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quinta-feira, 2 de julho de 2015

O ajuste fiscal não resolve os desequilíbrios estruturais da economia brasileira

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“O governo Dilma saltou de um keynesianismo rastaquera para uma austeridade tosca”
(Drummond e Martins, 2015)

dívida e orçamento 2015

Todo ajuste surge de algum desajuste. O ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy, do governo da presidenta Dilma Rousseff, é apresentado como uma medida corretiva e temporária que vai colocar o país de novo na rota do “crescimento econômico e do avanço social”. Na ideologia governista, trata-se apenas de uma medida conjuntural que poderá fazer o país voltar ao rumo das mudanças estruturais. Ou como disse a presidenta durante o Congresso do PT em Salvador: “trata-se de um recuo tático” que não vai interromper a estratégia de progresso de longo prazo. Ou como disse Lenin no lançamento da “A Nova Política Econômica (NEP)”, que recuperou alguns traços de capitalismo para incentivar a nascente economia soviética: “um passo atrás para dar dois passos à frente”. Ou numa versão menos grandiosa, o ajuste fiscal seria aquele remédio amargo que os pais impõem aos filhos doentes de uma inflamação na garganta: “tome o remédio amargo e você vai se curar, vai poder voltar a falar, a se alimentar e poderá brincar normalmente”.
Seria ótimo se o ajuste fiscal da dupla Dilma/Levy fosse uma medida corretiva, como uma nota baixa que um professor dá a um aluno relapso, mas que serve de estímulo para correção do rumo acadêmico e para uma formatura festiva e uma carreira profissional de sucesso. Porém, o ajuste fiscal pode ser apenas o enterro de um sonho de uma economia forte, próspera e justa. Até agora, o ajuste fiscal está mais para “austericídio” do governo e do país.
Na verdade o que ocorreu é que “O governo Dilma saltou de um keynesianismo rastaquera para uma austeridade tosca” (Drummond e Martins, 2015). O ex-ministro Guido Mantega conseguiu cometer todos os erros possíveis na administração da política econômica do primeiro governo Dilma (2011-2014). Exemplo: o ex-ministro incentivou a indústria automobilística multinacional presente no Brasil a vender mais carros para a “nova e emergente classe média”. Para tanto, reduziu os impostos, congelou o preço da gasolina e subsidiou o crédito. O resultado foi a geração de uma dívida imensa na Petrobras, o esvaziamento do caixa do Governo Federal, o aumento das importações e o engarrafamento das precárias estradas e ruas das cidades, gerando uma grande imobilidade urbana e o aumento das mortes no trânsito. Além disto, houve déficits crescentes na balança comercial com o México e outros países. De quebra, destruiu os avanços da produção de energia do setor sucroalcooleiro. Por fim, aumentou as emissões de gases de efeito estufa, agravando os problemas do aquecimento global e das mudanças climáticas que influem na crise hídrica. Ou seja, o incentivo à indústria automobilística, como foi feito, foi um equívoco e até o presidente da Mercedes do Brasil, Philipp Schiemer se manifestou criticamente: “O País perdeu a previsibilidade com as mudanças nas premissas da política econômica. Voltamos uns 20 anos no tempo”.
O fato é que Guido Mantega e Dilma 1 deixaram uma herança maldita para Joaquim Levy e Dilma 2. O nível de emprego já apresentava problemas, mesmo quando as taxas de desemprego estavam baixas. A crise do mercado de trabalho vem ocorrendo pelo menos desde 2012, pois a taxa de atividade está estagnada. Sem geração de emprego, o crescimento econômico fica dependente da produtividade. Mas o Brasil é campeão de improdutividade e o governo nada fez para reverter esta situação. O resultado foi a estagnação do PIB em 2014 e uma grande recessão em 2015. Mesmo com redução da demanda a inflação subiu. O resultado é “estagflação”. A solução para a crise do emprego e da produtividade teria que vir pelo lado do investimento, da inovação tecnológica e das mudanças institucionais. Mas o governo não conseguiu elevar a Formação Bruta de Capital Fixo e o BNDES passou a subsidiar os investimentos de setores “escolhidos” sem o compromisso com a eficiência econômica. A dívida interna cresceu mesmo com as “pedaladas fiscais”, que segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) gerou uma diferença de R$ 251 bilhões entre receitas e despesas em 2014. Neste momento, o governo Dilma tem até meados de julho para justificar os erros que foram cometidos recentemente, em especial no ano passado, que agravaram as contas fiscais do país e afrontaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como consequência, a dívida pública federal – incluindo os endividamentos interno e externo do governo – registrou aumento de 1,83% em maio deste ano, e atingiu a cifra de R$ 2,49 trilhões, segundo informações da Secretaria do Tesouro Nacional.
O surpreendente é que a política macroeconômica, além de provocar uma redução forçada na demanda agregada, recorra à política monetária contracionista, pois a solução encontrada pelo Banco Central (BC) tem sido aumentar a taxa de juros. Ou seja, o governo reforça a redução da atividade econômica, corta gastos e retira direitos trabalhistas com uma mão e aumenta os gastos e favorece aos setores rentistas com a outra mão, pois juros maiores de uma dívida maior é uma “bomba relógio”. Não é necessário dizer, mas se trata de uma política totalmente esquizofrênica e que está fadada ao insucesso. Ou seja, o ajuste fiscal da Dilma 2 não vai resolver as trapalhadas do governo Dilma 1. Ao contrário, vai agravar a situação, pois gerará uma grande contração econômica, aumentando a dívida pública em termos absolutos e como proporção do PIB. Para Luis Nassif, as barbeiragens do BC começam a assustar o mercado e dificultam ainda mais os desequilíbrios macroeconômicos.
