles é a teoria da dinâmica — a teoria geral de Newton que relaciona os movimentos com as forças que agem sobre os objectos em movimento. Baseando-se no pressuposto de fundo de que há um espaço absoluto e uma taxa de tempo absoluta e definida, a teoria incorpora o princípio de Galileu segundo o qual os objectos que não sofrem a acção de quaisquer forças permanecem num estado constante de movimento uniforme. Postula depois que a mudança de movimento (aceleração) será proporcional às forças que agem sobre um corpo e inversamente proporcional à propensão intrínseca de um corpo para resistir a mudanças de movimento, conhecida por "massa inercial".
A outra componente da teoria de Newton diz respeito à força responsável pelos movimentos observados nos corpos astronómicos (e em muitos outros fenómenos, como as marés e a queda dos corpos em direcção à Terra). Baseando-se uma vez mais na importante observação de Galileu segundo a qual, pondo de parte a resistência do ar, todos os objectos sofrem uma aceleração uniforme em direcção à Terra quando estão em queda livre perto da sua superfície, Newton postula uma força geral de gravidade que actua entre todos os objectos materiais. A gravidade é sempre uma força de atracção. Considera-se que a magnitude da força exercida entre os corpos é proporcional à massa inercial de cada corpo e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. A terceira lei do movimento de Newton afirma que a força exercida pelo primeiro corpo sobre o segundo será compensada por uma força com intensidade igual — com a mesma direcção mas sentido oposto — exercida pelo segundo corpo sobre o primeiro.
O facto de a força aumentar proporcionalmente à massa inercial, mas de a resistência do corpo à aceleração ser também proporcional à massa inercial, produz imediatamente o resultado obtido por Galileu de que todos os corpos aceleram de modo idêntico quando estão sujeitos à força gravitacional exercida por um corpo fixo, caso os objectos experimentais estejam no mesmo lugar relativamente ao objecto que exerce a força gravitacional. Newton demonstrou que a combinação das leis da dinâmica com a lei da força gravitacional por ele postulada conduzirá às leis do movimento planetário de Kepler, ou melhor, a uma versão ligeiramente corrigida dessas leis.
Não é assim surpreendente que Einstein, depois de ter demonstrado que era preciso ter um novo sistema dinâmico e de o ter construído de uma maneira consistente com o novo espaço-tempo da relatividade restrita, tenha enfrentado o problema de construir uma nova teoria da gravidade. Esta teoria, claramente indispensável, tem de ser consistente com as novas ideias sobre o espaço-tempo. A teoria de Newton, por exemplo, considera que a interacção gravitacional entre os corpos é instantânea, mas segundo a relatividade todos os sinais se propagam a uma velocidade igual ou inferior à da luz. É possível construir muitas alternativas à teoria newtoniana compatíveis com o novo espaço-tempo relativista. Na verdade, um programa de investigação contínuo da física experimental consiste em testar comparativamente essas alternativas, procurando possíveis observações que excluam algumas das possibilidades. No entanto, a nova teoria gravitacional que enfrentou melhor as experiências realizadas e a mais elegante teoricamente é a do próprio Einstein. É conhecida por "teoria da relatividade geral". É também a teoria que postula uma natureza do mundo de grande interesse para os filósofos. No que resta desta secção vou esboçar algumas das ideias que conduziram Einstein a esta nova teoria da gravidade que, como veremos, consiste numa nova teoria sobre a estrutura do próprio espaço-tempo. Vou esboçar algumas das componentes básicas da teoria e explorar algumas das suas consequências importantes para os filósofos.
Einstein parte da observação de Galileu segundo a qual a aceleração induzida num objecto pela gravidade é independente do tamanho do objecto e daquilo de que ele é feito. A gravidade difere de qualquer outra força por ter este efeito universal. Consideremos o caso em que um objecto que gravita, localizado suficientemente longe, força o objecto a acelerar, de tal forma que o campo gravitacional é efectivamente constante no laboratório. Einstein faz notar que um pequeno objecto experimental, situado num laboratório, ficaria em aceleração em relação a esse laboratório exactamente da mesma maneira que ficaria se nenhuma força estivesse a actuar sobre ele e se o próprio laboratório estivesse uniformemente em aceleração na direcção oposta à da aceleração da partícula. No último caso, qualquer objecto experimental com qualquer massa ou composição pareceria acelerar uniformemente em relação ao laboratório. É a universalidade da gravidade que nos permite substituir a força gravitacional por uma aceleração do sistema de referência.
