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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Manuel Castells: Sem perdão

Não pode haver perdão para aqueles que, como Blair, Bush e Aznar, começaram uma guerra sem fim por razões sórdidas

Há alguns dias, Tony Blair pediu perdão publicamente por ter promovido a invasão do Iraque sem considerar as consequências desse processo que levou à desestabilização do Iraque, da Síria e do Oriente Médio. É bom que alguém reconheça seu erro gigantesco e assuma a responsabilidade por tamanho dislate. Seus colegas do triângulo dos Açores  onde foi gestionada a guerra e a manipulação da opinião pública, Bush e Aznar, poderiam ter a decência de imitar. Não esperem assim um gesto de personagens dessa estirpe. Até mesmo o político do Partido Popular responsável pelo envio de tropas para uma guerra vergonhosa, nunca fez uma auto-crítica de tal absurdo.

O resultado de tanto sofrimento humano que estamos vivendo dia a dia. O mais recente exemplo, assustador é a destruição de aeronaves russas Metrojet e a morte de seus 224 passageiros, ao que parece, de acordo com o presidente Obama e o primeiro-ministro Cameron, uma bomba colocada no aparelho por uma filial no Sinai do Estado islâmico no aeroporto Sharm el Sheikh, local de férias popular. As companhias aéreas britânicas já suspenderam seus vôos e muitos turistas estão sendo evacuados. A escolha macabra para atacar um avião russo é mais provável uma resposta ao bombardeio da aviação neste país contra os islamitas na Síria, em seu esforço para manter no poder Assad e manter sua base naval importante. Este é um salto qualitativo na espiral de destruição desencadeada por Bush, Blair e seus compadres de mentiras e agressões, em 2003.

Por que então a Rússia se recusa a reconhecer o ato terrorista, apesar de sua reivindicação pelo Estado islâmico? Portanto Aznar mentiu sobre o bombardeio da Al Qaeda em Atocha 2004, tentando atribuir a ETA. Assim que os russos não despertam de seu sono e se opõem à intervenção de Putin na Síria. Por outro lado, os EUA estão interessados ​​em demonstrar o perigo do Estado islâmico e não se importaria se a Rússia começa a pagar um preço mais elevado para a sua intervenção e reduzir a sua presença militar na área.

Como chegamos a esta situação? Não vou agora reescrever os artigos sobre a guerra no Iraque e o jihadismo foram publicados neste jornal por anos. Basta lembrar a filiação entre o que aconteceu e o que acontece. Lembre-se que a guerra foi deliberadamente provocada pelos EUA e justifica-se pela farsa de armas inexistentes de destruição em massa, cuja "prova" principal foi fabricada pelo MI6, o serviço secreto de Sua Majestade. As razões não importam agora, eu encaminho-o para o que já foi analisado. O que importa é que, quando os Estados Unidos tiveram que se retirar por falta de apoio público e a oposição política que levou Barack Obama ao poder, o Iraque estava nas mãos dos xiitas (apoiado pelo Irã e os Estados Unidos em um momento), mas uma liderança corrupta que nunca poderia controlar o país. Enquanto base do exército sunita de Saddam Hussein, buscou sua vingança.

Isto veio através da aliança entre os quadros militares do desmembrado exército de Saddam Hussein e milícias jihadistas sunitas formadas na rebelião contra Assad na Síria. Estas milícias, embora em parte resultou de divisões da Al Qaeda, foram reforçadas através do apoio financeira e armas  fornecidos pela Arábia Saudita, Jordânia e Catar, em seu esforço para derrubar um Asad apoiado pela minoria Alawite (xiita) na Síria e recentemente por Irã.

Assim, o estado islâmico foi formado. Síria e Iraque se tornou o principal teatro de operações para a guerra religiosa brutal sendo travada no Oriente Médio. O presidente Obama se recusou a fazer parte diretamente beligerante na guerra, na esperança de que os sauditas poderiam controlar seus protegidos, ironicamente, enquanto que, contraditoriamente, entregam o controle militar do Iraque para milícias xiitas treinadas pelo Irã. Torpeza após torpeza, sem saber e por que eles estavam no Iraque e buscando uma saída para o impasse com o menor custo possível. Riscos de ofício do gendarme mundial.

Tentaram usar umas milícias democráticas sírias que não existem e teve de desistir do controle das ações dos xiitas no Iraque. Acabaram confiando sua sorte aos curdos, únicos motivados pela possibilidade de construir a sua própria nação e determinados a defender-se contra os jihadistas porque neles lhes vai a vida. Como foi o caso no Afeganistão, onde a CIA apoiou os mujahideen para lutar contra a União Soviética permitiu o triunfo do Bin Laden e a formação de Al Qaeda, os jihadistas se juntaram a tribos sunitas em um esboço de Califado, voltados para o Iraque e a Síria, e talvez apoiados por potências sunitas.

Só faltava essa chamada à pureza do novo jihadismo messiânico ressoar em todo o mundo, incluindo o mundo ocidental e até mesmo entre os jovens não-muçulmanos, cristalizado em brigadas internacionais que combatem o imperialismo, o cristianismo e o xiismo, variantes consideradas de um mal único. Desse caos incrível surgem centenas de milhares de dramas humanos que se transformaram em sombras e incentivados por sonhos abundam no Mediterrâneo e procuram refúgio na Europa, que ajudou a inflamar os incêndios que queimaram surgem suas casas. E há arame farpado e fortificada xenofobia raivosa no exemplo mais claro de quebra de solidariedade entre os seres humanos.

E assim, não há perdão. Não há e não pode haver perdão para quem cimi Blair, Bush, Aznar e muitos outros começaram uma guerra sem fim por razões inconfessáveis. Ou talvez pior, de acordo com os seus próprios fantasmas. Vivam  com eles e sua culpa. Sem perdão.


Publicado no jornal catalão La Vanguardia em 7 de Dezembro de 2015

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