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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A mídia à beira de um ataque de nervos

Como a ascensão de candidatos e ideias à esquerda faz os conservadores perderem as estribeiras. Estudo dos casos inglês e norte-americano. Um artigo de Glenn Greenwald.

Foto de Alvaro Tapia/Flickr
A elite política e a mídia britânicos perderam pouco a pouco a cabeça, após a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista – e ainda não parecem capazes de se recuperar. Nos Estados Unidos, Bernie Sanders é bem menos radical; os dois não estão sequer na mesma constelação política. Mas, especialmente em temas econômicos, Sanders é um crítico mais robusto e sistêmico de aquilo que os centros do poder oligárquico julgariam tolerável. A sua denúncia contra o controle da vida política pelas empresas é uma ameaça grave. Por isso, ele é visto como a versão norte-americana do extremismo de esquerda e uma ameaça ao poder do establishment.
Para quem já tinha observado os desdobramentos da reação britânica à vitória de Corbyn, é fascinante constatar que as reações de Washington e da elite do Partido Democrata à emergência de Sanders replicam o caso inglês, seguindo um guião idêntico. Pessoalmente, creio que a escolha de Hillary é extremamente provável, mas as evidências de um movimento crescente a favor de Sanders são inquestionáveis. É algo consistente, que está a desconcertar os dirigentes do partido, como seria de esperar.
Uma pesquisa revelou, semana passada, que Sanders tem uma clara liderança entre os eleitores mais jovens, incluindo as mulheres. Como a revista Rolling Stone notou, “as mulheres jovens apoiam Bernie Sanders por larga margem”. O New York Times admitiu que, em New Hamphire, Sanders “já tem uma vantagem de 27 pontos”, o que é “espantoso para os padrões do Estado”. O Wall Street Journal reconheceu, num editorial, que “já não é impossível imaginar este socialista de 74 anos como candidato do Partido Democrata”.
Como no caso de Corbyn, há uma correlação direta entre a força de Sanders e a intensidade e amargura dos ataques baixos desencadeados contra ele por Washington, a estrutura partidária e a mídia. No Reino Unido, esta curiosa revolta elitista passou por sete fases; e nos EUA, a reação a Sanders segue a mesma trajetória. Ei-la:
Fase 1: Condescendência simpática perante o que é percebido como bastante inofensivo (“achamos realmente ótimo que ele possa exprimir os seus pontos de vista”).
Fase 2: Ironia leve e casual à medida que cresce a confiança dos apoiantes do candidato (“não, caros, um extremista de esquerda não vencerá, mas é muito bom ver-vos tão animados”).
Fase 3: Autopiedade e lições graves de etiqueta dirigidas aos apoiantes, após a constatação de que não estão a cumprir o seu dever de rendição submissa, temperada com doses altas de provocação preocupada (“ninguém é tão mal educado com os jornalistas, ou os ataca tanto, nas redes sociais, como estes radicais, e isso, infelizmente, está a enfraquecer as causas do seu candidato”).
Fase 4: Tentar colar, no candidato e nos seus apoiantes, insinuações de sexismo e racismo, afirmando falsamente que apenas homens brancos o apoiam (“gostas deste candidato porque ele é branco e homem como tu – não devido à sua ideologia ou políticas, nem pela sua oposição às políticas pró-guerra e pró-corporações da elite do partido).
Fase 5: Difusão descarada de ataques da direita para demonizar e marginalizar o candidato, quando as sondagens comprovam que é uma ameaça real (“ele é fraco contra o terrorismoirá render-se ao EI, faz alianças bizarras e é um clone de Mao e Stalin”).

Fase 6: Lançamento de alertas graves ou histéricos sobre o apocalipse que têm pela frente, caso se dê a derrota do candidato do establishment, quando a possibilidade de perder se torna iminente (“as suas ideias irão sofrer derrotas por décadas, talvez por várias gerações, se desobedeceres às nossas advertências sobre que candidato escolher”).

Fase7: Colapsocompleto e descontroladopânicoreprovaçõesameaçasrecriminaçõescotoveladas presunçosasassociação aberta com a direta, fúria completa (“Eu não posso mais, em sã consciência, apoiar este partido de malucos, adoradores de terroristas, comunistas e bárbaros”).
O Reino Unido está na Fase 7, e talvez seja capaz de inventar em breve uma nova etapa (“militares britânicos anónimos ameaçaram promover um motim, caso Corbyn seja eleito democraticamente primeiro-ministro”). Nos EUA o establishment político e os media pró-Partido Democrata estão na Fase 5 há semanas, e parecem prestes a entrar na Fase 6. A passagem à Fase 7 é certa, caso Sanders vença as primárias no estado do Iowa.
É normal e legítimo, nas eleições, que as campanhas de cada candidato critiquem duramente os restantes. Não há nenhum problema nisso: seria ótimo que os contrastes aparecessem claramente, e quase não surpreende que isso seja feito com agressividade e aspereza. As pessoas chegam a extremos para obter poder. É da natureza humana.
Mas isso não impede as pessoas de pesar os ataques que fazem, nem significa que estes estejam imunes a críticas (a exploração grosseira e cínica dos temas de gênero pelos apoiantes de Hillary, para sugerir que o apoio a Sanders se baseia em sexismo foi especialmente desonesta, quando os grupos de esquerda que hoje defendem o candidato tentaram, por meses, lançar a candidatura de Elisabeth Warren – para não falar no vasto número de apoiantes do senadorque são mulheres).
Gente de todos os partidos, e em todo o espectro político, está enojada com as disputas em Washington. Não surpreende que um amplo número de adultos norte-americanos procurem uma alternativa a uma candidata como Hillary. Mergulhada no dinheiro de Wall Street (tanto política, quanto pessoalmente), ela mostra-se incapaz de desaprovar uma única guerra, e a sua única convicção parece ser a de que qualquer coisa pode ser dita ou feita, para assegurar sua própria vitória.
A natureza dos establishments é baterem-se desesperadamente pelo poder, e atacar com fervor sem limites qualquer pessoa que desafie ou ameace esse poder. Foi o que ocorreu no Reino Unido com a emergência de Corbyn e é o que se repete nos EUA com a ascensão de Sanders. Não surpreende que os ataques a ambos sejam tão parecidos – a dinâmica dos privilégios doestablishment é a mesma – mas não deixa de ser chocante que os guiões sejam idênticos.
Artigo de Glenn Greenwald, originalmente publicado no The Intercept e traduzido por António Martins para Outras Palavras, onde foi publicado a 22 de janeiro de 2016.

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