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quinta-feira, 9 de junho de 2016

O pico do petróleo, IDH e o fundo soberano na Noruega

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“We should leave oil before it leaves us”
(Devemos deixar o petróleo antes que ele nos deixe)
Faith Birol (Chief economist of the IEA)

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A Noruega apresenta o maior índice de desenvolvimento humano (IDH) do mundo, estando em 0,955 em 2014 (o máximo é 1). O país lidera o ranking do IDH desde 2001 (O Brasil estava em 75º lugar, com IDH de 0,755 em 2014). Em 2009, a Noruega foi classificada pela ONU como o melhor país do mundo para se viver. Também foi indicado como o país mais pacífico do mundo em uma pesquisa realizada em 2007 pelo Índice Global da Paz. A renda per capita da Noruega, de US$ 76 mil (em poder de paridade de compra – ppp) era bem superior a renda per capita dos Estados Unidos de US$ 56 mil em 2015 (Brasil com renda de 15 mil dólares (em ppp) e Arábia Saudita com renda de US$ 53 mil no mesmo ano), segundo o FMI.
A Noruega era um país sem grande importância na economia mundial antes de 1970. Sua economia dependia prioritariamente de exportações de peixes enlatados e de minérios de baixo valor. O país figurava entre os mais pobres da Europa. Mas em 1969, com as descobertas a jazidas de petróleo no Mar do Norte, o país começou um processo de ascensão econômica e social. A taxa de mortalidade infantil caiu para 2 mortes para cada mil nascimentos em 2015 (uma das menores do mundo) e a esperança de vida ao nascer atingiu 82 anos (uma das maiores do mundo).
Entre o ano 2000 e 2014 a Noruega acumulou grandes superávits comerciais, especialmente durante o período de altos preços do petróleo. Em 2008, a Noruega – com 5 milhões de habitantes – exportou o equivalente das exportações do Brasil – com 200 milhões de habitantes. Mas para evitar as flutuações e as incertezas, em 1990, foi criado um fundo petrolífero para receber e administrar os recursos da exploração dos hidrocarbonetos. No país escandinavo, não existe a figura dos royalties, como há no Brasil. O Fundo Soberano norueguês tem dois objetivos fundamentais: 1) fortalecer a previdência social nas próximas décadas para fazer frente ao progressivo envelhecimento da população; 2) preparar o país para o declínio na produção de petróleo.
O que capitaliza o fundo são os impostos pagos pelas petroleiras, o dinheiro embolsado pelo governo norueguês por concessões a empresas privadas para exploração de petróleo no Mar do Norte e os dividendos que recebe por sua participação acionária na estatal petrolífera StatoilHydro (que não detém monopólios). Em contraste com quase todos os países ricos, a Noruega ostenta um orçamento superavitário e destina mais de 1% de seu PIB em ajuda a países do Terceiro Mundo.
O fundo soberano norueguês foi fundamental para garantir o futuro e dar estabilidade ao país nos momentos de crise, como em 2015 e 2016, quando o preço do petróleo caiu do patamar de mais de US$ 100 o barril para menos de US$ 40. O fundo é fundamental também para preparar o país para o pico do petróleo e a queda da produção de combustíveis fósseis.
O gráfico abaixo mostra que a produção de petróleo na Noruega atingiu o pico em 2001 e vem caindo continuamente desde então. A curva segue perfeitamente o “Pico de Hubbert”. Mas ao contrário da Arábia Saudita, o consumo de combustíveis fósseis não aumentou na Noruega e o país investe em energias alternativas, como eólica e solar.


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Ou seja, o país campeão do IDH soube investir em saúde e educação, além de reservar fundos para o futuro, após o fim das riquezas (poluidoras) do petróleo. Não houve uma “explosão demográfica”, pois a população da Noruega era 3,3 milhões em 1950, passou para 5,2 milhões de habitantes em 2015 e deve chegar a 7,8 milhões de habitantes em 2100, segundo projeções médias da Divisão de População da ONU. A população da Noruega deve ser multiplicada por 2,3 vezes em 150 anos. O país já atingiu um alto grau de desenvolvimento humano e agora só precisa manter as conquistas utilizando os recursos que foram poupados durante os anos de fartura.
O país nórdico vive uma situação bem diferente da Arábia Saudita, que mesmo com as maiores reservas petrolíferas do mundo, tem uma perspectiva difícil pela frente. Em termos demográficos, a Arábia Saudita passou de 3,1 milhões de habitantes em 1950, para 31,5 milhões em 2015 e deve atingir 47,7 milhões de habitantes em 2100, segundo as projeções médias da Divisão de População da ONU. A população da Arábia Saudita deve ser multiplicada por 15,4 vezes em 150 anos. A perspectiva para os próximos anos é a redução da produção de petróleo e o aumento do consumo interno. A queda das exportações de petróleo (queda do volume e do preço) está gerando um déficit na balança comercial e um grave rombo nas contas públicas. Diversos autores dizem que o colapso da Arábia Saudita é inevitável (ver artigo sobre o colapso da Arábia Saudita. Alves, 2016).
Assim, parece que a Noruega está conseguindo se livrar da “maldição do petróleo”. Infelizmente o Brasil foi no sentido contrário e investiu os parcos recursos da nação em projetos do pré-sal e da Petrobrás, inviáveis economicamente. A crise atual da economia brasileira, em grande parte, é fruto de decisões equivocadas e, ao contrário do povo norueguês, os brasileiros estão pagando o pato do imbróglio do “petrolão”. Deveríamos aprender com a Noruega, pois as opções adotadas pelos últimos governos podem comprometer a soberania brasileira e o bem-estar da população.
Referência:
ALVES, JED. O colapso da Arábia Saudita é inevitável? Ecodebate, RJ, 15/04/2016
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 08/06/2016

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