Talvez, sugere Einstein, seja possível reproduzir todos os efeitos da gravidade numa tal aceleração do laboratório. Isto conduz à hipótese de que a gravidade terá efeitos sobre outras coisas que não a matéria constituída por partículas. Se emitirmos um feixe de luz que atravesse um laboratório em movimento de aceleração, é de esperar que o feixe não siga uma trajectória em linha recta relativamente ao laboratório. Não deverá então a gravidade deflectir os feixes de luz que passam perto de um corpo que gravite?
Talvez a conclusão de que é de esperar que a gravidade tenha um efeito sobre medições de intervalos de tempo e de espaço, tal como relógios e réguas idealizados as revelam, seja ainda mais surpreendente. O argumento a favor do efeito temporal é o mais fácil de seguir e construir. Imagine-se um laboratório em aceleração que tem um relógio na sua extremidade superior e outro relógio idêntico na sua extremidade inferior. Enviam-se sinais do relógio inferior para o superior, e compara-se a taxa de emissão dos sinais, determinada pelo relógio inferior, com a da sua recepção, determinada pelo relógio superior. Quando um sinal enviado da parte de baixo atinge a parte de cima, o relógio de cima está em movimento relativamente ao sistema de referência em movimento uniforme onde o relógio de baixo estava em repouso quando o sinal foi enviado. Quer se argumente a partir do efeito de dilatação do tempo da relatividade restrita quer a partir do chamado "efeito de Doppler" — que, mesmo na física pré-relativista, mostra que um sinal enviado de uma fonte com uma dada frequência parece ter uma frequência mais baixa quando é observado por alguém em movimento de afastamento relativamente à fonte — torna-se plausível afirmar que o relógio de baixo parecerá estar a atrasar-se relativamente ao de cima. Ou seja, a frequência do sinal recebido pelo relógio de cima é, segundo o relógio de baixo, inferior à frequência do sinal emitido.
Mas considere-se agora um laboratório que não está em aceleração, onde todo o dispositivo está em repouso num campo gravitacional. Pelo argumento de Einstein (frequentemente conhecido por "princípio da equivalência"), seria de esperar que o relógio situado mais abaixo no campo gravitacional pareça atrasar-se, do ponto de vista do relógio situado mais acima. Note-se que isto nada tem a ver com a forçagravitacional sentida pelos dois relógios; ao invés, é determinado por quão abaixo está um relógio em relação ao outro no "declive" gravitacional. Assim, é de esperar que a gravidade tenha efeitos na medição de intervalos de tempo. É possível oferecer argumentos semelhantes, mas um pouco mais complexos, que nos levam a prever que a gravidade também afecta as medições espaciais.
Considerados conjuntamente, estes argumentos conduziram Einstein à sugestão assombrosa de que a maneira de lidar com a gravidade num contexto relativista é tratá-la não como um campo de forças que actua no espaço-tempo, mas antes como uma modificação da própria estrutura geométrica do espaço-tempo. Na presença da gravidade, defendeu Einstein, o espaço-tempo é "curvo". Para saber o que isto significa, no entanto, temos de olhar um pouco para a história da geometria tal como esta última é estudada pelos matemáticos.

Geometria não euclidiana

Na geometria canónica, tal como Euclides a formalizou, derivam-se todas as verdades geométricas a partir de um pequeno conjunto de postulados básicos alegadamente auto-evidentes. Embora a axiomatização da geometria realizada por Euclides não seja realmente completa (isto é, não é suficiente em si mesma para permitir a realização de todas as derivações sem se pressuporem outras premissas subjacentes ocultas), é possível completá-la. Durante um longo período de tempo, o postulado de Euclides conhecido por "postulado da paralela" foi gerador de perplexidade. Este postulado é equivalente à afirmação de que, passando por um ponto que não esteja numa dada linha, só pode traçar-se uma única linha que esteja no mesmo plano da linha e ponto dados e que não intersecte a linha dada em qualquer direcção, por muito que as linhas se prolonguem. Os geómetras consideravam que este postulado não possuía a auto-evidência das outras hipóteses, que são mais simples (como "Iguais adicionados a iguais dão iguais" e "Uma linha recta é determinada por dois pontos"). Poderia este postulado "suspeito" ser derivado a partir dos outros postulados, tornando-se desnecessário enquanto pressuposto independente? Se pudéssemos mostrar que a negação do postulado da paralela era inconsistente com os outros postulados, poderíamos mostrar que esta derivação era de confiança pelo método da reductio ad absurdum. Mas poder-se-ia mostrar tal coisa?
