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domingo, 3 de julho de 2016

Dissintonia das políticas macroeconômicas adia a saída da crise

As primeiras medidas do governo provisório apontam para uma guinada em vários aspectos, especialmente no papel do Estado, bancos públicos e programas sociais. Embora essas medidas pró-mercado encontrem receptividade em alguns setores, não garantem um ambiente favorável ao investimento na produção e na infraestrutura

Antonio Corrêa de Lacerda

O artigo faz parte do fórum #Governo sem voto, iniciativa em parceria com aPlataforma Política Social
Se a economia brasileira recuou 3,8% no ano que passou, o investimento, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo caiu 14,1%. Os dados do primeiro trimestre denotam que o ritmo da queda diminuiu, mas ainda estamos longe do início de uma recuperação. O mais grave é que o conjunto das escolhas das políticas econômicas em prática, além de desfavorecerem os mais pobres, também podem agravar a crise.
O almejado ajuste fiscal implicou cortes de gastos, incluindo os investimentos, não apenas por parte da União, mas também dos Estados e Municípios.  Além disso, o aumento da taxa básica de juros (Selic) e a sua manutenção em nível elevado, além de estimular as aplicações financeiras em detrimento dos investimentos na produção e infraestrutura, também encareceu o custo do crédito e financiamento, outro fator desestimulador das novas inversões.
Um terceiro fator foi o impacto da retração chinesa e a queda nos preços das commodities. Ao contrário do se poderia pensar, a diminuição dos preços do petróleo bruto, dos minérios e da soja, para citar os principais, não afetou somente o resultado das exportações, mas também inibiu novos projetos por parte de grandes empresas, devido à queda da sua receita e rentabilidade.
O quarto fator, a Operação Lava Jato, sem entrar no mérito da sua utilidade para coibir a corrupção, tem significado na prática a paralisia de setores chave para o pais como os complexos de petróleo e gás e construção pesada e toda a sua cadeia de fornecedores e prestadores de serviços.
Por último, mas não menos importante, a crise política gera incerteza quanto ao futuro, também impactando negativamente as decisões, levando ao adiamento, ou mesmo cancelamento de investimentos.
Como todos estes fatores continuam presentes no cenário político-econômico, nada nos faz crer que o quadro possa se alterar e teremos uma nova retração expressiva nos investimentos este ano.
Mas, por outro lado, nada indica que estejamos fadados a uma crise interminável. Há aspectos relevantes a serem considerados. O Brasil é o único país do G-20 que tem uma expressiva demanda ainda reprimida na infraestrutura por exemplo. Há muitas outras oportunidades no agronegócio, na indústria e nos serviços.
Internamente, as elevadas taxas de juros oferecidas para os credores da dívida pública continuam sendo um fator de desestímulo aos investimentos em novos projetos de infraestrutura.
Na recente sabatina realizada no Senado Federal que aprovou a indicação de Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central (BC) houve ênfase na recuperação do tripé macroeconômico: metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante. Não há dúvida que o mandato em questão, de presidente do BC,  refere-se à defesa da moeda e o discurso não surpreende, também levando em conta a formação e atuação profissional do indicado.
No entanto, vale destacar alguns aspectos relevantes especialmente no que se refere à política cambial. É sabido que a utilização da política cambial como instrumento de controle de inflação de curto prazo foi um recurso recorrente em praticamente todos os governos dos últimos trinta anos, para focarmos em um período mais recente da nossa história.
No governo Sarney (1985-1989) foi um dos elementos da implantação do Plano Cruzado, nos Governos Itamar/Fernando Henrique Cardoso adotado explicitamente como “âncora”, na primeira fase do Plano Real (1994-1998), no governo Lula (2002-2010), embora já vigesse  o Regime de Metas de Inflação, que fora adotado em 1999, a valorização artificial da moeda foi elemento fundamental para o controle da inflação. Já o governo Dilma (2011-…), depois de ter herdado um real valorizado, fez uma tentativa de desvalorização em meados do seu primeiro mandato, no final deste, assim como no início do segundo mandato visando a estimular a indústria e as exportações.
O apelo à valorização artificial da moeda é grande no Brasil. A renda da exportação de commodities associada à prática de juros reais elevados proporciona um terreno fértil para isso. Os resultados de curto prazo são inegáveis, com o barateamento das importações, das viagens e compras no exterior. O problema é que esse ganho de curto prazo se esvai no médio e longo prazos, trazendo consequências danosas para a indústria, que perde tecido, desestimula as exportações de manufaturados e o emprego nesses setores, assim como deteriora as contas externas.
Portanto um retorno à prática da valorização do real é inoportuna. A desvalorização, observada ao longo de 2015 e início de 2016, restabeleceu as condições de competitividade que, o que, aliado a outros ajustes macroeconômicos e práticas inteligentes de políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e de inovação), permitiriam viabilizar a reindustrialização, com todos os benefícios do processo: crescimento sustentado, geração de emprego, renda e receita tributária, além de equilíbrio intertemporal das contas externas.
