Umberto Eco: "Como preparar-se serenamente para a morte" - Blog A CRÍTICA

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Umberto Eco: "Como preparar-se serenamente para a morte"

Nota 1: A coluna foi publicada no L'Espresso na Itália em 1997 e foi reproduzida quase inteiramente no capítulo final de seu livro de ensaios Passos de caranguejo. 

Nota 2: o filósofo italiano se referiu à história que narrará em seguida, como um "texto aparentemente de brincadeira, mas (...) que considerava  muito a sério". O seu objetivo era convencer-nos de uma frase sábia de Eclesiastes: Vanitas vanitatum et omnia vanitas  [Vaidade das vaidades, tudo é vaidade]

Umberto Eco: 'Como preparar serenamente para a morte.  instruções silenciado para qualquer discípulo '

Coluna de Umberto Eco: "Como preparar-se serenamente a morte. Breves instruções para eventual discípulo".

Eu não tenho certeza se direi uma coisa original, mas um dos maiores problemas do ser humano é como encarar a morte. Parece que o problema é complicado para os incrédulos (Como afrontar o Nada que nos espera?) Mas as estatísticas dizem que a questão também diz respeito a muitos crentes que acreditam firmemente que há vida após a morte, e ainda, eles acham que a vida antes a própria morte é tão agradável senti-la como desagradável deixá-la; pelo que eles anseiam, sim, chegar ao coro de anjos, mas o mais tarde possível. 

Parece claro que eu estou levantando a questão de o que significa ser-para-morte, embora se deva reconhecer que todos os homens são mortais. Vê-se fácil porque concerne a Sócrates, mas torna-se difícil quando concerne a nós, e será ainda mais difícil quando nos damos conta de que estamos em um instante e um momento depois não seremos mais.

Recentemente, um discípulo pensativo (como criton) me perguntou: "Mestre, como podemos nos aproximar bem da morte?". Eu respondi que a única maneira de se preparar para a morte é estar convencido de que todos os outros são idiotas.

Ante o espanto de Criton eu esclareci, "Olha", eu disse, como pode aproximar-se da morte, mesmo se você é um crente, se acha que, quando morreres, jovens homens e mulheres altamente desejáveis ​​dançam em uma boate se divertindo um grande momento, cientistas ilustres penetram os mistérios finais do cosmos, os políticos incorruptíveis estão criando uma sociedade melhor, jornais e estações de televisão são dedicados a dar notícias importantes, os empresários responsáveis ​​temem que os seus produtos não degradem o meio ambiente e são dedicados a restaurar a natureza dos riachos potáveis, encostas arborizadas, céu claro e calmo protegida pelo ozônio, nuvens suaves que destilam chuvas docíssimas? O pensamento de que, enquanto todas essas coisas maravilhosas acontecem, você se vai, resultaria insuportável.

"Agora tente pensar que no momento que você percebe que está deixando este vale, você tem a certeza inabalável de que o mundo (seis bilhões de seres humanos) é cheio de idiotas, eles são idiotas que estão dançando na discoteca, idiotas cientistas acreditam ter resolvido os mistérios do cosmos, idiotas políticos que propõem a panaceia para todos os nossos males, idiotas que enchem páginas e páginas de fofocas sem importância, idiotas os produtores suicidas que destroem o planeta. Você não se sentiria feliz naquele momento, aliviado, satisfeito em deixar este vale de idiotas?".

Críton perguntou-me então. "Mestre, quando eu terei que começar a pensar assim"? eu disse para não fazer isso muito cedo, porque a vinte ou mesmo 30 anos pensar que todos são idiotas é ser um idiota e nunca irá alcançar a sabedoria. Tens que começar pensando que todos os outros são melhores do que nós, e então evoluir lentamente, tendo as primeiras débeis dúvidas aos quarenta, começar a revisão entre os cinquenta e sessenta, e chegar a segurança, enquanto você avança para a centena, mas preparado para estar na mão quando chegar o telegrama de notificação.

Convencer-se de que todos os outros em torno de nós (seis bilhões) são idiotas é o resultado de uma arte sutil e inteligente, não é uma aptidão natural do primeiro Cebes com um brinco em sua orelha (ou nariz). Exige estudo e esforço. Não há necessidade de acelerar etapas. Tem que chegar lá suavemente, bem a tempo de morrer em paz. No dia anterior se deve pensar que há uma pessoa a quem amamos e admiramos, o que não é exatamente idiota. A sabedoria consiste em reconhecer no momento certo (não antes) que essa pessoa também era idiota. Só então você pode morrer.

Assim, a grande arte consiste em estudar pouco-a-pouco o pensamento universal; selecionar os costumes; controlar dia-a-dia os meios de comunicação de massa, as afirmações dos artistas seguros de si mesmos, as máximas dos políticos descontrolados, as falácias dos críticos apocalípticos, os aforismos de heróis carismáticos, estudar as teorias, as propostas, as apelações, as imagens, as aparências. Só então, finalmente, você vai chegar a revelação perturbadora de que todos são idiotas. Neste momento você está pronto para o encontro com a morte.

Você vai ter que perseverar até o fim a esta revelação insustentável, te obstinarás em pensar que alguém diz coisas sensatas, que esse livro é melhor do que outros, que este líder realmente quer o bem comum. É natural, é humano, é característica da nossa espécie rejeitar a crença de que os outros são todos idiotas sem distinção; se não, por que valeria a pena viver? Mas quando, finalmente, você sabe, compreenderás por que vale a pena (e por isso é excelente) morrer.

Críton me disse então: "Mestre, não queria tomar decisões precipitadas, mas abrigo a suspeita de que sou um idiota." "Vês, lhes disse, você está no caminho certo."

Um comentário:

  1. Só uma coisa, no final, onde está escrito "...abrigo a suspeita de que sou um idiota." de acordo com o original seria "...abrigo a suspeita de você é um idiota." (...nutro il sospetto che Lei sia un coglione.)

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