Podemos negar o postulado da paralela de duas maneiras. O postulado diz que existe uma e apenas uma linha paralela que passa pelo ponto; para negar isto podemos afirmar que não existe qualquer linha paralela ou que existe mais do que uma. Em 1733, Saccheri mostrou que o postulado da inexistência de paralelas era realmente inconsistente com os restantes axiomas, pelo menos quando os entendemos da maneira habitual. Mas foi incapaz de mostrar que a negação do postulado das múltiplas paralelas também era inconsistente. No século XIX, Bolyai, Lobachevsky e Gauss compreenderam que podemos construir geometrias consistentes que adoptem os postulados de Euclides, mas que tenham um postulado de múltiplas paralelas em vez do postulado da paralela. Riemann mostrou então que, se os outros axiomas forem ligeiramente reinterpretados, poderemos construir uma nova geometria, também logicamente consistente, onde um postulado da inexistência de paralelas ocupa o lugar do postulado da paralela. As reinterpretações necessárias são as seguintes: "Uma recta é determinada por dois pontos" tem de ser lida de maneira a que por vezes mais do que uma linha recta contenha um dado par de pontos; "Uma linha pode ser prolongada arbitrariamente em ambos os sentidos" tem de ser lida como a afirmação de que uma linha não encontraria um ponto último se fosse prolongada, mas sem implicar que uma linha tão prolongada quanto possível tenha um comprimento infinito.
Mais tarde compreendeu-se que, quando se tomam estas novas geometrias não euclidianas como geometrias planas bidimensionais, pode-se entendê-las à maneira euclidiana como a geometria das curvas de menor distância (geodésicas) em superfícies curvas bidimensionais. Em particular, a geometria axiomática de Riemann era apenas a geometria das figuras construídas por arcos de círculos máximos (geodésicas) na superfície de uma esfera. Mas essas geometrias não euclidianas, tridimensionais e logicamente consistentes poderiam ser tomadas como sendo sobre o quê? Ou seria que, apesar de logicamente consistentes, eram absurdas por outras razões?
Gauss levou a geometria mais longe ao desenvolver uma teoria geral sobre as superfícies bidimensionais arbitrariamente curvas. Estas caracterizam-se por um número — conhecido por "curvatura gaussiana" — em cada ponto. A variação desta curvatura em função da distância, tal como é medida ao longo de curvas situadas na superfície, determina a forma da superfície curva. Segundo Gauss, estas superfícies curvas estão imersas no espaço euclidiano tridimensional comum. Um resultado importante do seu trabalho, no entanto, foi o de que se podia caracterizar alguns dos aspectos da curvatura (a curvatura "intrínseca") por meio de quantidades que poderiam ser determinadas por uma criatura bidimensional imaginária que estivesse confinada à superfície curva e que nem sequer se apercebesse da existência do espaço tridimensional que a envolveria. A partir desta nova perspectiva, verificou-se que se pode entender as geometrias descritas pelos sistemas axiomáticos anteriores como casos próprios. A geometria euclidiana bidimensional, a geometria do plano, é a geometria da superfície cuja curvatura de Gauss seja zero em todo o lado. A geometria de Riemann, a geometria das superfícies bidimensionais das esferas, é apenas a geometria de uma superfície cuja curvatura de Gauss seja constante e positiva. A geometria de Lobachevsky-Bolyai é a geometria de uma superfície bidimensional cuja curvatura de Gauss seja negativa e idêntica em cada ponto. A curvatura negativa caracteriza um ponto como aquele ponto no centro do desfiladeiro de uma montanha no qual a superfície se curva "em sentidos opostos", passando por ele ao longo de trajectórias diferentes.
Riemann foi então mais longe, e generalizou a teoria de Gauss das superfícies curvas a espaços de qualquer dimensão. Ao passo que Gauss pressupôs que as superfícies em questão estão imersas num espaço euclidiano plano, Riemann não presumiu tal coisa. Afinal, um dos resultados do trabalho de Gauss era o de que alguns aspectos da curvatura estavam ao alcance de uma criatura bidimensional que não soubesse da existência do espaço envolvente. A geometria geral de Riemann lida com estes aspectos da curvatura, os aspectos intrínsecos. (Não deve confundir-se esta geometria geral de Riemann de espaços n-dimensionais curvos com a anterior geometria axiomática de Riemann.) O pressuposto básico desta geometria é o de que o espaçon-dimensional curvo é susceptível de ser aproximado, em regiões suficientemente pequenas, por um espaço euclidiano plano e n-dimensional. Para superfícies curvas num espaço não curvo tridimensional, estas superfícies aproximadas podem ser representadas como planos tangentes à superfície curva num certo ponto; os planos estão também localizados no espaço tridimensional envolvente. Para um espaço geral de Riemann, curvo e n-dimensional, postula-se a existência destes "planos tangentes" só no sentido em que, no que diz respeito aos aspectos intrínsecos n-dimensionais, o espaço curvo n-dimensional pode ser aproximado num certo ponto por um espaço euclidiano não curvo e n-dimensional.