Mas, tudo isso não é automático, nem tampouco de curto prazo. É preciso persistir nos ajustes, lembrando que uma taxa de câmbio de equilíbrio industrial é uma condição sine qua non, porém não únicaRessalte-se, adicionalmente, que o cenário internacional de hoje é bastante diferente do observado na primeira década dos anos 2000 em que o Brasil se aproveitou de um crescimento expressivo da China e crescimento de preços. A economia brasileira segue apresentando indicadores negativos no que se refere ao nível de atividades e investimentos. O ambiente político, ainda longe de uma estabilização, permanece como fator de incerteza.
As primeiras medidas do governo provisório anunciadas apontam para uma guinada em vários aspectos, especialmente quanto ao papel do Estado, dos bancos públicos e dos programas sociais.  Embora essas medidas pró-mercado encontrem receptividade em alguns setores, especialmente no mercado financeiro, elas não garantem um ambiente favorável ao investimento na produção e na infraestrutura. Para isso também contribuem não apenas aspectos regulatórios e de ambiente de negócios, ainda claramente desfavoráveis para as decisões, mas também a prática de uma taxa de juros muito acima da média internacional e da rentabilidade esperada nessas atividades.
A falta de sintonia fina do conjunto das políticas macroeconômicas segue sendo um grande desafio para os decisores. A questão é que muitas vezes objetivos individuais conflitam com o todo. É o caso típico das políticas fiscal e monetária. Esta não é uma particularidade brasileira. Afeta a todas as economias, mas que, no nosso caso, dadas as peculiaridades, se mostra ainda mais evidente.
Na tríade EUA, Europa e Japão tem prevalecido, desde que os efeitos da crise subprime se mostraram evidentes em 2008/2009, uma política monetária frouxa, com juros reais muito baixos, atualmente negativos. Trata-se de uma postura coordenada e pragmática dos bancos centrais destes países diante do óbvio que é a fraca recuperação da atividade, no caso da economia norte-americana, risco de recessão, em alguns países da Europa e uma longa estagnação/baixo crescimento japonês.
O objetivo dos bancos centrais dos países citados é baratear o custo de capital para empresas e consumidores, assim como dos encargos sobre a dívida pública. É uma busca contínua pela recuperação de uma grave crise global, cuja saída definitiva não se apresenta no horizonte de curto/médio prazo. Se isso não resolve a crise,  pelo menos ameniza os seus efeitos.
No caso brasileiro, na busca do almejado “equilíbrio fiscal”, tem-se cometido erros claros de escolhas. A dobradinha corte de gastos e tentativa de aumento de receitas via aumento da tributação esbarra nos efeitos da recessão em curso. Redução de investimentos públicos e de gastos sociais diminui a demanda agregada, portanto, a arrecadação tributária potencial. Na política monetária, ao contrário dos países citados e da quase totalidade dos demais, pratica-se há tempos uma elevadíssima taxa de juros reais básicas. Para uma inflação esperada nos próximos 12 meses de cerca de 6% (Boletim Focus de 17/06/2016, ver www.bcb.gov.br/pec)  pratica-se uma taxa de juros básica (Selic) de 14,25% ao ano. Isso implica um juro real da ordem de quase 8% ao ano! Como as taxas de juros ao tomador final, empresas e consumidores é muitas vezes superior à básica, elas também contribuem para a contração da economia, pois o custo do crédito e do financiamento se torna proibitivo e inviabiliza as operações.
Daí a importância de uma visão de longo prazo e coerências entre as políticas fiscal e monetária. É preciso buscar a sustentabilidade fiscal, mas insistir em tentar fazê-lo no curto prazo se torna inviável, dadas as condições descritas.
A iniciativa do governo interino de apresentar um plano fiscal que vise a evitar que os gastos sejam crescentes em termos reais pode ser inócua se não houver a determinação de promover mudanças importantes no cenário:
– a primeira, é reconhecer que o chamado “ajuste fiscal” é inviável com uma economia em recessão como a nossa. Ao contrário, é preciso que o gasto público de qualidade cumpra o seu papel anticíclico tendo em vista a retração da demanda das empresas e das famílias. Como na maioria dos países, o déficit primário é uma consequência por um período de tempo;
– a segunda é apresentar um programa de longo prazo para o desempenho dos gastos, atrelados a uma reforma tributária, que vise a corrigir disparidades da nossa estrutura, assim como simplificá-la;
–  a terceira é enfrentar a rigidez da dívida pública e o seu custo de financiamento. Não é sustentável continuar a oferecer remuneração real a aplicações em títulos da dívida publica de curto prazo e um juro real incompatível com  a média internacional e com o retorno econômico e social das atividades por ela financiados;
– a quarta é rever o regime de metas de inflação (RMI). Decorridos quase 17 anos da sua implantação do RMI, é preciso evoluir na definição da inflação relevante a ser considerada, na desindexação (formal e informal) remanescente em preços e contratos, assim como as metas de inflação e seus prazos de atingimento.

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