A transição religiosa no Brasil e no Rio de Janeiro: pluralidade gera pluralidade - Blog A CRÍTICA

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sábado, 3 de outubro de 2015

A transição religiosa no Brasil e no Rio de Janeiro: pluralidade gera pluralidade

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Sou católica, de berço. Mas nunca fui carola, nunca fui radical, nada.
Estudei em colégio de freiras, e isso até me afastou um pouco da Igreja
Católica. Depois é que voltei, naturalmente. Colégio de freiras é difícil.
Metem muito medo, é muita culpa, Deus me livre”.
Maria Bethânia

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O catolicismo predominou na América Latina e no Brasil durante cinco séculos, mas nas últimas décadas a região está passando por uma grande transformação religiosa. O Brasil – que ainda é o maior país católico do mundo – tem assistido a uma rápida queda dos filiados de sua religião hegemônica, um rápido crescimento dos evangélicos, além do aumento, em ritmo menor, de outras religiões e das pessoas que se declaram sem-religião.
Em 1940 os cristãos (católicos mais evangélicos) eram 98% da população, caindo para 89% na virada do milênio e atingindo 87% no ano 2010. As pessoas afiliadas a outras religiões e os sem-religião atingiram 13% da população brasileira, segundo dados do último censo demográfico, sendo que no Estado do Rio de Janeiro os não-cristãos já somavam 25% em 2010.
O Brasil está passando por um processo de transição religiosa, que corresponde a uma verdadeira revolução silenciosa (sem guerras e sem grandes conflitos sectários). O gráfico abaixo mostra a queda dos católicos foi maior onde seus percentuais já eram baixos, especialmente naqueles estados em que os católicos estavam com menos de 50% em 2010.

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Entre 2000 e 2010 a queda no percentual de católicos foi de 26% em Roraima, 23,7% no Acre, 17,8% no Rio de Janeiro e de 17,3% em Rondônia. No outro extremo, o Piauí que tinha 85% de católicos em 2010 apresentou uma queda de somente 5,3%. Isto quer dizer que pluralidade religiosa gera mais pluralidade, conforme mostra o gráfico. Significa também que quanto maior tenha sido a queda experimentada dos católicos, maior, em média, tende a ser a queda futura. Portanto, a transição religiosa tende a se consolidar e a se aprofundar.
O Estado do Rio de Janeiro é a Unidade da Federação com menor percentual de católicos (45,8%), o menor percentual de cristãos (75%) e a maior pluralidade religiosa, representando a vanguarda das transformações religiosas do Brasil. Segundo o censo demográfico de 2010 os católicos representavam 45,8% no Rio de Janeiro, os evangélicos eram 29,4% as outras religiões somavam 9,2% e os sem-religão eram 15,6% no território fluminense.
A queda dos católicos foi maior onde seus percentuais já eram baixos, especialmente naqueles municípios em que os católicos estavam com menos de 50% em 2010, conforme mostra o gráfico. Entre 2000 e 2010 a queda no percentual de católicos foi de significativos 40% na cidade de Carapebus e de 31,4% na cidade de Queimados. Por outro lado, os católicos cresceram ligeiramente nos municípios de São José de Ubá e Macuco, onde os percentuais das filiações católicas já eram altos e continuam acima de dois terços do total populacional.
De maneira mais acentuada do que a do conjunto do Brasil, a pluralidade religiosa no Rio de Janeiro tem gerado maior pluralidade religiosa, sem haver um piso aparente. Municípios como Seropédica e Japeri tiveram grandes variações nas filiações religiosas na primeira década do século XXI e os católicos já são menos de 30% nestas duas cidades. Portanto, a transição religiosa tende a se consolidar e a se aprofundar mesmo no Estado do Rio de Janeiro, onde o processo de mudança de hegemonia já está mais avançado.

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A cidade de Seropédica (onde funciona a sede da Universidade Rural – UFRRJ), situada no pé da Serra das Araras, na parte sul do estado do Rio de Janeiro, é um exemplo de rápida mudança religiosa. Até o início dos anos de 1990, Seropédica fazia parte do município de Itaguaí. No censo demográfico de 1991, Itaguaí tinha 55% de pessoas que se declaravam católicas e 21% de evangélicos. Portanto, os católicos eram maioria da população. Porém, a perda de católicos nos anos seguintes foi muito grande em ambas as cidades.

Em Seropédica, houve quase um empate no ano 2000, com os evangélicos atingindo 35,9% e os católicos 38,8% (entre as crianças e jovens de 0 a 14 anos houve ultrapassagem dos evangélicos). As outras religiões perfaziam um percentual de 5,3% e os sem religião 20,1%, conforme mostra a tabela 3. Na primeira década do século XXI a mudança continuou de maneira acelerada entre a população total do município, com os católicos caindo para 27,4% em 2010, os evangélicos subindo para 44%, as outras religiões para 6,3% e os sem religião subindo para 22,3%. O grupo de pessoas que se declara sem religião tem crescido, especialmente onde a disputa entre católicos e evangélicos é grande.
Nota-se que a queda maior dos católicos aconteceu entre os jovens. Na população de 0-14 anos de idade os católicos tinham só 21,7% em 2010, perdendo para os sem religião que perfaziam 23,1% e os evangélicos que alcançaram 49,9%.
Portanto, entre 1991 e 2010, os católicos de Seropédica caíram de mais de 50% para cerca de um quarto (25%). Foi uma perda muito acelerada e que parece que não vai ser interrompida imediatamente, pois os católicos estão mais representados entre os idosos e os evangélicos mais representados entre as mulheres em período reprodutivo e as novas gerações. Independentemente da migração inter-religiosa, haverá mudança apenas por conta da inércia demográfica e da sucessão de gerações.
Tudo leva a crer que as tendências ocorridas no Rio de Janeiro não são uma exceção em relação ao que ocorre no restante do Brasil. Simplesmente, o Rio está na vanguarda do processo de transição. O que acontece em território fluminense tende a se repetir nas demais Unidades da Federação com uma certa defasagem temporal e em ritmo um pouco mais lento.
Como mostrei em outro artigo, uma pesquisa divulgada em 21 de julho de 2013 pelo Instituto Datafolha mostra que, quando o Papa Bento XVI veio ao Brasil, em 2007, os católicos representavam cerca de 64% da população e agora na visita do Papa Francisco, os católicos representam apenas 57% da população nacional.
Ou seja, embora o Brasil nunca tenha presenciado tantas vindas papais na história (desde a primeira vinda de João Paulo II em 1980), o percentual de católicos tem diminuído na impressionante cifra de 1% ao ano. Será que o Papa Francisco, com a sua pregação de aproximação com os mais pobres, vai mudar esta realidade? Certamente, o Papa Francisco tem carisma e em sua visita Brasil evitou os temas polêmicos da Igreja e passou uma mensagem de esperança e de defesa das comunidades pobres. Ele fez discurso contra a corrupção e disse: “nunca desanimem, não percam a confiança”.
O Papa Francisco lançou a encíclica Laudato Si’, em junho, e fez um avançado discurso na Cúpula dos ODS na ONU no dia 25 de setembro de 2015. Ele visitou a América do Sul, Cuba e os Estados Unidos. Por onde passou emocionou multidões e conquistou muita simpatia.
Cabe então a pergunta: com a ajuda do Papa, será que a igreja católica no Brasil vai encontrar forças para virar o jogo e evitar a queda da primeira divisão do “campeonato” de religiões?
Referência:
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055


José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 02/10/2015

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