A crise no Brasil, por Perry Anderson (parte 2) - Blog A CRÍTICA

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domingo, 24 de abril de 2016

A crise no Brasil, por Perry Anderson (parte 2)

Segunda parte de um texto de Perry Anderson que analisa a situação política no Brasil que levou ao desenrolar do processo de destituição de Dilma Rousseff. A terceira, e última, parte do artigo será publicada amanhã.

Foto do facebook de Jornalistas Livres.

Quando Lula foi finalmente eleito em 2002, o PT estava numa posição diferente. Assim que Lula passou a assegurar que não atacaria bancos e empresas, e a partir do momento em que pareceu que a sua vitória era certa, as companhias passaram a financiá-lo, ainda que numa escala menor do que ao seu predecessor. Mas dentro do Congresso Lula não possuía aliados naturais que tivessem muita expressão. O PT, apesar de toda a moderação da campanha de Lula na presidência, era visto – e ainda é – como um partido radical, posicionado à esquerda do verdadeiro pântano que domina o poder Legislativo. Lá, nunca conseguiu mais do que 1/5 dos deputados, somando uma votação três vezes menor do que a do próprio Lula.

Como garantir algum tipo de maioria funcional para o apoiar? O método tradicional, concretizado numa escala heroica durante a primeira presidência civil após a Ditadura – a de José Sarney, outro antigo lacaio dos generais –, era o de comprar apoios distribuindo ministérios e cargos de confiança para aqueles que tivessem interesse e pudessem trazer consigo a maior quantidade de votos. Inicialmente isso ocorreu dentro das facções de seu próprio partido, o PMDB, a maior e mais fisiológica entidade política do país e que, uma década depois, se tornara a fossa na qual desaguavam todas os riachos da corrupção política. O caminho clássico para o PT era então fazer acordos com essa criatura, alocando para eles uma boa parte de seus ministérios e secretarias de Estado. Todavia, essa solução foi rejeitada pelo partido – há uma disputa sobre quem, dentro da cúpula, estava a favor e quem estava contra – pois havia receio que as consequências seriam criar um peso-morto ideológico dentro do governo que poderia neutralizar o momentum progressista que se criara.

Pelo contrário, a decisão foi de costurar um grupo de apoiantes de uma densa camada de partidos pequenos, sem conceder assim muito terreno a um deles especificamente, mas pagando-os com dinheiro em troca de apoio na câmara num esquema de suborno. De fato, o PT tentou compensar a falta de parceiros naturais (algo com que Fernando Henrique Cardoso, FHC, não teve que lidar) e sua recusa em retomar o sistema concebido por Sarney, criando assim um sistema de estímulos materiais para cooperações dentro do Congresso e por uma moeda de troca mais barata: ou seja, usando pagamentos para não usar lugares específicos no governo.

Quando esse esquema veio à tona em 2005, o chamado escândalo do ‘Mensalão’ (ou seja, de pagamentos mensais aos deputados) fez com que Lula perdesse o apoio do eleitorado de classe média e por muito pouco não terminou precocemente com sua primeira presidência. Mal ele sobrevivera e fora triunfantemente reeleito no ano seguinte, o PT não teve outra escolha senão recuar e aceitar a solução que tanto temia em abraçar: o PMDB então entrou no bloco do governo, garantindo desta forma alguns importantes ministérios e postos centrais no Congresso, e assim permaneceu até ao primeiro mandato de Dilma e ao primeiro ano do segundo mandato.

Contudo, isso não significa que a corrupção tenha diminuído, ela aumentou drasticamente. Não apenas porque o PMDB era o campeão do saque dos recursos públicos em âmbitos municipais e estaduais (em várias décadas o partido inclusive abandonara as disputas presidenciais), mas também porque um gigantesco pote de mel, maior do que tudo que se podia imaginar, estava a concretizar-se com a expansão da Petrobrás, a empresa de petróleo estatal cujas atividades equivalem a 10% do PIB nacional; nesse momento, uma capitalização torná-la-ia a quarta mais valiosa empresa do mundo.