É uma situação grave, em especial, quando se sabe que quase metade da renda das famílias brasileiras está comprometida com dívidas, segundo dados do Banco Central. O endividamento das famílias chegou a 46,3% em abril, o maior percentual desde o início da pesquisa, em 2005. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que apoiou a reeleição de Dilma Rousseff, duvida do ajuste do Levy e em entrevista para o sítio da CUT, diz: “É uma tolice o que estão fazendo”.Também o professor de economia, Guilherme Delgado, tem uma visão crítica do ajuste fiscal: “Vejo este cenário com muita preocupação, porque não me parece ser esta a resposta adequada ao problema da crise fiscal. A crise fiscal existe. Quem faz pesquisa não pode brigar com os fatos. No entanto, a maneira de responder a esta crise com a adoção da política econômica faz toda a diferença” (2015).
O ministro Mangabeira Unger disse que o governo Dilma 1 praticou um “Keynisianismo vulgar”. Na verdade houve um processo de “especialização regressiva” e de desindustrialização precoce do Brasil. O país voltou a praticar o modelo econômico da República Velha (1889-1930) que ancorava o crescimento na dependência do modelo “primário-exportador”. Esta estratégia funcionou enquanto o preço das commodities estava alto no mercado internacional. Agora o que restou é a perda de empregos industriais e um esforço para exportar um volume cada vez maior de soja, minério, etc, para uma receita total menor. O resultado é uma crise no comércio exterior e a perspectiva de uma nova crise cambial, com a consequente desvalorização do Real e o empobrecimento geral dos agentes econômicos nacionais. Para agravar ainda mais a situação, tudo deve piorar com o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e o enxugamento da liquidez internacional.
Por conta disto, cresce o número de analistas que consideram que o governo Dilma trocou o “keynesianismo rastaquera” pelo “ajuste fiscal vulgar”, em um regime permeado pelo cronismo. Ou seja, parece que o governo está insistindo nos erros, mas com sinal trocado. A falta de clareza na solução dos problemas fiscais fica claro na questão previdenciária em um quadro de rápido envelhecimento populacional.
A reforma da previdência foi sendo adiada constantemente, até que o Congresso derrubou o “fator previdenciário” (com apoio da base aliada do governo). Mas a presidenta Dilma vetou a medida e improvisou uma solução que pode não passar no Congresso, pois já tem a oposição de setores do PT, CUT, etc. Se a questão previdenciária não for resolvida mirando o longo prazo, qualquer ajuste fiscal vai ser temporário. O envelhecimento populacional, em um quadro de fim precoce do bônus demográfico, constitui uma situação explosiva no equilíbrio orçamentário, especialmente diante do enorme peso da população idosa que vem pela frente. Até o momento, o que tem sido feito no Congresso Nacional é uma contra-reforma que só vai agravar o déficit fiscal e as contas públicas. Para complicar ainda mais o ajuste fiscal, a Câmara aprovou no dia 24/06 a extensão da regra de reajuste do salário-mínimo às aposentadorias e pensões. Ou seja, a esquerda brasileira sempre defendeu a ampliação dos benefícios para os aposentados, agora é a direita, liderada por Eduardo Cunha, que faz agrados para a “população idosa inativa” às custas dos parcos recursos da política social.
Há muita confusão e procrastinação. Do jeito que a coisa anda, não existe perspectiva de retomada do desenvolvimento e de avanço das chamadas “conquistas sociais”. O país caminha para a segunda década perdida e uma situação política tipo “sarneyzação piorada”. O governo Dilma 2 está atacando os resultados do governo Dilma 1, sendo que ambos estão equivocados. Não sem motivos já está surgindo um movimento chamado de “frente de esquerda” (composto por pessoas que em sua maioria apoiaram o governo Dilma 1 e agora não querem arcar com as heranças nefastas) que ainda precisa mostrar o que pretende e como pode solucionar os impasses da nação. Alternativas são urgentemente necessárias, pois não só estamos vivendo a maior e mais impactante crise da história brasileira, mas podemos entrar em um processo irreversível de des-desenvolvimento e regressão social. O Brasil virou um país submergente e parece que está indo no mesmo rumo da Grécia, ou seja, o rumo do declínio e da falta de um projeto de nação e de inserção soberana no processo de globalização.
De maneira esquemática, podemos dizer que diante da “mais grave crise da história” e da “maior crise de governabilidade”, o Brasil tem um Executivo sem rumo, um Legislativo conservador e atabalhoado, uma oposição sem noção, movimentos sociais sem força de mobilização e uma população angustiada, sem esperança e cada vez mais revoltada e raivosa.
Referências:
Carlos Drummond e Miguel Martins. O desemprego ameaça o avanço social, Carta Capital, 13/06/2015 http://www.cartacapital.com.br/revista/853/cai-a-ultima-barreira-8628.html
Luiz Gonzaga Belluzzo. É uma tolice o que estão fazendo, Rede Brasil Atual, 08/06/2015

Luis Nassif. Barbeiragens do BC começam a assustar o mercado, 17/06/2015

Guilherme Delgado. Ajuste fiscal vai liquidar com os mais frágeis e concentrar a renda, entrevista a Valéria Nader e Gabriel Brito, Correio da Cidadania, 03 de Junho de 2015


José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 01/07/2015

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