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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Reprimarização da economia brasileira e desacoplamento

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“ Um homem que ama os bosques, caminha por eles durante a metade de cada dia, arrisca-se a ser visto como um vagabundo. Mas se dedica todo seu dia à especulação, destroçando
esses bosques e deixando a terra pelada antes que haja chegado sua hora,
é estimado como um cidadão industrioso e empreendedor”.
Henry Thoreau (1817-1862)

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Está cada vez mais distante o sonho de transformar o Brasil em uma sociedade do conhecimento, fortalecida por uma revolução científica e tecnológica, menos dependente dos recursos naturais, mais desmaterializada e sustentada na produção de bens intangíveis.
Ao contrário do que pregam os teóricos do desenvolvimento sustentável e da economia verde, o Brasil está cada vez mais dependente da produção de commodities extraídas do solo e do subsolo, com grandes danos ambientais.
Entre 1970 e 2010 a população brasileira cresceu cerca de duas vezes e o PIB cresceu 5 vezes. O consumo doméstico de materiais tangíveis aumentou mais de 5 vezes. Houve um grande aumento per capita do uso, abuso e desuso das riquezas ecossistêmicas, segundo o último relatório da UNEP: Global Material Flows and Resource Productivity (julho 2016).
A extração doméstica passou de pouco mais de 4 toneladas por pessoa em 1970 para 14 toneladas per capita em 2010. Nos anos 2000, ao invés de uma economia mais desmaterializada, houve um aumento da produção interna da extração mineral e dos produtos do agronegócio. Os custos ambientais foram imensos. Não houve desacoplamento (decoupling), como era esperado e desejado.
O acidente (crime ambiental) que ocorreu na unidade industrial de Germano, localizada em Minas Gerais, entre as cidades Mariana e Ouro Preto se transformou no maior acidente ecológico do país. A Samarco Mineração, uma joint venture da Cia Vale do Rio Doce com a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, aumentou a produção de minério para atender principalmente a demanda chinesa. Mas o resultado foi a destruição da bacia do rio Doce, com grandes danos para as pessoas, o rio e as espécies locais.
Este caso não é isolado. O Brasil já destruiu cerca de 90% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado, 20% da Amazônia, além da degradação de outros biomas como Mata de Araucária, Pampa, Caatinga, Pantanal, Mangues, Mata de Cocais, etc. Destruiu e poluiu rios como Tietê, Pinheiros, Carioca, Maracanã, Arrudas, etc. Represou e esvaziou o rio São Francisco, provocando a morte da vida aquática. Destruiu a maravilha de Sete Quedas no Paraná. A degradação ocorre no vazamento de óleo em Cubatão e diversas outras localidades, poluição da Baia da Guanabara, etc.
Mas ao contrário de aprender com os erros do passado, o Brasil tem aumentado a intensidade de uso de materiais e dos serviços ecossistêmicos. O gráfico abaixo, extraído do mesmo relatório da UNEP, mostra que a intensidade no uso de materiais diminuiu na década de 1970, voltou a subir depois do fim do regime militar e atingiu os níveis mais elevados na primeira década do século XXI. A exploração e a degradação da natureza têm aumentado no Brasil nas últimas décadas num ritmo não sustentável.

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Embora este processo seja estrutural e de longo prazo e haja muitos responsáveis, os 13 anos do Partido dos Trabalhadores no poder nada fez para reverter este quadro. Ao contrário, o Brasil passou por um processo de especialização regressiva e por uma aceleração do processo de desindustrialização. O país ficou cada vez mais dependente da exportação de commodities e da dependência do neoextrativismo, como tem mostrado Eduardo Gudynas. Ele diz que uma esquerda latino-americana, sem a ecologia, cairá novamente na crise dos progressismos.
Assim, quando terminou o superciclo das commodities e caíram os preços internacionais das matérias-primas o Brasil entrou em crise e também as alternativas políticas de esquerda que não conseguiram se desvincular das velhas práticas. A perda de dinamismo da economia brasileira já tinha começado em 2013, com estagnação do mercado de trabalho. As grandes manifestações de junho de 2013 já foram o reflexo da falta de oportunidades para os jovens. Depois de várias derrotas, a conjuntura impôs uma nova realidade para o Partido dos Trabalhadores, que deveria fazer uma séria autocritica e não simplesmente ficar adotando um discurso de vitimização. Como disse Olívio Dutra: “PT tem que levar uma lambada forte mesmo porque errou”.
Em relação ao meio ambiente, o governo Dilma cometeu diversas falhas. Por exemplo, depois da assunção de Katia Abreu (conhecida como a rainha da motosserra) para o núcleo de poder do Palácio do Planalto, o desmatamento voltou a subir na Amazônia, sem falar do crime ambiental que foi a usina de Belo Monte. O desmatamento da Amazônia vinha caindo e passou de 7 mil km2 em 2010 para 4.571 km2 em 2012 e parecia que o Brasil estava caminhando para o desmatamento zero e para cumprir as metas apresentadas no Acordo de Paris, da COP-21. Mas, a partir de 2013, o desmatamento votou a subir e voltou para os níveis de 2011. Nos 5 anos completos do governo Dilma o desmatamento da Amazônia foi de 28 mil km2. Foi como se tivesse desmatado todo o Estado de Alagoas que tem 27,7 mil km2. Dados recentes do Imazon, mostram que o no mês junho de 2016, o desmatamento na Amazônia dobrou em relação ao mesmo período de 2015 e que houve aumento do desmatamento no primeiro semestre de 2016.