A construção de novas refinarias, petrolíferas, poços, plataformas, complexos petroquímicos oferecia vastas oportunidades para retribuições e logo um esquema acabou sendo estabelecido. Os leilões seriam tomados por um verdadeiro cartel composto pelas principais empreiteiras do país, mas os contratos eram cobrados a partir de grandes somas de dinheiro que iam diretamente para os bolsos dos diretores da Petrobrás e para os partidos políticos que estivessem envolvidos – calcula-se que foram cerca de 3 bilhões de dólares em subornos. Esse tipo de prática não era novidade na história da companhia, sendo que FHC preferiu fingir que ela não acontecia, e até a primavera de 2013, a companhia desfrutou da costumeira impunidade oriunda da riqueza e do poder no Brasil.

O que mudou nisto tudo foram três efeitos pós-Mensalão. A delação premiada foi introduzida no Brasil; a prisão cautelar, um antigo poder judiciário usado para encher as cadeias do país com pobres, tornou-se pela primeira vez um instrumento aceitável para fazer falar aqueles de classes superiores; e as sentenças na primeira instância já não podiam ser deferidas por intervenção do Supremo, o que permitia apressar as prisões.

Os dois primeiros efeitos foram as mesmas armas que os magistrados italianos utilizaram para derrubar a classe política e empresarial italiana nos escândalos da Tangentopoli, nos anos 1990. Mas eles nunca conseguiram o terceiro efeito. Inclusive no Brasil foi criada uma forma de extrair confissões às pessoas sob prisão preventiva: ameaçar estender o mesmo tratamento à esposas e aos filhos.

Em 2013, gravações feitas a uma pessoa que trabalhava na caixa de uma empresa de lavagem de carros (um ‘lava-jato’) em Brasília levou à prisão de um contrabandista com uma longa ficha criminal. Mantido em Curitiba, na região Sul, para proteger a sua família, esse ‘doleiro’ passou a revelar a escala do sistema de corrupção da Petrobrás, na qual tinha sido um dos principais intermediários na transferência de recursos entre contratantes, diretores e políticos dentro e fora do país.

Num primeiro momento, as acusações caíram sobre nove das principais construtoras e empreiteiras do Brasil, os seus chefes e diretores famosos foram presos, juntamente com outros três diretores da Petrobrás, em investigações que atingiram ainda mais de cinquenta políticos, tanto deputados e senadores como até mesmo governadores.

Os três principais partidos envolvidos – eram sete no total – foram o PMDB, o Partido Progressista (PP, um partido oriundo da Ditadura) e o PT. Quem ganhou mais no esquema ainda não está claro. Mas ainda que não existissem ilusões sobre os dois primeiros, foi a exposição do terceiro que realmente ganhou relevância política. O ‘Mensalão’ eram somente uns trocos em comparação com a enormidade do ‘Petrolão’, enquanto o primeiro não teve nenhum benefício privado para políticos do PT, o segundo, por sua vez, apagou completamente os limites entre fundos de campanha e enriquecimento pessoal.

Entre outros detalhes, veio à tona que o próprio chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu (o arquiteto por detrás da formação do PT enquanto partido), que tinha sido afastado por causa do seu envolvimento no ‘Mensalão’, tinha insistido que uma parte do ‘Petrolão’ fosse dirigida para as suas próprias contas bancárias. Se o grosso dessas retribuições eram utilizadas para financiar as campanhas e o aparelho do partido, a presença contínua de grandes somas de dinheiro clandestino não tinha como não corromper aqueles que punham as suas mãos nele.

O sociólogo Chico de Oliveira alertara, antes mesmo do ‘Petrolão’ ter sido descoberto, que o PT estava a caminhar a passos largos para um processo de transfiguração numa aberrante espécie taxonômica de vida política, algo que não mais podia ser visto como uma metáfora. (O autor refere-se aqui ao ensaio “O ornitorrinco”, de Chico de Oliveira, publicado no volume da Boitempo Crítica à razão dualista/O ornitorrinco).

Liderando o ataque ao ‘Petrolão’, a equipe investigativa de Curitiba tornou- se, assim como os juízes e policiais de Milão que os inspiravam, verdadeiras estrelas mediáticas. Jovens, de cara limpa, queixos quadrados, beneficiando-se de seu treino legal em Harvard, o juiz Sergio Moro e o promotor Deltan Dallagnol pareciam saídos diretamente de uma dessas séries americanas de tribunais. Sobre o seu zelo no combate à corrupção e o valor do choque que aplicaram nas elites políticas e empresariais do país, não havia dúvidas. Mas tal como na Itália, objetivos e métodos nem sempre coincidiram.

