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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Brasil: a rua neoliberal

Perdida a proteção do boom econômico dos últimos anos, a paciência dos brasileiros terminou

Por Manuel Castells

Resultado de imagem para castells fotoVoltaram para as ruas do Brasil, centenas de milhares, em 15 de março, como em junho de 2013. Mas não é a mesma rua, embora a corrupção política continue a ser o centro do protesto. Não é a mesma rua, pelo que pedem nem para quem pedem. Eles estão pedindo a derrubada da presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT), reeleita em outubro passado. Pedem menos intervenção do governo, impostos mais baixos, menos sistema público, mais de privatização econômica. E pedem uma mudança do sistema político, incluindo todos os partidos na corrupção, embora alguns setores salvem Aécio Neves, derrotado opositor de Dilma Rousseff. Em uma franja minoritária do movimento há chamadas para um golpe militar como a única maneira de salvar o Brasil dos políticos. Paradoxalmente, enquanto o autoritarismo de um Estado bolivariano é denunciado se chama para protestar fora das instituições.

Não são os mesmos. Os principais núcleos de redes sociais das mobilizações de 2013 são menos ativos. De acordo com a análise de tráfego de rede durante o protesto feito pelo especialista Marcelo Branco, há uma clara polarização entre dois grupos, o protesto anti-Dilma, apoiado pela grande mídia, e os advogados de Dilma, fiel ao Partido Trabalhadores, minoria. Aqueles que convocaram as manifestações de 15 de Março representam uma amálgama heterogênea de interesses e ideologias apoiados por alguns dos deputados mais corruptos. Estes incluem Vem Pra Rua, os defensores do Estado mínimo e opostos à bolivarização do Brasil; Revoltados On Line, abertamente fascistas, racistas e homofóbicos, partidários de um golpe de Estado; o Depupato Bolsonaro, militar que defende um retorno à ditadura; Pastor Silas Malafaia da influente Assembleia de Deus; o conservador PPS de Roberto Freire; Aécio Neves, o candidato presidencial do PSDB, e o grupo que pareceu  tomar a iniciativa de 15 de Março, o Movimento Brasil Livre, criado na rede, mas muito ativo nos protestos. Este grupo, predominantemente formado por profissionais e estudantes, está relacionado com o Instituto Liberal, um think tank empresarial, apoiado por grandes empresas nacionais e estrangeiras, entre as quais se diz está a petroleira dos irmãos Koch, matriz do Tea Party nos Estados Unidos. Este movimento articula uma proposta de liberalização econômica, como expressa um de seus jovens líderes, o estudante de 19 anos Kataguiri  que idolatraKim Milton Friedman. Quem poderia imaginar a tese de Milton Friedman expressada durante a rua por jovens estudantes... Claro, o liberalismo econômico não é incompatível com as chamadas para os militares: lembre-se a ligação entre Pinochet e os Chicago Boys .

Nem são os mesmos participantes nas manifestações de 2015 que os de 2013. Em São Paulo, 72% nunca tinham se manifestado antes. 68% eram de classe média, e 19%, de classe alta. Em Porto Alegre eram mais de 80% de brancos, mais de 65% com nível superior, e três quartas partes sem qualquer posição na família. E, em geral, menos jovens (25-44 anos) do que os de 2013. É uma revolta de classe média urbana, jogando alto, contra o estatismo e políticos corruptos.

Na verdade o detonador do movimento tem sido a revelação da corrupção sistêmica na política brasileira na sequência do inquérito sobre o uso da empresa nacional Petrobras por políticos de todos os partidos. De todos, embora a raiva seja focada no PT, atualmente no governo. Dos acusados, apenas seis são do Partido dos Trabalhadores (incluindo Gleisi Hoffmann, mão direita de Dilma), um do PSDB, sete do PMDB (partido de todos os governos) e trinta e um do PP de direita. Mas tornou-se claro que em todos os governos a Petrobras contratava empresas em troca de taxas que variam de 3% que ia aos partidos no poder e aos bolsos dos intermediários. Os homens chave são coletores principais (tipo Barcenas) de cada partido, que trabalham fora do governo, mas sob proteção. O sistema político como um todo sempre foi podre. Na ditadura as comissões foram de 20%, Collor de Mello roubou, e todos os governos tiveram seus escândalos, porque como nenhum presidente pode ter uma maioria no Congresso tem que comprar apoios, nos empregos e nos pagamentos. O PT é punido porque foi oferecido como uma alternativa para a corrupção. E porque chove no molhado: o primeiro grande escândalo de Lula (o mensalão) foi seu primeiro-ministro e chefe do aparelho do PT, José Dirceu, que foi para a prisão por suas relações e, no entanto, em seguida, criou uma empresa de consultoria e se suspeita que ele seguiu na mesma, para o partido e para ele.

Dilma, que é limpa, parece impotente para mudar o sistema. Em parte porque não é do núcleo fundador do PT (vem do PDT DE Brizzola). E em parte porque não tem força suficiente para expor a miséria de um partido que não parece disposto a deixar o poder, como ele demonstrou sua campanha selvagem de mentiras que acabaram com Marina Silva quando ele estava à frente na eleição presidencial. A presidente acaba de introduzir um pacote de medidas contra a corrupção (Blog.planalto.gv.br). Poucos confiam na sua aplicação efetiva. E o problema é sistêmico. Perdida a proteção do boom econômico dos últimos anos, a paciência dos brasileiros terminou. E o descontentamento, em uma estranha mistura de neoliberalismo e militarismo expressa fora das instituições, nas redes e nas ruas, como todas as manifestações do nosso tempo, independentemente da sua origem e da sua ideologia. Porque a sociedade é diversa e leva para as ruas, a sua diversidade, quando não há outros canais de participação.

Publicado em La Vanguardia

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