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domingo, 23 de agosto de 2015

China: Penetrar nas sombras

A economia chinesa é um laboratório único para estudar a evolução da economia capitalista. Por Alejandro Nadal.

A recente desvalorização do yuan é um sinal de que as autoridades chinesas toleraram mal a queda de 8,3 por cento nas exportações do gigante asiático, anunciada na véspera
Processos que demoraram século e meio noutros países foram levados a cabo em poucos anos na China. Desde o triunfo da contrarrevolução nos turbulentos anos oitenta e o início das reformas, até este período de crise e rearranjos estruturais, o processo de acumulação na China oferece lições importantes que permitem reinterpretar o passado da economia capitalista mundial. Especialmente importante é a informação que nos proporciona a evolução do seu sistema financeiro.
A recente desvalorização do yuan é um sinal de que as autoridades chinesas toleraram mal a queda de 8,3 por cento nas exportações do gigante asiático, anunciada na véspera. O crescimento do PIB caiu e hoje não deve ser superior a 5 por cento (o dado oficial de 7 por cento é pouco confiável e a redução é maior).
Na realidade, a desvalorização é uma confissão de que a muito anunciada mudança do modelo de crescimento, para dar mais importância ao mercado interno, fracassou. O consumo interno não descola, porque no modelo capitalista chinês a exploração da mão de obra e os salários miseráveis continuam a ser uma fonte chave de rentabilidade.
Em 2009, quando a crise mundial se intensificava, o banco central chinês lançou um pacote de estímulo de mais de 4 bilhões de yuanes para aumentar o crédito. Desde essa data, o vício do crédito tornou-se cada vez mais intenso e hoje é necessário cada vez mais crédito para gerar menos crescimento. Entre 2007 e 2014 o crédito em proporção do PIB passou de 130 para 200 por cento. A contrapartida desta expansão do crédito é um endividamento desmedido por parte de quase todos os agentes da economia chinesa. No entanto, o crescimento continuou a sua tendência de baixa.
O desenvolvimento do sistema bancário na China segue um caminho tortuoso. Por um lado, os bancos comerciais estão sujeitos a uma regulamentação que parece severa. A restrição mais importante é que os bancos não podem outorgar empréstimos acima de 75 por cento dos seus depósitos. Mas esta restrição começou a travar o crédito, sobretudo agora que os bancos comerciais competem com as instituições do chamado sistema de bancos sombra. Enquanto este sistema nasceu há mais de três décadas nos Estados Unidos e na Europa, na China o seu desenvolvimento começou em 2000, mas o seu crescimento foi rápido. A definição do sistema de bancos sombra é algo impreciso, mas inclui operações muito importantes: empréstimos por conta de terceiros, créditos por empresas que não fazem parte do sistema financeiro, garantias e avales bancários, transferências de lucros de trusts e, é claro, um leque de operações com derivados financeiros sem registo nos balanços financeiros de bancos e outras instituições.
Ainda que os bancos sombra não estejam sujeitos à regulação do sistema formal, esta regulamentação obriga a que as operações sombra passem através da banca formal comercial. Por isso, pode afirmar-se que as operações na sombra são na realidade um disfarce de créditos outorgados pelos bancos do sistema convencional. O sistema sombra é, deste ponto de vista, uma fonte de operações e um canal de crédito que o banco central não pode controlar. Se travar e submeter este sistema paralelo, a economia chinesa sofrerá uma contração ainda mais severa.
O tamanho do sistema sombra na China é pequeno: os seus ativos representam 31 por cento do PIB (nos Estados Unidos e na Inglaterra esses ativos atingem 150 e 648 por cento, respetivamente). Mas uma lição da história dos sistemas bancários e financeiros é que os bancos convencionais e os bancos sombra mantêm relações simbióticas. Como as instituições sombra necessitam dos canais dos bancos formais, estes mantêm níveis de exposição significativos nas operações do sistema sombra. Para melhorar a sua competitividade, os bancos formais servem de cortina ao sistema sombra.
O crescimento na China abrandou e o panorama da economia mundial não indica que os seus mercados vão crescer como aconteceu no passado. Manter taxas de rentabilidade adequadas será cada vez mais difícil. De muitas direções aumentará a pressão para liberalizar ainda mais o sistema financeiro e bancário na China. O passo seguinte é a introdução de reformas que permitam aumentar a profundidade do sistema bancário sombra. A especulação, o sobreinvestimento e o aparecimento de bolhas vão aumentar.
Na sua idolatria da rentabilidade, o sonho de um capitalista é obter lucros sem passar por um processo produtivo real. A China não é exceção. É um sonho de difícil realização, mas há muito tempo que os capitalistas descobriram que a galinha dos ovos de ouro vive num espaço onde os sonhos se tornam realidade: é o ecossistema das sombras e da especulação.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado no jornal mexicano La Jornada em 19 de agosto de 2015. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net


Alejandro Nadal
Economista, professor em El Colegio do México.

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