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domingo, 3 de julho de 2016

BRASÍLIA, YOU HAVE A PROBLEM

por Carlos Fino



Quando, em Abril, culminando sucessivas operações da Lava Jato e meses de agitação nas ruas, num crescente clima de insatisfação com a corrupção do PT, a Câmara dos Deputados do Brasil autorizou a instauração do processo de impeachment contra a presidente Dilma Roussef, os partidários da mudança rejubilaram.
Finalmente, o país ia ter um executivo com políticas económicas mais consentâneas com as exigências dos mercados, sanear as empresas públicas e colocar em ordem as contas do Estado, inaugurando assim um novo rumo capaz de tirar o Brasil da recessão.
Havia, é certo um pequeno problema: Temer incluiu no seu governo uma série de figuras sob suspeita, algumas até – como logo a seguir se veria - com graves denúncias e acusações na justiça.
Mas a vontade de mudança de largos sectores das classes médias e de boa parte dos colunistas da grande media que lhe dá expressão era tão grande que a sombra de pecado original projetada pelos novos responsáveis foi, se não completamente ignorada, pelo menos minimizada. Houve até quem escrevesse que ser contra o governo Temer era ser contra o Brasil.
O raciocínio era este – o governo podia estar inquinado por suspeitas de corrupção, mas Temer tinha as políticas certas e fez “excelentes escolhas” para centros de decisão nevrálgicos como o ministério da Fazenda/Finanças, Banco Central, e por aí fora. Havia, portanto, que dar-lhe o benefício da dúvida e esperar que as medidas a adoptar produzissem os efeitos benéficos esperados – controlo da inflação, descida dos juros, relançamento da atividade económica e do emprego.
Grosso modo, foi este o enquadramento, a narrativa que esteve por trás da geral leniência ou mesmo aberta simpatia dos comentadores, os quais – contra a própria lógica jurídico-constitucional que enforma o processo de impeachment – passaram a considerar o presidente interino e o governo interino que ele lidera como se fossem já definitivos.
Isto para não falarmos da duvidosa legitimidade de se colocar em prática, em circunstâncias transitórias, uma política diversa daquela para a qual se foi eleito – situação que não vi referida em nenhum órgão de comunicação social relevante. Aliás, em contraste absoluto com as críticas – legítimas – feitas pela media a Dilma Rousseff pela mesma razão: tentar, logo a seguir às eleições, executar uma política fiscal diferente daquela que ela própria defendera durante a campanha eleitoral.
Nem a queda de sucessivos ministros em poucos dias abalou aquele enquadramento narrativo. Só agora, passado mais de um mês sobre a tomada de posse do novo executivo, críticas sérias começam a surgir, mesmo por parte dos sectores que aplaudiram o impeachment e em princípio continuam favoráveis a Temer.
Razão – as concessões feitas pelo presidente em exercício a diferentes setores sociais (aumento de salários do Judiciário, leniência com a dívida dos Estados, aumento do programa Bolsa Família acima da inflação), numa clara tentativa de ganhar apoio popular e satisfazer os grupos de interesses que comandam os votos no Congresso e dos quais Temer depende para se manter no poder.
Os montantes implicados são enormes e contrariam as declarações de intenções do ministro das Finanças Henrique Meirelles, que se tem mantido num silêncio comprometido.
Ora a verdade é que tudo está ligado – ao contrário do proclamado, é evidente que não estamos perante um governo de “salvação nacional”, mas sim de um executivo que já expressa, na sua composição, os compromissos com as alianças políticas existentes no Congresso, que possibilitaram a abertura do processo de impeachment e das quais depende ainda o afastamento definitivo de Dilma.
É a dura lei do chamado “presidencialismo de coalizão”, facilitado pela fragmentação artificial do sistema partidário, que pelo menos desde Fernando Henrique Cardoso tem mantido os presidentes do país reféns de maiorias parlamentares conjunturais, formadas mais em torno de interesses corporativistas do que de princípios políticos ou ideológicos.
Tudo isto num quadro de grande instabilidade, em que sucessivas operações policiais e consequentes delações para salvar a pele vão revelando novos escândalos, implicando tudo e todos ou quase todos, numa espécie de vórtice que ameaça arrastar a generalidade dos partidos e das principais figuras políticas, para o buraco negro do descrédito.
Entre eles, presumíveis candidatos às presidenciais de 2018, como o líder do PSDB Aécio Neves, que viu o seu nome ligado a mais do que um caso de corrupção e também a líder da Rede, a mais que discreta e séria Marina Silva, com denúncias sobre financiamento ilegal de campanha. Lula, por seu turno, viu os processos em que está citado remetidos do Supremo para o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, em Curitiba, o que aumenta a possibilidade do ex-presidente poder vir a ser detido.
Nestas circunstâncias, quando já parece que ninguém salva, começam a surgir apelos ao bom senso e a entendimentos capazes de preservar um mínimo de estabilidade no país.
Mas está tudo ainda em carne viva e o facto de, nas últimas semanas, uma comissão do Senado ter concluído que afinal Dilma não cometeu as chamadas “pedaladas fiscais” – que foram o principal motivo invocado para o impeachment – reanimou esperanças em setores do PT de que afinal nem tudo ainda estaria perdido.
À primeira vista, o regresso da antiga resistente ao poder não parece plausível. Mas a instabilidade é tal que nem isso pode ser excluído.
Em qualquer dos casos – afastamento de Dilma e confirmação de Temer ou regresso momentâneo de Dilma baseado num compromisso de referendo abrindo espaço para novas eleições – a verdade é que o sistema político do país (e nisso todos concordam) precisa de urgente reforma.
Até lá, Brasília, you have a problem!
Foto: Brasília vista do espaço Fonte: Google Divulgação

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