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sábado, 31 de outubro de 2015

Estagnação secular

Se o destino do capitalismo é marcado pela acumulação de capital e pela expansão econômica, o que significa entrar numa etapa de estagnação secular? 

Por Alejandro Nadal

A estagnação é resultado das contradições internas do capital e não um produto de choques externos - Foto de Rubén/flickr
O tema da estagnação secular ganhou destaque com uma alusão feita por Lawrence Summers, economista-chave do establishment, em 2013. Mas esta referência conduz necessariamente a uma reflexão mais séria sobre a evolução de uma economia capitalista, para além dos mitos e dogmas em que continua a acreditar Summers.
Em 1938, Alvin Hansen introduziu esta noção no seu livro sobre a recuperação econômica depois da Grande Depressão. Para Hansen, a essência da estagnação secular é composta por recuperações doentes que morrem na infância e depressões que se alimentam a si próprias e que deixam atrás de si um rasto de desemprego. Parece que Hansen estava a falar hoje sobre a crise e a recuperação muito frágil.
Na atualidade, a muito débil recuperação é atribuída com frequência à errada política macroeconômica adotada para enfrentar a crise, em especial à política de austeridade na Europa. Mas os efeitos tão profundos da crise são um sinal de que as suas raízes estão na tendência de longo prazo das economias capitalistas e não tanto num problema de conjuntura (a crise das hipotecas sub-prime).
A visão de Hansen sobre a evolução da economia norte-americana baseia-se numa perspectiva de longo prazo. No século XIX a expansão da fronteira para o oeste sustentou o investimento e a acumulação: o crescimento da rede ferroviária proporcionou um espaço adequado à expansão do investimento. No final desse século a extensão da fronteira esgotou-se e o investimento começou a transitar para outra onda de inovações. A máquina a vapor deu lugar ao complexo automóvel e à eletrificação e arrancou outro ciclo de acumulação de capital. Durante a década dos anos 1920-29 estas inovações mantiveram a procura e o crescimento, mas a sua capacidade para conservar o dinamismo da economia foi-se esgotando gradualmente. Um fator adicional foi a queda na taxa de crescimento demográfico. O detonador da crise de 1929 esteve nas finanças e na especulação, mas os efeitos abarcaram toda a economia. A razão é que as raízes da crise eram mais profundas e relacionavam-se com o esgotamento destas indústrias como estímulo do crescimento.
Se as raízes da crise têm a ver com fenómenos de longo prazo, como a acumulação de capital, isso significa que devemos centrar a atenção em variáveis como a taxa de lucro e as estruturas de mercado. Uma referência chave para pensar a crise atual é a obra de Josef Steindl. O seu livroMaturidade e estagnação no capitalismo americano foi publicado num momento (1952) em que era pouco usual invocar as leis da dinâmica capitalista para examinar o tema da estagnação.
A obra de Steindl é de grande relevância por ligar a teoria do investimento (um tema macroeconómico) com temas de organização industrial (a nível de ramo de atividade). Na sua análise, a tendência para a concentração do poder económico e para a consolidação de oligopólios concentrados em quase todos os ramos de atividade económica conduz a níveis cada vez mais fortes de capacidade ociosa, o que reforça a queda do investimento na economia real. O círculo vicioso fecha-se quando a redução no investimento restringe ainda mais a pressão competitiva e recrudesce a tendência para a concentração.
Este processo tem duas consequências de crescente concentração de poder económico. Primeiro, promove a redução de salários, porque a classe capitalista reduz custos para contra-balançar a queda dos lucros. Isto é um grande motor da desigualdade que observamos na economia global na atualidade e uma fonte da deficiência crónica na procura agregada. Segundo, impulsiona-se a expansão do capital financeiro que procura oportunidades de rentabilidade na especulação. Aqui encontramos uma das razões pelas quais o capital financeiro se separou por completo das necessidades do capital industrial.
O processo de globalização é mais complexo do que deixa ver a análise de Steindl. Mas os altíssimos níveis de capacidade instalada ociosa na indústria mundial (que atinge níveis de 30-40 por cento em média) parecem corroborar as suas posições. E a presença cada vez mais frequente de bolhas (episódios de inflação nos preços dos ativos), como mecanismo para mitigar a deficiência crónica na procura agregada, também parece confirmar em linhas gerais a sua análise sobre a fragilidade financeira (que antecipa a análise de Minsky). A crise vem quando as bolhas já não servem para financiar ou reciclar dívidas.
A lição é que os desequilíbrios macroeconómicos não se resolvem de forma automática no capitalismo. A estagnação é resultado das contradições internas do capital e não um produto de choques externos.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada

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