O declínio econômico da América Latina - Blog A CRÍTICA

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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O declínio econômico da América Latina


Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”
Eduardo Galeano

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A América Latina e Caribe (ALC) teve um octênio virtuoso entre 2004 e 2011, quando a variação do PIB da região cresceu acima do PIB mundial. Neste período houve melhora do mercado de trabalho, da educação, das condições de moradia e redução da pobreza. O ciclo de valorização das commodities possibilitou uma valorização dos termos de troca e uma melhoria das contas externas e internas dos países da região.
Mas a situação mudou na segunda década do século XXI. Os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam um declínio consistente na variação do PIB. Em 2010, o crescimento da ALC foi de 6,1%, caindo para 4,9 em 2011, 3,1% em 2012, 2,9% em 2013, 1,3% em 2014 e somente 0,5% em 2015. Ou seja, o PIB em 2015 vai crescer abaixo do crescimento da população, que está em torno de 1,1% ao ano. O impressionante é que o declínio é constante e consistente no último sexênio.
O que está acontecendo agora é muito semelhante ao que aconteceu por volta de 1980. Quando os preços do petróleo dispararam, na década de 1970, houve um ponto de ruptura para a maioria dos países da região. Os países encontraram-se em uma crise de liquidez desesperada. Países Exportadores de Petróleo – com muito dinheiro após os aumentos do preço do petróleo de 1973 – investiram seu dinheiro em bancos internacionais, que reciclaram uma grande parte do capital como empréstimos a governos latino-americanos. O forte aumento dos preços do petróleo fez com que muitos países buscassem mais empréstimos para cobrir os altos preços e os países produtores de petróleo queriam aproveitar a oportunidade para se desenvolver ainda mais.
Mas com o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa a partir de 1981, os custos da dívida aumentaram, tornando mais difícil para os países endividados pagarem suas dívidas. A deterioração da taxa de câmbio fez com que os povos e os governos latino-americanos perdessem poder de compra. A contração do comércio mundial em 1981 fez com que os preços dos recursos primários caíssem. Menos receitas e maiores custos dos serviços da dívida levaram à década perdida. Infelizmente, os mesmos erros estão sendo repetidos mais uma vez. O gráfico abaixo mostra que o preço dos produtos básicos que são importantes na pauta de exportação da ALC estão em queda.

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Com a redução do preço das commodities e a desaceleração da economia internacional a ALC passou de uma situação de superávit na conta de transações correntes entre 2004 e 2007, para déficits crescentes a partir de 2008. Isto significa que aumentou a dependência ao capital externo.

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A queda no dinamismo da região está vindo em um momento ruim, quando a economia chinesa perde fôlego e existe a possibilidade de aumento da taxa de juros dos Estados Unidos. Segundo o Estudo Econômico da América Latina e do Caribe 2015, da CEPAL, a desaceleração econômica se deve a fatores tanto externos como internos. No âmbito externo, destaca-se o lento crescimento da economia mundial durante 2015, particularmente das outras economias emergentes, com exceção da Índia. O relatório ressalta que o comércio mundial se manterá estagnado no que já se transformou em um problema estrutural da economia mundial (estagnação secular) e que à menor demanda externa se soma, por um lado, a tendência à queda dos preços dos produtos básicos, e por outro, a maior volatilidade e a incerteza nos mercados financeiros internacionais.
Os países da América Latina e do Caribe crescerão em média somente 0,5% em 2015, segundo as novas projeções da CEPAL. Ainda que a desaceleração seja um fenômeno generalizado na região, o crescimento é heterogêneo entre sub-regiões e países. O Panamá liderará a expansão regional com um crescimento de 6,0%, seguido por Antígua e Barbuda (5,4%), pela República Dominicana e pela Nicarágua (ambos com 4,8%). O México alcançará um crescimento do PIB de 2,4% e a Argentina de 0,5%. O Brasil apresentará uma contração de -1,5%, enquanto que a Venezuela terá uma redução ainda maior de -5,5%. A América Central vai crescer 3,9%, enquanto a América do Sul vai decrescer 0,4% em 2015.

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Ao apresentar o relatório anual, a CEPAL propõe dinamizar o processo de investimento para retomar o crescimento e melhorar a produtividade da economia da Região. No âmbito interno, a publicação mostra que a contração do investimento, junto com a desaceleração do crescimento do consumo, explica entre outros fatores a redução da demanda interna, fator principal do crescimento nos últimos anos. A redução da taxa de investimento e a menor contribuição da formação bruta de capital ao crescimento são preocupantes, já que não somente afetam o ciclo econômico, mas também a capacidade e a qualidade do crescimento de médio e longo prazo. Por isso um dos principais desafios para retomar um crescimento vigoroso é dinamizar o processo de formação bruta de capital, mas a crise fiscal dos países não ajuda.
Uma situação inusitada acontece em Porto Rico (agora Porto Pobre), que vive uma tragédia semelhante à ocorrida recentemente na Grécia. São as ruínas gregas do Caribe. A ilha tem uma população de 3,5 milhões de habitantes, vive há sete anos em recessão e acumula uma dívida total de US$ 72 bilhões. Porto Rico não é um país independente, mas sim um território livre associado aos Estados Unidos, com o chamado status de Commonwealth. A ilha, porém, ao contrário dos estados americanos, não pode pedir concordata para se proteger dos credores. Sem ter como pagar a dívida e sem perspectivas de melhora, muitos habitantes preferem migrar para os EUA. O país pode virar Porto Vazio.
O fato é que a região da América Latina e Caribe (ALC) está entrando novamente no ritmo de uma segunda década perdida e a Venezuela e o Brasil, seguidos pela Argentina, são os países que estão puxando a média de crescimento para baixo. Isto significa que a pobreza vai aumentar e, sendo uma região muito violenta, é de se esperar uma grave crise de segurança pública e de instabilidade social.
Referências:
CEPAL. Estudio Económico de América Latina y el Caribe: Desafíos para impulsar el ciclo de inversión
con miras a reactivar el crecimiento, Santiago de Chile, julio de 2015


José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 05/08/2015

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