Quais são alguns dos aspectos dos espaços curvos? Como, por exemplo, poderia uma criatura tridimensional que vivesse num espaço tridimensional curvo descobrir que o espaço era realmente curvo? A curvatura intrínseca revela-se na medição de distâncias. Uma criatura n-dimensional pode realizar medições de distâncias entre pontos em número suficiente para se assegurar de que não há qualquer possibilidade de esses pontos estarem situados num espaço plano n-dimensional e terem as distâncias mínimas entre si ao longo de curvas que os pontos da criatura fazem. Uma verificação das distâncias aéreas mais curtas entre cidades terrestres, por exemplo, pode dizer-nos que a Terra não tem uma superfície plana, mas antes uma superfície que se aproxima da de uma esfera. Num espaço curvo n-dimensional, as curvas de menor distância, conhecidas por "geodésicas do espaço", seriam linhas rectas caso o espaço fosse plano. Estas linhas são também as linhas de "menor curvatura" do espaço. Intuitivamente, isto significa que as linhas, embora não possam ser rectas devido à estrutura do espaço, não diferem das linhas rectas mais do que aquilo que a curvatura do próprio espaço lhes impõe.
A curvatura pode também revelar-se de outras maneiras. Se pegarmos num segmento de recta orientado (um vector), por exemplo, e o movermos em torno de uma curva fechada num espaço plano, mantendo-o tanto quanto possível paralelo a si próprio enquanto o movemos, quando regressarmos ao ponto de origem o vector apontará aí na mesma direcção e sentido do que quando começámos. Mas num espaço curvo este transporte paralelo de um vector em torno de uma curva fechada irá, de uma maneira geral, mudar a direcção ou o sentido do vector, de tal forma que no fim do transporte ele apontará para uma direcção ou sentido diferente da direcção ou sentido que tinha no início do percurso.
Um espaço plano tridimensional tem uma extensão infinita e um volume infinito. Um plano euclidiano tem uma extensão infinita e uma área infinita. Mas a superfície intrinsecamente curva de uma esfera, embora não tenha limites, tem uma área finita. Uma criatura bidimensional que vivesse numa superfície esférica poderia pintar a superfície. Nunca encontraria um limite na superfície, mas depois de um tempo finito toda a superfície ficaria pintada e o trabalho estaria concluído. Do mesmo modo, uma criatura tridimensional que vivesse no espaço curvo tridimensional análogo à superfície esférica, vivendo naquilo a que se chama uma tri-esfera, poderia encher a região com um plástico espumoso. Embora nunca encontrasse uma parede que limitasse o espaço, concluiria o trabalho num tempo finito, quando todo o volume do espaço tridimensional ficasse ocupado por uma quantidade finita de plástico espumoso.
Parece assim claro que a noção de espaço n-dimensional curvo, onde se inclui a noção de espaço tridimensional curvo, além de ser consistente de um ponto de vista lógico, não é, manifestamente, absurda. Enquanto ficarmos pelas características intrínsecas da curvatura, não estamos a presumir que o espaço esteja imerso num outro espaço plano envolvente e com mais dimensões. E os aspectos da curvatura intrínsecos ao espaço podem ser manifestamente determinados por meio de técnicas directas por uma criatura que viva nesse espaço. Será então que podemos verificar se o verdadeiro espaço tridimensional do nosso mundo é curvo, e não o espaço plano caracterizado pelos postulados básicos da geometria euclidiana tridimensional? Estas especulações acompanharam naturalmente a descoberta das novas geometrias.

O uso das geometrias não euclidianas na física

No século XIX houve alguma especulação sobre a possível realidade do espaço curvo. Clifford, por exemplo, sugeriu que era concebível que a matéria consistisse realmente em pequenas regiões de espaço altamente curvo situadas num espaço tridimensional que na sua maior parte não fosse curvo. Era óbvio que só se podia detectar uma curvatura espacial de grande escala nas escalas de maior dimensão, ou seja, nas escalas astronómicas, já que séculos de experiência nos tinham mostrado que a geometria euclidiana não curva tridimensional funcionava bem nas nossas descrições do mundo. Não havia dúvida de que ela funcionava bem nas medições comuns e até na descrição de coisas como a estrutura do sistema solar.
