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terça-feira, 11 de abril de 2017

Os ricos da terceirização irrestrita e da reforma trabalhista

Fernando de Aquino Fonseca Neto

Flexibilização e modernização da legislação pode ser muito benéfico para todos, mas a proposta de terceirização de atividades fim, aprovada na Câmara dos Deputados, e a Proposta de Reforma Trabalhista do Governo parecem ainda não se enquadrar nesse perfil. Em relação a tais medidas, destaca-se, de forma extremamente desfavorável:

A imagem pode conter: 1 pessoa(i) Muitos trabalhadores passarem a ter vínculo direto com empresas mais fracas e a ser representados por sindicatos sem suficiente legitimidade e idoneidade, com tendência a perda de vários dos benefícios e reajustes que conseguiriam se não fossem terceirizados. Um estudo da EESP/FGV (http://cmicro.fgv.br/sites/cmicro.fgv.br/files/arquivos/WP_4_2015.pdf), comparando funções similares no período 2007/2012, de crescentes e elevados níveis de emprego, encontra salários diretos 12% inferiores entre terceirizados, devendo-se esperar diferenças muito maiores quando se considera os demais benefícios e uma conjuntura como a atual, de elevado desemprego. O mesmo estudo apresenta evidências de que, por um lado, tais diferenciais são determinados pelas funções de mais baixa qualificação, indicando que o aumento da terceirização nessas funções elevaria as desigualdades; por outro lado, as ocupações de alta qualificação não apresentam salários menores entre terceirizados, sugerindo a possibilidade de efetivamente estar ocorrendo ganhos alocativos nesse segmento do mercado de trabalho.

(ii) Entre os trabalhadores de mais baixa qualificação, mesmo os que não forem, terão a capacidade de negociação enfraquecida pela ameaça da terceirização. Empresas de todos os portes e desempenhos apontarão essa alternativa, sobretudo para as ocupações com oferta de mão-de-obra mais abundante.

(iii) O negociado prevalecer sobre o legislado, sobretudo em um mercado de trabalho com inúmeras categorias com sindicatos sem suficiente representatividade para as negociações, sendo facilmente capturáveis pelos empregadores. Vários seriam representados, nas negociações coletivas com os empregadores, por sindicalistas em busca de interesses pessoais inconciliáveis.

(iv) A ampliação do prazo máximo em que o trabalhador pode permanecer como temporário, ao incentivar a contratação de maior parcela nessas condições, já levará a perdas, para o trabalhador, de verbas rescisórias e de seguro desemprego, o que, em si, não representa qualquer aprimoramento nas relações trabalhistas.

As demais medidas são no sentido de uma flexibilização que pode ser excessiva, precarizando as relações de trabalho, por isso precisariam ainda ser suficientemente analisadas pelos atores sociais interessados e especializados Análise mais aprofundada seria desejável também para o caso da terceirização entre as ocupações de alta qualificação, enquanto entre as de mais baixa qualificação, tudo já indica que traria perdas para os trabalhadores. De um modo geral, a terceirização de ocupações de pouca qualificação, caso o governo sancione sem as suficientes salvaguardas para os trabalhadores, assim como as negociações poderem suplantar a legislação e a extensão do prazo de contratação temporária, tendem a causar reduções nos rendimentos do trabalho, em média ainda muito baixos, e, em particular, de outros benefícios. Os argumentos são de modernização de uma legislação trabalhista ultrapassada, redução do Custo Brasil, incentivo à geração de empregos.

A nossa legislação trabalhista tem sido continuamente atualizada e sempre pode ser aprimorada. A redução do custo Brasil é sempre desejável, com melhorias de infraestrutura e do sistema tributário, além de reduções das taxas de juros, mas sem chegar a não aviltando os rendimentos do trabalho. O incentivo à geração de empregos, sempre resultado do aumento da produção e dos investimentos produtivos, são decorrentes da expectativa de retorno acima dos custos, sendo os custos com trabalho apenas um componente. Assim, os incentivos podem ser por aumento de produtividade ou pela redução do custo Brasil, desde que não venha a concentrar ainda mais a renda.

Ainda mais preocupante é a afirmação, de vários economistas, de que a retração dos rendimentos do trabalho é uma necessidade decorrente de sua expansão acima da produtividade nos últimos anos. Comprimir esses rendimentos do trabalho, além de não ser aceitável por questões de justiça, é totalmente insustentável com argumento de viabilizar a geração de empregos. Apesar da grande melhoria dos rendimentos do trabalho nos últimos anos, o “custo de empregar”, que abrange salário, benefícios e tributos, não está entre os maiores em comparações internacionais, conforme dados do Bureau of Labor Statistics (www.bls.gov/ilc). Em uma amostra de 34 países, o custo de empregar na indústria de transformação no Brasil, em 2012, último ano disponibilizado, era o sétimo mais baixo, menor que o de todos os países desenvolvidos e de países como Eslováquia, República Tcheca, Argentina e Grécia.

O grande problema é a baixíssima produtividade. Numa amostra de dados de produtividade do trabalho, em 2016, de 68 países, organizados por The Conference Board Total Economy Database (www.conference-board.org/data/economydatabase), o Brasil ocupa a 52ª colocação, sendo 25% dessa produtividade nos EUA e à frente apenas de países da América Latina, Sul e Sudeste Asiático, Ásia Central e África. Definitivamente, não é o custo de empregar que está comprometendo a competitividade do país. Não faz qualquer sentido, caso o que realmente se pretenda seja elevar a qualidade de vida da população, comprimir rendimentos do trabalho que ainda mantém o país como um dos mais desiguais do mundo, para que eles caibam numa produtividade que pode ser melhorada de diversas formas. Em particular, seriam bastante efetivas políticas setoriais que propiciassem a geração de ocupações de alta produtividade em escala adequada. Notadamente políticas de desenvolvimento científico e tecnológico, como faz o governo dos EUA com gastos em pesquisa, militares e nas universidades.

Fernando de Aquino Fonseca Neto - Doutor em Economia pela UnB e Presidente do Corecon-PE

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