A delação premiada e a prisão preventiva sem acusações combinaram persuasão e intimidação: instrumentos obtusos em busca da verdade e da justiça, mas no Brasil estavam dentro da lei. Contudo, a fuga de informações, ou às vezes até de suspeitas, por parte dos investigadores para a imprensa, não são claramente ilegais. Na Itália, eles foram constantemente utilizados pela equipe de Milão e foram usados ainda mais ostensivamente pela equipe de Curitiba.

Desde o início as fugas de informação pareciam seletivas: eles tinham como alvo o PT e, persistentemente, – ainda que não exclusivamente, pois os estilhaços espalhavam-se – apareceram nas principais revistas da bateria anti-governo, como a semanal Veja, que após semanas de exposição fez uma edição que seria lançada poucas horas antes da eleição de 2014, com as imagens de Lula e Dilma sob uma sinistra meia-luz com tons de vermelho e negro, com a exclamação “Eles sabiam de tudo!”, alertando os eleitores para quem eram as verdadeiras mentes criminosas por trás do ‘Petrolão’.

Mas será que o fato dos magistrados terem alimentado a mídia com fugas de informação significa que os seus objetivos eram os mesmos, ou seja, que eram fruto – tal como o PT sustentou – de uma operação comum? Pode-se dizer que um indivíduo que trabalhe no sistema judiciário brasileiro, assim como os seus colegas de procuradoria e Polícia Federal, compartilha muito da identidade de classe média brasileira, a cujas camadas pertencem, com as suas preferências e preconceitos de classe típicos. Nenhum partido operário, por mais emoliente que seja, consegue atrair simpatia particular desse meio.

Mas será que as fugas de informação contra o PT são resultado de uma aversão militante, ou fruto de uma ideia de que não há melhor forma de enfatizar os horrores da corrupção do que pegar aquela que é a principal força política do país por mais de uma década, que inclusive é justamente aquela que a mídia, pelas suas próprias razões, estaria mais disposta a divulgar as revelações? Histórias que atingissem o PMDB seriam banais e o PSDB poderia ser poupado, em âmbito nacional, pois sendo um partido de oposição teria menor acesso aos cofres públicos, independente do seu domínio dentro dos estados.

O escândalo da Lava Jato estourou de fato na primavera de 2014 e sucessivas prisões e acusações chegaram às manchetes durante a corrida presidencial no outono. A virada econômica de Dilma, logo que foi eleita, pode ser vista em parte como conduzida pela esperança de aplacar a opinião neoliberal o suficiente para que a mídia moderasse o seu discurso sobre o PT, que estava a ser tratado como uma gangue de ladrões. Mas foi em vão.

Superando até mesmo o PSDB na virulência dos seus ataques, uma nova direita passou a ganhar proeminência nas manifestações massivas contra Dilma em março de 2015. No Brasil, o slogan tradicional da direita era “Deus, Família e Liberdade”, verdadeiras bandeiras do conservadorismo que clamou pelo golpe militar que gerou a Ditadura de 1964.

Meio século depois, os gritos dos manifestantes mudaram. Recrutados a partir de uma geração mais jovem de militantes de classe média, uma nova direita – e geralmente com orgulho ao afirmar-se assim – passou a falar menos em termos de religiosidade, menos ainda em termos de família e reinterpretou o sentido de liberdade.

Para eles, o livre mercado era a base necessária para todas as outras liberdades, concebendo assim o Estado como uma espécie de hidra de muitas cabeças. Essa política iniciou-se não nas instituições da ordem decadente, mas sim nas ruas e nas praças, onde cidadãos poderiam reunir-se contra um regime de parasitas e ladrões.

Surfando na onda das manifestações massivas contra Dilma, os dois principais grupos dessa direita radical – ‘Vem Pra Rua’ e ‘Movimento Brasil Livre’ (MBL) – modelaram as suas táticas assimilando elementos do ‘Movimento Passe Livre’ (MPL), um movimento de extrema-esquerda que desencadeou os protestos de 2013. Inclusivamente com o MBL deliberadamente fazendo um acrônimo com o MPL.

