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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Taxas de juros negativas: as novas guerras cambiais

Alejandro Nadal




Um número importante de bancos centrais adotaram uma política de taxas de juros negativas. Isso é quase sem precedentes na história do capitalismo e pode inaugurar mudanças profundas no funcionamento da política monetária. 

Atualmente, os bancos comerciais devem manter uma certa quantidade de reservas no banco central e este paga-lhes uma determinada taxa de juros por ter esses depósitos. Com uma taxa de juros negativa de coisas se invertem: os bancos comerciais devem pagar ao banco central pelo privilégio de estacionar suas reservas em dito instituto. Pensa-se que, desta forma os bancos estarão dispostos a emprestar mais dinheiro e aumentar suas operações. 

Em tempos de deflação os agentes econômicos preferem acumular dinheiro em vez de gastá-lo ou investi-lo. Isso faz com que haja uma queda na demanda agregada e aprofunda um ciclo vicioso de deflação e desemprego. A taxa de juros pode chegar a níveis muito baixos, mesmo zero, mas se as forças deflacionárias são poderosas essa redução das taxas não será suficiente para estimular os gastos e investimentos. 

Os bancos centrais que introduziram taxas de juros negativas são Dinamarca, Suécia, Suíça, Japão e (desde 2014) o Banco Central Europeu (BCE). As taxas negativas nestes países variam de -0,75 por cento na Suíça para -0.1 por cento no Japão. No caso do BCE a taxa é -0.3 por cento. 

Na verdade, as taxas de juros negativas não só foram introduzidas para atuar como um estímulo econômico. A evidência é que este instrumento é mais ligado a objetivos de políticas cambiais que qualquer outra coisa. Por exemplo, nos casos de Suíça, Suécia e Dinamarca a TJN foi introduzida para conter a valorização da moeda local causada por um aumento nos fluxos de capital. Ou seja, mais que fomentar a demanda agregada o objetivo é manter a paridade em níveis que são considerados menos desestabilizadores num contexto de volatilidade internacional. Mesmo no caso do Japão as considerações  sobre a paridade não estavam ausentes de sua decisão sobre as taxas de juros negativas. O país já tem quase duas décadas de estagnação, mas a TJN está mais relacionada com a evolução da paridade cambiária com o yuan chinês e a competitividade das exportações. 

Por fim, no caso do BCE parece que se reduziram efetivamente as taxas de empréstimos interbancários, mas isso não se reflete ainda em operações de varejo. Na verdade, a TJN também serve ao propósito de manter o euro em um terreno favorável, se se compara a taxa de câmbio em relação ao dólar norte-americano. 

No fundo as taxas de juros negativas não foram o detonador do crédito e da demanda agregada que se esperava. Isto é devido ao extraordinário nível de dívida que levou as economias capitalistas desenvolvidas nos últimos vinte anos, tem sido seguido um processo de deflação que está longe de terminar. E como evidenciado por uma série de estudos publicados no Boletim Trimestral (2014 Q1) do Banco da Inglaterra, os bancos não são intermediários entre poupadores e demandantes de capital. Os bancos comerciais executam uma operação de criação monetária na concessão de crédito. Tudo isso significa que, em um ambiente deflacionário nem os agentes privados, nem os bancos estão dispostos a iniciar novas operações de crédito. A taxa negativa terá repercussões sobre a rentabilidade dos bancos, mas não necessariamente levará a uma expansão do crédito. 

O que fará a Reserva Federal neste contexto? Temos que recordar que, na esteira da crise de 2008 a Reserva Federal colocou em prática um programa de taxas de juro zero para tentar reanimar a economia real. Quando isso não fosse suficiente, um programa de compras de ativos (QE) foi introduzido para injetar dinheiro na economia. Recentemente, sinais de recuperação aparentes levaram a Reserva Federal a introduzir um modesto aumento nas taxas de juros em dezembro do ano passado. Mas agora que os mercados financeiros são punidos por diferentes forças, se há intensificado o debate sobre a adequação da referida decisão. Por mais que o presidente da Reserva Federal insista em que o mercado de trabalho se reforça e que as decisões dos consumidores e investidores anunciam uma recuperação robusta, a verdade é que o PIB dos EUA mantém uma tendência para taxas de crescimento cada vez mais fracas desde meados do ano passado. 

Todavia estamos longe de ver algo parecido a uma taxa negativa nos Estados Unidos, mas as coisas podem mudar se o fortalecimento do dólar for mantido e se continua afetando o desempenho e a rentabilidade do setor exportador do país. Definitivamente um retorno a uma tendência para as taxas de juros normais que tanto prega a Sra Yellen terá que ser adiada.


Alejandro Nadal  -La Jornada, 17 de fevereiro 2016

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