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O desmatamento realizado dentro das Terras Indígenas da Amazônia, este ano, já é quase o triplo do registrado em todo o ano passado, segundo reportagem publicada pelo Instituto Socioambiental. Foram eliminados 188 quilômetros quadrados nessas áreas – o que corresponde a quase 20 mil campos de futebol. Em 2015, esse número foi de 67 quilômetros quadrados. Isto só confirma o aumento geral do desflorestamento em 2016.
Desmatamento e neoextrativismo são marcas do retrocesso. Desenvolvimento sustentável significa desacoplar o crescimento econômico do uso de recursos naturais e a proteção dos biomas. As INDCs que o Brasil apresentou na COP-21 prometiam reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, a recuperação de 12 milhões de hectares de florestas e 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, a participação de 45% de energias renováveis na matriz energética em 2030 e o aumento de 5 milhões de hectares na área de integração lavoura, pecuária e floresta. Mas existem várias medidas de retrocesso sendo discutidas no atual governo e no Congresso. O Brasil pode não cumprir com as metas que ele mesmo ofereceu voluntariamente.
Ainda segundo Gudynas: “Na associação entre a justiça social e ambiental estão os maiores desafios para uma renovação das esquerdas na América Latina”. É insustentável fazer política social na base da degradação ambiental e na captação de recursos via o modelo desenvolvimentista neoextrativista.
O Brasil é um dos países que possui um dos maiores superávits ambientais do mundo, de acordo com a metodologia da Pegada Ecológica. Mas apesar disto, as políticas públicas não têm sabido lidar com o processo de preservação da natureza. O país está cada vez mais dependente da produção primária, da exportação de commodities e da exploração dos seus ricos biomas. Não está havendo desacoplamento entre o crescimento do PIB e a extração de recursos e nem há uma redução das emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa (GEE).
No dia 05 de outubro de 2016 se atingiu os pré-requisitos para a entrada em vigor do Acordo de Paris, que já foi ratificado por 73 países e que respondem por mais de 55% das emissões mundiais, o que foi justamente comemorado por Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU. O Acordo entrará em vigor em 30 dias, antes, portanto, da COP-22, que vai acontecer em Marrakesh, no Marrocos, de 7 a 18 de novembro de 2016.
Sem dúvida, a ratificação do Acordo de Paris é uma vitória, ainda mais que existem candidatos populistas e céticos do clima, pelo mundo afora, como Donald Trump nos Estados Unidos, que querem rasgar o acordo e liberar as emissões de GEE. Mas a parte mais difícil está por vir, pois não será fácil colocar em prática as INDCs (como é o lamentável caso do aumento do desmatamento no Brasil).
Há estudos como os de James Hansen (04/10/2016) que mostram que o mundo precisa ir muito além do Acordo de Paris e aprofundar o desacoplamento entre as atividades antrópicas e a poluição atmosférica. Ele mostra que não basta o desacoplamento relativo. É preciso o desacoplamento absoluto. Ou seja, o mundo precisa urgentemente partir para as emissões negativas, que significam redução dos níveis de GEE na atmosfera. Decrescimento é a palavra-chave.
Caso isto, não ocorra as temperaturas vão ultrapassar os 2º C em breve e o nível do mar pode aumentar mais de 6 metros num horizonte de 100 a 300 anos. Para Hansen, a meta de 2º C é “uma receita para o desastre”. Ultrapassar 1,5º já seria uma catástrofe monumental e provocaria, no longo prazo, prejuízos inimagináveis. O mundo precisa parar e reorientar o modelo hegemônico insustentável.
Referências:

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 10/10/2016

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