No entanto, foi só com a nova teoria relativista da gravidade de Einstein — a teoria da relatividade geral — que a geometria curva se tornou uma parte essencial de uma teoria física plausível. Vimos que podemos defender com plausibilidade que a gravidade afecta dinamicamente todos os objectos da mesma maneira, independentemente do seu tamanho e da sua constituição. Deste modo, um objecto material que seguisse uma trajectória com direcção e velocidade uniformes na ausência de gravidade ou de outras forças, seguiria um percurso diferente na presença da gravidade. Mas a mudança de trajectória depende apenas do campo gravitacional e do lugar e velocidade iniciais do objecto. Não depende da massa do objecto ou do material de que ele é feito. É esta independência do efeito da gravidade em relação ao tamanho e à estrutura dos objectos que torna possível uma "geometrização" do campo gravitacional.
A ideia de tratar a gravidade como uma curvatura torna-se plausível quando a combinamos com os argumentos a favor de um efeito gravitacional sobre os aspectos métricos do mundo, tal como estes são determinados por réguas e relógios. No entanto, Einstein não postula um espaço curvo, pelo menos de maneira fundamental, mas um espaço-tempo curvo. No espaço-tempo de Minkowski da relatividade restrita, as partículas livres viajam em linhas rectas de tipo temporal, que são as geodésicas temporais do espaço-tempo. Ora, sugere Einstein, temos de conceber as partículas que só sofrem a acção da gravidade como partículas "livres" que viajam, não ao longo de linhas rectas de tipo temporal, mas ao longo de geodésicas curvas de tipo temporal num espaço-tempo curvo. Um resultado fundamental da geometria de Riemann é o de que por um ponto, numa dada direcção, só passa uma trajectória geodésica. Nos espaços de Riemann, as geodésicas são simultaneamente as trajectórias de curvatura mínima e (localmente) de distância mais curta. Com a nova métrica do espaço-tempo, é melhor considerar como fundamental a definição das geodésicas enquanto linhas de "curvatura mínima". No espaço-tempo, se especificarmos uma direcção num certo ponto, estaremos simultaneamente a especificar uma direcção espacial e uma velocidade em cada direcção. Deste modo, a geodésica de tipo temporal que passa por um ponto numa dada direcção corresponderá à especificação do lugar inicial e da velocidade inicial de uma partícula. A trajectória especificada pela geodésica será assim única. E isto é exactamente o que queríamos para a gravidade porque, dado um lugar e uma velocidade iniciais, a trajectória de qualquer partícula num campo gravitacional é a mesma. A luz, que na relatividade restrita segue as geodésicas nulas em linha recta do espaço-tempo de Minkowski, segue agora as geodésicas nulas do espaço-tempo curvo, que em geral não são linhas rectas.
Podemos determinar a curvatura de um espaço-tempo ao seguir as trajectórias dos feixes de luz e das partículas "livres", isto é, das partículas e dos raios luminosos que agem apenas sob a influência da gravitação, agora vista simplesmente como a curvatura do espaço-tempo. Mas podemos também, pelo menos em princípio, determinar a estrutura da curvatura realizando um número suficiente de medições de intervalos temporais e espaciais entre acontecimentos e combinando estas medições no intervalo espácio-temporal, que define a métrica do espaço-tempo. A relatividade geral postula que o espaço-tempo assim determinado irá ser consonante com o espaço-tempo determinado ao seguir-se os movimentos geodésicos das partículas e dos raios luminosos, sendo os relógios e as réguas usados para efectuar as medições espaciais e temporais que estão também sob a acção do campo gravitacional, no sentido em que os relógios e as réguas medem convenientemente estas qualidades métricas no espaço-tempo curvo.
A teoria tradicional da gravidade tinha duas partes: uma que especificava a acção da gravidade sobre partículas-teste; e outra que especificava o tipo de campo gravitacional gerado por uma fonte de gravidade. Na teoria mais antiga, a gravidade era uma força que acelerava igualmente todos os objectos materiais que estivessem num certo lugar de um campo gravitacional. Na nova teoria, a gravidade é a estrutura do espaço-tempo curvo. Ela afecta partículas e raios luminosos, no sentido em que estes percorrem agora curvas temporais e geodésicas nulas no espaço-tempo, e afecta instrumentos idealizados de medição temporal e espacial.
