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terça-feira, 19 de abril de 2016

Piketty: LuxLeaks, Panama Papers: a hipocrisia da Europa

Thomas Piketty em Le Monde

A questão dos paraísos fiscais e da opacidade financeira tem sido notícia de primeira página há anos. Infelizmente, nesta área, há uma enorme diferença entre as declarações triunfantes de governantes e a realidade do que eles realmente fazem. Em 2014 a investigação LuxLeaks revelou que multinacionais não pagam quase nenhum imposto na Europa, graças às suas filiais em Luxemburgo. Em 2016, o Panama Papers tem sido mostrado na medida em que as elites financeiras e políticas do Norte e do Sul ocultam seus ativos. Podemos estar contente de ver que la jornalistas estão fazendo seu trabalho. O problema é que os governos não estão fazendo a parte deles. A verdade é que quase nada tem sido feito desde a crise de 2008. De certa forma, as coisas, até mesmo pioraram.

Vamos colocar os tópicos em ordem. Relativo à tributação dos lucros das grandes empresas, a concorrência fiscal agravada atingiu novas alturas na Europa. O Reino Unido vai reduzir a taxa de TIC para 17%, algo inédito para um grande país, continuando a proteger as práticas predatórias das Ilhas Virgens e outros centros offshore - sob a coroa britânica. Se nada for feito, vamos terminar em uma linha acima de 12% como a da Irlanda o u mesmo 0%, ou mesmo em subsídios aos investimentos, como já é o caso às vezes. Enquanto isso, nos Estados Unidos, onde há um imposto federal sobre os lucros, essa taxa é de 35% (não incluindo as taxas levantadas pelos Estados, que vão entre 5% e 10%). É a fragmentação política da Europa e a ausência de forte autoridade pública que coloca-nos à mercê de interesses privados. A boa notícia é que há uma maneira de sair do atual impasse político. Se quatro países: França, Alemanha, Itália e Espanha, que juntos representam mais de 75% do PIB e da população na zona do euro poderiam transmitir um novo tratado com base na democracia e justiça fiscal, com uma medida forte e a adoção de um regime fiscal comum para as grandes corporações, então outros países seriam forçados a seguir. Se eles não fizerem não estariam em conformidade com a melhoria na transparência que a opinião pública pede há anos, e estariam abertos a sanções.

Há ainda uma falta total de transparência quanto a bens privados em paraísos fiscais. Em muitas áreas do mundo, as maiores fortunas continuaram a crescer desde 2008 muito mais rapidamente do que o tamanho da economia, em parte porque eles pagam menos impostos do que os outros. Na França, em 2013 o ministro do orçamento tranquilamente explicou que ele não tem uma conta na Suíça, sem medo que o seu ministério possa descobrir mais sobre ele. Mais uma vez, levou os jornalistas a revelar a verdade.

Transmissão automática de informação sobre ativos financeiros, oficialmente aceites na Suíça, e sempre negado no Panamá, destina-se a lidar com o problema no futuro. O único inconveniente é que isso só vai começar a ser aplicado, um pouco cauteloso, a partir de 2018, com exceções evidentes, por exemplo, para os títulos detidos através de fundos e fundações, e tudo isso sem qualquer sanções para os países que não cooperam. Em outras palavras, continuamos a viver sob a ilusão de que o problema será resolvido numa base voluntária, por educadamente solicitar aos paraísos fiscais para parar de se comportarem mal. É imperativo acelerar o processo e impor pesadas sanções financeiras e comerciais em países que não cumpram, com regras rígidas. Nãos nos enganemos: somente uma execução repetida de sanções deste tipo ao menor incumprimento verificado (e haverá incluindo, inclusive, por nossos queridos vizinhos na Suíça e Luxemburgo), permitirá  a credibilidade do sistema a estabelecer e final da impunidade generalizada existente por muitas décadas.

É preciso ao mesmo tempo estabelecer um cadastro unificado de títulos financeiros; o que envolve a tomada do controle público dos depositários Centrais (Clearstream e Eurostream na Europa, Depository Trust Corporation nos Estados Unidos) como Gabriel Zucman mostrou claramente. Em apoio a esta abordagem, poderia prever-se uma taxa de inscrição comum para ativos, com a receita utilizada para financiar um bem público global (por exemplo, o clima).

Há ainda uma questão em aberto: por que os governos têm  feito tão pouco desde 2008 para lutar contra a opacidade financeira? A resposta fácil é que eles estavam sob a ilusão de que não havia necessidade de agir. Seus bancos centrais imprimiram dinheiro o suficiente para evitar o colapso total do sistema financeiro, evitando, assim, os erros pós-1929 que levaram o mundo à beira do colapso total. O resultado foi que efetivamente evitou-se a depressão generalizada, mas a forma como foi feito absteve das reformas estruturais, regulamentares e fiscais necessárias. Poderíamos nos tranquilizar, observando que o balanço dos principais bancos centrais (que aumentou de 10% para 25% do PIB) permanece baixa em comparação com os ativos financeiros total detidos por agentes públicos e privados sobre o outro (aproximadamente 1000% do PIB ou, até mesmo 2.000% no Reino Unido) e pode subir ainda mais, se necessário. Na realidade, isso principalmente revela a hipertrofia persistente dos balanços do setor privado e a extrema fragilidade do sistema como um todo. É de se esperar que o mundo vai aprender com as lições dos Documentos de Panamá e finalmente lutar contra a opacidade financeira, sem esperar por uma nova crise.

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