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terça-feira, 19 de julho de 2016

Filosofia da educação, história da filosofia e política educativa

Amélie Oksenberg Rorty

Tradução de Rui Daniel Cunha - Crítica na Rede

Os filósofos sempre tiveram a intenção de transformar o modo como observamos e pensamos, agimos e interagimos; sempre se consideraram a si mesmos como os educadores definitivos da humanidade. Mesmo quando pensavam que a filosofia deixa tudo como está, mesmo quando não apresentavam a filosofia como a mais exemplar atividade humana, pensavam que interpretar o mundo corretamente — compreendê-lo e compreender a nossa posição nele — nos libertaria da ilusão, conduzindo-nos àquelas atividades (vida cívica, contemplação da ordem divina, progresso científico ou criatividade artística) que nos são mais apropriadas. Mesmo a filosofia “pura” — metafísica e lógica — é implicitamente pedagógica. Tem a intenção de corrigir a miopia do passado e do instante.

A reflexão filosófica acerca da educação, de Platão a Dewey, tem sido assim naturalmente dirigida para a educação dos governantes, daqueles que se presume preservarem e transmitirem — ou redirecionarem e transformarem — a cultura da sociedade, o seu conhecimento e os seus valores. Todas as épocas históricas são marcadas por uma disputa pelo poder, como o poder da autoridade da tradição ou do poder manifesto, como o poder do conhecimento filosófico, espiritual ou científico, como o poder da criatividade artística, da produtividade mercantil ou tecnológica. Só muito recentemente na história das democracias liberais é que a política educativa foi formulada e direcionada para indivíduos presumivelmente autônomos, que determinam os seus próprios objetivos e que estruturam as suas próprias vidas. Em lado algum é a filosofia da educação mais importante, em lado algum é a própria educação mais crucial — e em lado algum é mais esquecida — do que numa democracia participativa liberal, cujos compromissos igualitários transformam cada indivíduo simultaneamente em legislador e em súbdito.

As disputas no centro da discussão contemporânea da política educativa (Quais são as orientações e os limites da educação pública numa sociedade pluralista e liberal? Como podemos garantir da melhor maneira uma distribuição equitativa das oportunidades educativas? Deverá a qualidade da educação ser supervisionada por padrões nacionais e exames? Deverão as escolas públicas levar a cabo a educação moral e religiosa?) restabelecem as controvérsias que marcam a história da filosofia, de Platão à epistemologia social. Discussões fecundas e responsáveis da política educativa remetem inevitavelmente para questões filosóficas mais amplas, que as sugerem e enquadram: essas questões são articuladas e examinadas de maneira mais precisa na teoria moral e política, na epistemologia e na filosofia da mente. Quais são as finalidades próprias da educação? (Preservar a harmonia da vida cívica? Salvação individual? Criatividade artística? Progresso científico? Capacitar indivíduos para que façam escolhas sábias? Preparar cidadãos para entrar numa força de trabalho produtiva?). Quem deve deter a responsabilidade primordial de formular a política educativa? (Filósofos, autoridades religiosas, governantes, uma elite científica, psicólogos, pais ou autarquias locais?). Quem deve ser educado? (Todos por igual? Cada um segundo o seu potencial? Cada um segundo as suas necessidades?). Como é que a estrutura do conhecimento afecta a estruturação e a sucessão das aprendizagens? (Será que é a experiência prática, ou a matemática, ou a história, que deve fornecer o modelo de aprendizagem?). Que interesses devem guiar a escolha de um currículo? (A obtenção de uma vantagem competitiva no mercado econômico internacional? A representatividade religiosa, política ou étnica? A formação de uma sensibilidade cosmopolita?). Como devem as dimensões intelectual, espiritual, cívica, moral, artística, psicológica e técnica da educação estarem relacionadas entre si?

Dado que somos herdeiros de uma história das concepções das finalidades e orientações da educação, essa história permanece ativamente inserida e expressa nas nossas crenças e nas nossas práticas. Fornece-nos a compreensão mais nítida das questões que nos preocupam e nos dividem. A maior parte das teorias do conhecimento — seguramente as de Descartes e de Locke — tinham, entre outras coisas, a intenção de reformar as práticas pedagógicas. A maior parte das teorias éticas — certamente as de Hume, Rousseau e Kant — tinham a intenção de reorientar a educação moral. O alcance prático das teorias políticas — as de Hobbes, Mill e Marx — não se limita apenas à estrutura das instituições, também chega à educação dos cidadãos. Sistemas metafísicos gerais — os de Leibniz, Espinosa e Hegel — fornecem modelos de investigação e, como consequência, estabelecem orientações e padrões para a educação de espíritos esclarecidos. Alguns filósofos — Locke, Rousseau, Bentham e Mill, por exemplo — fizeram dos seus programas educativos uma característica nuclear dos seus sistemas filosóficos. Outros — Descartes, Espinosa e Hume — tinham boas razões para não tornarem explícito o significado educativo dos seus sistemas.

Se a política educativa é cega sem a orientação da filosofia, a filosofia é vazia se desprovida de uma atenção crítica ao seu significado educativo. Uma filosofia da educação robusta e vital incorpora inevitavelmente o todo da filosofia; e o estudo da história da filosofia obriga à reflexão sobre as suas implicações para a educação.


Amélie Oksenberg Rorty

Retirado de “The Ruling History of Education”, in Philosophers on Education: New Historical Perspectives, org. por Amélie Oksenberg Rorty, Londres, Routledge, pgs. 1-2

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