E quanto ao segundo aspecto da teoria, aquele que especifica que tipo de campo gravitacional é gerado por uma fonte de gravidade? Na teoria mais antiga, qualquer objecto com massa gerava um campo gravitacional. Na nova teoria relativista, associa-se a gravidade à massa-energia do mundo material. As equações de campo da relatividade geral têm no seu lado esquerdo uma expressão matemática que caracteriza a curvatura do espaço-tempo. No seu lado direito têm uma expressão, conhecida por "tensor das tensões-energia", que nos diz como a massa energia está distribuída no espaço-tempo. Esta equação relaciona a gravidade, vista agora como espaço-tempo curvo, com as suas fontes na massa-energia não gravitacional. (O "não gravitacional" é importante porque o próprio campo gravitacional, o espaço-tempo curvo, também possui massa-energia.) Seria um erro pensar que a matéria "causa" o campo gravitacional num sentido simplista, porque conhecer o lado direito da equação, que diz como a massa-energia está distribuída pelo espaço-tempo, requer que se postule uma estrutura de espaço-tempo. A equação diz-nos se um dado espaço-tempo é ou não compatível com uma distribuição postulada de massa-energia nesse espaço-tempo. O mundo postulado só é um mundo possível à luz da nova teoria quando a equação é satisfeita tanto pela estrutura postulada de espaço-tempo como pela distribuição postulada de massa-energia nessa estrutura.
É interessante que a partir da equação de campo se siga a lei dinâmica da gravidade, segundo a qual as partículas materiais pontuais percorrem geodésicas de tipo temporal quando estão "livres". Ao contrário do que se verifica na teoria newtoniana, não é preciso postular a lei dinâmica enquanto lei independente, já que ela própria é derivável a partir da equação de campo básica.
Se aceitarmos esta nova teoria da gravidade do espaço-tempo curvo, enfrentaremos depois, enquanto habitantes do mundo, a tarefa de tentar determinar a sua verdadeira estrutura de espaço-tempo. A teoria diz-nos que a geometria do espaço-tempo deve estar correlacionada com a distribuição de matéria e energia nesse espaço-tempo. E a estrutura do espaço-tempo em questão revela se em trajectórias geodésicas curvas de raios luminosos e partículas "livres", e também em intervalos espaciais e temporais medidos por réguas (ou por fitas métricas, num mundo curvo) e relógios. Obviamente, se o espaço-tempo mostrar uma curvatura, isso acontecerá a escalas astronómicas, porque temos uma vasta experiência empírica que nos assegura de que em medições locais de pequena escala a geometria plana de Minkowski funciona adequadamente.
Alguns efeitos desta nova compreensão da "gravidade como curvatura do espaço-tempo" revelam-se à escala do sistema solar. Considera-se que os planetas percorrem geodésicas no espaço-tempo curvado pela presença da massa do Sol. Isto introduz mudanças ligeiras no movimento kepleriano dos planetas explicável pela teoria newtoniana. Sabemos que mesmo no sistema solar a curvatura do espaço-tempo é pequena. As trajectórias dos planetas no espaço-tempo desviam-se pouco das geodésicas em linha recta (que não devemos confundir com as elipses, obviamente curvas, que eles percorrem). No entanto, o efeito da curvatura é o de sobrepor pequenos efeitos adicionais às trajectórias elípticas habituais dos planetas, tal como um movimento (relativo a um sistema inercial fixo no Sol) do ponto de maior aproximação do planeta ao Sol na sua órbita, um movimento detectável no caso do planeta Mercúrio.
Podem também observar-se outros efeitos métricos da gravidade a uma escala razoavelmente pequena, em particular no atraso de um relógio relativamente a outro quando o primeiro relógio está mais abaixo num potencial gravitacional que o segundo. Mas é à grande escala astronómica que a teoria dá origem às mais interessantes das suas novas previsões e à possibilidade das manifestações mais fascinantes das consequências observacionais da curvatura do espaço-tempo. Lidamos com modelos altamente idealizados de universos, em relação aos quais se podem retirar conclusões teóricas. Obviamente, a esperança é a de que pelo menos algumas destas imagens idealizadas do mundo à escala cosmológica estejam suficientemente perto da realidade para melhorar a compreensão do mundo que descobrimos com as observações astronómicas do espaço profundo. Presume-se habitualmente, por exemplo, que se pode considerar que a matéria do universo está distribuída uniformemente e que a distribuição é a mesma em todas as direcções espaciais do mundo cosmológico. Este pressuposto está agora sob um exame observacional intensivo.
