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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A Austeridade Do Brasil - Passos Para O Abismo

por Norberto Martins

Norberto MartinsEm 2015, o Brasil começou a implementar uma política fiscal baseada na austeridade, seguindo com alguns anos de atraso o caminho que muitos países europeus, como a Grécia, Portugal e Espanha tinham entrado logo após a crise financeira internacional de 2008.
Na Europa, os resultados desta escolha de política de são bem conhecidos. Como resumido por Joseph Stiglitz, em uma entrevista recente, à medida que a Troika 'começou a insistir em mais e mais austeridade, as economias ficavam mais fracas, as receitas fiscais diminuíram, e anos mais tarde a posição fiscal dos países, a sustentabilidade da dívida, é ainda pior do que quando começou.
Europa pode ter fornecido uma experiência pedagógica para outros países, mas os formuladores de políticas brasileiros negligenciam todas as lições que a crise da Zona Euro nos ensina sobre a austeridade e as suas consequências. Depois de nove trimestres de depressão econômica, a administração brasileira recém-habilitada de Michel Temer está a reforçar a austeridade como "o" medicamento para tratar a crise econômica brasileira.
Os paralelos com a experiência europeia são muitos, desde o diagnóstico até a medicina - e a retórica é idêntica. Um artigo recente de Otaviano Canuto, Diretor Executivo do Banco Mundial, intitulado “Brazil’s Way Out”, define o diagnóstico de que a prodigalidade fiscal e o crescimento anêmico da produtividade são as vulnerabilidades econômicas de longa data do Brasil. Ele argumenta que a única opção real para restaurar o crescimento econômico é corrigir estas deficiências "estruturais". Ele também afirma: "As políticas anti-cíclicas não são uma opção; simplesmente não há espaço fiscal ou monetário o suficiente".
Ao analisar essa retórica, três questões vêm à mente. As políticas contra-cíclicas não são uma opção, mas a austeridade fiscal é uma opção real para restaurar o crescimento econômico? Será que não há "espaço monetário à disposição do Banco Central do Brasil? Se a depressão dura, como é que a produtividade crescerá?
Em relação às políticas de austeridade, o argumento de Canuto reproduz a visão convencional de que as consolidações orçamentais irão reviver o crescimento econômico. No nível empírico, a experiência europeia mostra claramente que a austeridade fiscal é uma descida ao abismo da economia depressão/recessão. No plano teórico, as obras recentes macroeconômicas estão desafiando abertamente este ponto de vista - e não estamos falando de obras de economistas heterodoxos.
Companheiros do Fundo Monetário Internacional Ostry, Lungani e Furceri destacam em um artigo recente que "as políticas de austeridade não só geram custos sociais substanciais devido a oferta a canais, mas também prejudicam a demanda - e, assim, agravam o emprego e o desemprego".
Então, se as políticas fiscais contracionistas têm efeitos deletérios sobre a produção e o emprego, como é que a austeridade restaurará o crescimento econômico? Na prática, como espetáculo brasileiro e experiência europeia recente, só piora as coisas. A tentativa da ex-presidente Dilma Roussef para promover uma consolidação no início do seu segundo mandato só contribuiu para a deterioração da posição fiscal do governo brasileiro e do nível de atividade econômica.
Além disso, um ajuste fiscal que vem com uma reforma das pensões irá certamente aumentar a vulnerabilidade da população, sem qualquer benefício previsível no crescimento. Os benefícios de segurança social são relevantes não só na sua base econômica, mas também na definição dos padrões de vida das pessoas, ajudando a reduzir a pobreza e aumentar a mobilidade social.
A segunda pergunta é muito simples: como é que não há espaço monetário em uma economia que está constantemente no topo do ranking mundial de taxas de juro nominais (e reais)? Enquanto os Estados Unidos e a Europa estão flertando com taxas de juro zero, e outros países estão cruzando a fronteira zero e praticando taxas negativas, o Comitê do Banco Central do Brasil de Política Monetária mantém em 14% ao ano a taxa nominal (em torno de 5,0% em bens termos).
O PIB do Brasil está caindo (-4,9% interanual), o desemprego está subindo (mais de 11%) e o Banco Central insiste em uma política muito conservadora, desde que não haja "apoio monetário" para a economia. "Mas a inflação é alta", pode-se dizer. Sim, o índice de preços ao consumidor está agora em torno de 8,5% em 12 meses. No entanto, não há nenhum caso para apoiar inflação de demanda em uma economia deprimida, em que o PIB contraiu nos últimos seis trimestres. A inflação no Brasil é uma mistura de mecanismos de indexação e inflação de custos, por isso pode-se argumentar que há espaço para reduzir as taxas de juros.
Menores taxas de juros podem ajudar na revitalização do crescimento da demanda agregada, embora seus efeitos sejam mais relevantes em outros aspectos: uma trajetória mais suave da dívida pública poderia seguir, melhorando assim o quadro fiscal do governo brasileiro e as empresas brasileiras poderiam se beneficiar de melhores condições financeiras, permitindo-lhes restaurar as suas almofadas de segurança, em condições mais favoráveis.
Em terceiro lugar, é muito difícil ver como a produtividade vai crescer sem a restauração da demanda agregada e o crescimento econômico. Vários economistas brasileiros defendem "reformas estruturais", a fim de promover ganhos de produtividade, mas a evidência mostra que a produtividade é principalmente ligada ao crescimento econômico. Quando a economia brasileira teve um desempenho melhor a produtividade cresceu muitoQuando a atividade econômica abrandou, a produtividade começou a cair correspondentemente...
Enquanto a austeridade ganhou terreno retórico, o Financial Times destaca que "o Brasil tem passado de pária global entre os investidores ao favorito dos mercados emergentes em menos de 12 meses". Os preços de ativos brasileiros subiram, mas, como analistas do mercado financeiro dizem, a política, em vez de a economia está a conduzir os preços para cima. Em outras palavras, os investidores estão endossando planos de orientação e de austeridade favoráveis ao mercado de Temer.
A nossa história econômica tem muitos exemplos que mostram que o Brasil caiu de queridinho dos investidores de burro, e vice-versa. A meados dos anos 1990 a euforia neoliberal levou a uma crise cambial em 1998. O entusiasmo dos investidores recentes para o Brasil pode estar sujeito a mudanças violentas, como resultado de reveses políticos e fraco desempenho econômico - a austeridade particularmente diz respeito a este último.
Em uma situação de crescimento da demanda anêmica, o Congresso Nacional está prestes a aprovar uma proposta de emenda constitucional que congela os gastos do governo (real) por 20 anos. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados; o Senado vai votar em novembro. Pensões e reformas do mercado de trabalho vêm em seguida.
Por último, mas certamente não menos importante, estas medidas vêm em um contexto em que o novo ramo executivo brasileiro não tem a legitimidade eleitoral para implementá-las. Não estamos apenas olhando para o abismo, mas também dando passos em direção a ele.

Norberto Montani Martins, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele é um ex-analista sênior da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais

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