Ambas organizações da direita eram pequenas, mas dependiam de um intenso trabalho de mobilização de massas por intermédio da internet. O Brasil possui mais pessoas viciadas em facebook do que qualquer outro país, perdendo somente para os Estados Unidos, e tanto o ‘Vem Pra Rua’ como o ‘MBL’ e outros grupos da direita – o ‘Revoltados On-Line’ (ROL) é outro movimento proeminente – têm conseguindo mobilizar a população com muito mais sucesso do que a esquerda, embora seja importante ter em conta o previsível perfil de classe de quem entra na rede social de Zuckerberg. Até agora, o efeito multiplicador desses grupos de direita tem sido muito maior.

No horizonte de toda essa situação, há também a ambígua nébula de uma nova religião. Mais de 20% dos brasileiros atualmente são convertidos a alguma variedade de protestantismo evangélico.

Seguindo o padrão da Igreja da Unificação do Reverendo Moon, muitas delas – certamente as maiores – são verdadeiros balcões de negócios que ficam ordenhando o dinheiro dos seus fiéis para erigir verdadeiros impérios financeiros para os seus fundadores. A fortuna de Edir Macedo, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, cujo gigantesco e kitsch Templo de Salomão na região do Brás em São Paulo – próximo do menos grotesco, mas ainda impressionante templo da rival Assembleia de Deus, numa espécie de Wall Street religiosa – onde ocorrem performances de melodramáticos exorcismos nos écrans gigantes e em que os fiéis cantam e oram, ultrapassa mais de 1 bilhão de dólares.

Parte desse império associa-se também ao controle da segunda maior rede de televisão do país. Atualmente bastante próspera nas periferias, a organização de Macedo prega uma “teologia da prosperidade”, prometendo sucesso material na Terra, ao invés da mera salvação celestial. Diferente dos evangélicos americanos, as Igrejas Evangélicas no Brasil não possuem perfis ideológicos muito específicos além de assuntos como aborto e direitos LGBT. Macedo chegou a apoiar FHC como uma forma de impedir o comunismo, mas nas eleições seguintes apoiou Lula e desde então criou a sua própria organização política.

Mas muitas dessas igrejas operam no descrédito dos partidos brasileiros: elas são veículos a serem contratados, trocando votos por favores, com a diferença de que elas apoiam candidatos de qualquer partido – a bancada evangélica no Congresso, cerca de 18% dos deputados, inclui congressistas de 22 partidos. Os seus principais interesses residem em garantir concessões de rádio e televisão, evasão fiscal para as igrejas e acesso a zoneamento urbano para a construção de monumentos faraônicos.

* * *

Ao mesmo tempo, ainda que mais passivas e promíscuas do que os seus iguais nos Estados Unidos, essas Igrejas formam um reservatório conservador para os agressivos líderes da direita no Congresso. Sintomaticamente, o presidente da Frente Evangélica é um musculoso pastor e ex-polícia que senta na bancada do PSDB.

Ali também se encontra o Presidente da Câmara dos Deputados, eleito em fevereiro de 2015 – esse sendo o cargo mais importante do Congresso e o terceiro da linha sucessória depois do vice-presidente –, o deputado Eduardo Cunha, um corretor da bolsa evangélico do Rio e líder da bancada do PMDB. Geralmente identificado como o mais perigoso inimigo de Dilma – ela inclusive tentou impedir a sua eleição – o seu ar garboso e modos imperturbáveis escondem um político excepcionalmente talentoso e cruel, um mestre nas artes obscuras da manipulação parlamentar e na administração. Uma pessoa de cujos favores grandes números do chamado “baixo clero” do Congresso se tornaram dependentes desde que assumiu o cargo, enquanto outros vivem prostrados perante a sua força sem conseguir enfrenta-lo. E mal as manifestações nas ruas clamaram pelo impeachment de Dilma, ele imediatamente se tornou o ponta de lança dentro do poder Legislativo que garantiria a saída da presidente, sob o pretexto de que antes das eleições ela tinha transferido, de forma imprópria, fundos dos bancos estatais para contas federais.