Os teóricos têm explorado uma ampla variedade de mundos de espaço-tempo possíveis. Em muitos deles, a estrutura de continuidade do mundo difere da dos mundos da física newtoniana ou da física da relatividade restrita. Em alguns mundos, por exemplo, pode haver trajectórias fechadas de tipo temporal, colecções de acontecimentos tais que quando um observador avança de cada acontecimento para o que lhe é posterior acaba por regressar ao acontecimento inicial. Outros espaços-tempos, embora não sejam causalmente tão patológicos, podem estar perto de incluir essas trajectórias causais fechadas. Outros espaços-tempos peculiares têm uma não orientabilidade inscrita em si; são torcidos, como a conhecida fita de Möbius — uma superfície bidimensional torcida imersa no tri-espaço.
Num tal espaço não orientável, pode ser impossível fazer uma distinção global entre objectos situados à esquerda e objectos situados à direita, pois um objecto situado à direita é transformável num objecto que está à esquerda no mesmo lugar por meio de uma viagem em torno do espaço-tempo. Pode também haver uma ausência de orientabilidade temporal, o que torna impossível dizer globalmente qual é a direcção temporal do "passado" e qual é a do "futuro" de um certo acontecimento.
Em alguns espaços-tempos, é possível que os observadores tenham o espaço-tempo dividido em espaços num certo instante. Isto significa que nesses mundos, para um observador que esteja num estado de movimento específico, o espaço-tempo pode ser segmentado em espaços de acontecimentos tridimensionais, sendo possível atribuir a todos eles um instante específico numa ordem temporal que pode ser globalmente válida. Noutros espaços tempos, é impossível tal segmentação do espaço-tempo em "segmentos de simultaneidade" de tri-espaços num certo instante. Quando essa divisão do espaço-tempo em espaços num certo instante é possível, os próprios espaços podem ser espaços tridimensionais curvos do tipo que Riemann estudou na sua generalização da geometria de Gauss das superfícies curvas. Num desses universos, o modelo de Einstein, o tempo prolonga-se para sempre tanto em direcção ao passado como em direcção ao futuro. Para um observador, o mundo espacial existe em cada instante como uma esfera tridimensional fechada de tamanho finito e constante. Os universos de Robertson-Walker têm espaços num certo instante de curvatura constante, mas a curvatura pode ser positiva, nula ou negativa. O parâmetro de dimensão destes espaços pode mudar com o tempo, o que os torna modelos plausíveis de universos com Big Bang, onde existe um ponto singular em que toda a matéria do mundo está comprimida num ponto espacial. À luz da observação, o nosso universo parece ter esse ponto.
Além disso, a curvatura do espaço-tempo ajuda a explicar os dados possíveis da experiência noutra área: a descrição das singularidades geradas pela matéria em colapso das estrelas com grandes massas. Estes são os famosos buracos negros, regiões do espaço-tempo tão curvadas pela presença de matéria altamente densa que a luz não pode escapar para o espaço-tempo exterior a partir da região de espaço-tempo interior que está imediatamente em torno do ponto de colapso singular da estrela. Os modelos destas regiões do espaço-tempo localmente muitíssimo curvas, que correspondem a estrelas em colapso electricamente carregadas e/ou em rotação, assim como os do tipo original estudado, proporcionam casos fascinantes para estudar os efeitos peculiares que a gravidade pode ter enquanto curvatura do espaço-tempo. Embora os dados observacionais sejam ainda inconclusivos, parece que alguns dos geradores de radiação altamente energética do cosmos, como os quasares e os centros das chamadas "galáxias activas", podem muito bem ser buracos negros.

Espaço-tempo curvo e gravidade newtoniana

Ao discutirmos a transição do espaço e do tempo para o espaço-tempo, quando se formularam os fundamentos da teoria da relatividade restrita, notámos que, depois de se ter construído o espaço-tempo de Minkowski como o espaço-tempo apropriado para a relatividade restrita, os cientistas compreenderam que podíamos usar a noção de espaço-tempo para construir um espaço-tempo que em alguns aspectos era mais apropriado para a física de Newton do que o seu próprio espaço e tempo absolutos: o espaço-tempo galilaico ou neo-newtoniano. A partir da concepção da gravidade enquanto espaço-tempo curvo, própria da teoria da relatividade geral, tornou-se claro que mesmo na imagem pré relativista podemos redescrever a gravidade por meio de um espaço-tempo curvo. Nesta imagem pré-relativista, a gravidade não tem os efeitos nas medições de tempos e distâncias que tem na versão relativista, nem se dá qualquer atenção ao efeito da gravidade na luz. Em vez disso, são os efeitos dinâmicos habituais da gravidade que são transformados na curvatura do espaço-tempo.
Nesta imagem, o tempo é precisamente tal como Newton o concebia. Há um intervalo de tempo absoluto e definido entre quaisquer dois acontecimentos. Acontecimentos que são todos simultâneos formam espaços num certo instante. Estes são, tal como o eram para Newton, espaços euclidianos tridimensionais não curvos. Tal como no espaço-tempo neo-newtoniano, não existe qualquer noção não relativa de dois acontecimentos não simultâneos estarem no mesmo lugar; logo, neste espaço-tempo não há a noção newtoniana absoluta de estar no mesmo lugar ao longo do tempo nem de velocidade absoluta. No entanto, tal como na concepção neo-newtoniana existem geodésicas de tipo temporal que correspondem a trajectórias possíveis de partículas em movimento livre, também existem geodésicas de tipo temporal nesta nova imagem do espaço-tempo. Mas ao passo que as geodésicas de tipo temporal da imagem neo-newtoniana são as trajectórias em linha recta de partículas em movimento uniforme (partículas que não sofrem a acção de forças e que, seguindo a lei da inércia, mantêm constante a sua velocidade), agora as geodésicas de tipo temporal são linhas curvas. Estas são concebidas como trajectórias de partículas que são "livres" no novo sentido que se tornou conhecido com a teoria da gravidade de Einstein, isto é, que não sofrem a acção de outras forças que não a da gravidade.
Uma vez mais, elimina-se a força gravitacional da teoria, concebendo-se a gravidade como a curvatura de geodésicas de tipo temporal, de tal forma que as partículas sofrem o efeito da gravidade não ao ser deflectidas do seu movimento geodésico pela força do objecto gravitacional, mas antes ao seguir as trajectórias geodésicas "livres" no espaço-tempo, trajectórias que agora são curvas devido à presença do objecto gravitacional, que funciona como uma "fonte" da curvatura do espaço-tempo. Tal como na teoria de Einstein, é só o efeito uniforme da gravidade sobre uma partícula-teste — que consiste no facto de todos os objectos afectados pela gravidade sofrerem a mesma modificação no seu movimento, seja qual for a sua massa ou constituição — que permite esta "geometrização" da força gravitacional. Este espaço-tempo curvo da gravidade newtoniana não é, como o espaço-tempo de Minkowski ou o espaço-tempo curvo da teoria da relatividade geral, um espaço-tempo riemanniano (ou melhor, pseudo-riemanniano) porque, contrariamente aos espaços-tempos da relatividade restrita ou geral, não tem qualquer estrutura métrica de espaço-tempo. Há um intervalo de tempo definido entre quaisquer dois acontecimentos. Para acontecimentos simultâneos, há uma separação espacial definida entre quaisquer dois acontecimentos. Neste sentido, este espaço-tempo tem uma métrica de tempo e uma de espaço. Mas não há, ao contrário do caso relativista, qualquer intervalo de espaço-tempo entre um par de acontecimentos. A curvatura revela-se apenas no facto de as geodésicas de tipo temporal não serem rectas, e não em qualquer característica métrica do espaço-tempo.

Resumo

O desenvolvimento das elegantes teorias de Einstein, que tentaram fazer justiça aos surpreendentes factos obtidos pela observação sobre o comportamento da luz, das partículas livres e dos relógios e réguas, oferece-nos assim duas revoluções nos nossos pontos de vista sobre o espaço e o tempo. Em primeiro lugar, substitui-se o espaço e o tempo pela noção unificada de espaço-tempo, relativamente à qual os aspectos temporais e espaciais do mundo se tornam derivados. Em segundo lugar, invoca-se a noção de curvatura para encontrar um lugar natural para os efeitos da gravidade nessa imagem espácio-temporal do mundo.
É óbvio que estas revoluções na nossa perspectiva científica sobre o que são realmente o espaço e o tempo devem traduzir-se numa reapreciação profunda das questões tipicamente filosóficas sobre o espaço e o tempo. Como deveremos conceber o estatuto das nossas pretensões ao conhecimento da estrutura do espaço e do tempo num contexto em que, pela primeira vez, se encontram disponíveis para inspecção científica várias propostas possíveis distintas sobre a estrutura do espaço e do tempo? E que efeito deverão ter essas novas estruturas sobre o espaço e o tempo nos nossos pontos de vista sobre a natureza metafísica do espaço e do tempo? Em particular, que efeito deverão ter estas concepções científicas revolucionárias no debate tradicional entre substantivistas e relacionistas?
Lawrence Sklar
Tradução de Desidério Murcho, Pedro Galvão e Paula Mateus
Retirado de Philosophy of Physics, de Lawrence Sklar (Oxford University Press, 1992).

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