Atingindo um crescendo no mês de setembro, o movimento para a depor atingiu números impressionantes, configurando diferentes forças e personagens que se entrecruzavam de diferentes formas, desde os “jovens turcos” do MBL e ROL pousando para fotos com Cunha, até pilares da lei como Moro e Dallagnol (que também é evangélico) a encontrarem-se com políticos do PSDB e lobistas pró-impeachment, sem contar também com a imprensa atacando virulentamente o PT e o Planalto com novas denúncias diárias.

Ou Dilma tinha ilegalmente deixado um déficit nas contas do Estado para continua a ser reeleita, ou tinha permitido grandes injeções de verbas ilegais para financiar a sua campanha eleitoral… ou ambos – em qualquer caso, material suficiente para acelerar o processo da sua retirada da presidência enquanto afronta a probidade pública. Naquele momento, cerca de 80% da população queria que ela se fosse embora.

Entretanto, uma bomba explodiu. Em meados de outubro, as autoridades suíças notificaram o Procurador Geral da República em Brasília que Cunha tinha nada mais nada menos do que quatro contas secretas na Suíça – e outra ainda foi depois descoberta nos Estados Unidos – uma delas em nome da sua esposa, outra no nome de uma empresa-fantasma de Singapura, que recebia direto de outra empresa-fantasma da Nova Zelândia. O valor total era de 16 milhões de Dólares, um valor trinta e sete vezes superior à riqueza que tinha declarado no Brasil. À disposição do casal também havia duas companhias locais – e, desafiando o escárnio, uma delas chamava-se Jesus.com – além de uma frota de nove limusines e camionetes no Rio de Janeiro. As evidências de que ele acumulava subornos da Petrobrás começaram a acumular-se.

Mesmo para a mais obediente imprensa, isso era demais. No Congresso, teve início uma comédia às avessas. Segundo a Constituição Brasileira, o Presidente da Câmara possui o poder solene de dar início à moção de impeachment presidencial. Ao longo de meses, o PSDB andou a cortejar Cunha, conferenciando com ele em conclaves íntimos sobre as táticas e o momento do processo. A revelação das suas contas na Suíça, com muito mais provas do que as que recaíam sobre Dilma, tornou-se um profundo constrangimento para o partido.

O que deveria ser feito? Cunha ainda controlava as chaves para o impeachment, que se fosse bem-sucedido poderia até mesmo anular as eleições de 2014 e garantir, assim, a vitória de Neves. O partido então silenciou-se sobre as ondas que vinham de Berna, afirmando que o próprio Cunha ainda não se tinha pronunciado e que era inocente até que se provasse o contrário. Mas os seus apoios na mídia não conseguiram conter as interrogações: como pode o partido da moralidade dar cobertura para tamanha criminalidade?

Diante do clamor, o PSDB foi forçado a bater em retirada e tirar o apoio ao Presidente da Câmara – um pequeno partido socialista independente [o PSOL], nessa altura entrou com um recurso para tirar Cunha da Câmara. Ao perceber que o PSDB tinha deixado de o apoiar, Cunha rapidamente fez um jogo de dupla-face. Negociando a portas fechadas, ofereceu trancar o impeachment de Dilma se o PT o protegesse das tentativas de anulação do seu mandato e expulsão do Congresso. E isso rapidamente aconteceu.

Os ministros do PT, tão desenvergonhados como os políticos do PSDB, concordaram em auxiliá-lo a manter-se no cargo, desde que ele não fizesse nenhum movimento contra Dilma. Este carrossel surreal foi demais para as bases do partido que estavam afastadas do Congresso e o acordo teve de ser cancelado. Por um breve momento, pareceu que a posição de Cunha era insustentável e a causa do impeachment estava tão desgastada pela sua exposição que não havia, portanto, quase nenhuma hipótese de ela passar.

Artigo publicado integralmente no Blog da Boitempo a 21 de abril de 2016 e publicado originalmente na edição de Abril da London Review of Books. Tradução de Fernando Pureza.

Perry Anderson é um historiador inglês nascido em 1938. Professor da UCLA, Estados Unidos, foi editor da New Left Review, a principal revista de esquerda do mundo anglófono. Ensaista político, Anderson é conhecido pelo seu trabalho em história intelectual, e filia-se à tradição do Marxismo Ocidental do pós-1956. É autor, entre outros, de "Espectro, Afinidades seletivas" e mais recentemente "A política externa norte-americana e seus teóricos", além de ser colaborador da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda.

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