Duzentos anos do nascimento de Henry Thoreau - Blog A CRÍTICA

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quinta-feira, 6 de julho de 2017

Duzentos anos do nascimento de Henry Thoreau

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“O governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário
e, em seu pior estado, é um mal intolerável”
Thomas Paine (O senso comum, 1776)

Henry David Thoreau (12/07/1817-06/05/1862)

No dia 12 de julho de 2017 o mundo vai comemorar os duzentos anos do nascimento de Henry David Thoreau (12/07/1817-06/05/1862), uma das figuras mais emblemáticas e inspiradoras do século XIX. De uma pequena, mas rica bibliografia, dois textos de Thoreau tiveram amplo impacto no mundo e servem de referência revolucionária ainda hoje no século XXI: O texto “A desobediência civil” (publicado em 1849), e “Walden, ou, A vida nos bosques” (publicado originalmente em 1854).
Vejamos o primeiro. O impacto social e político da ideia de “Desobediência civil” foi enorme. Mas antes de relatar os frutos deste escrito, é preciso dizer que Thoreau foi influenciado por outro panfleto do século XVIII que também foi igualmente inspirador e revolucionário: trata-se de “O senso comum” de Thomas Paine, escrito em 1776, e que funcionou como uma centelha para deflagrar a independência dos Estados Unidos.
É interessante ver como Thoreau e Paine sugerem que os cidadãos dos Estados Unidos devem desobedecer seu governo, mas as maneiras de desobediência estão condicionadas ao tipo de governo a ser desobedecido. Paine propõe desobedecer a monarquia britânica, por isso as maneiras que ele sugere agir é seccionando, criando um novo governo e criando novas leis, via a Independência. Thoreau, escrevendo numa época em que os Estados Unidos eram escravistas e estavam em guerra contra o México, contra os índios e contra a natureza, propõe que as pessoas desobedecem às leis do governo injusto (que décadas antes foram o resultado da desobediência de Paine).
A desobediência e rebelião de Paine está enraizada no fato de que ele e outros americanos foram maltratados pela monarquia britânica. Eles estavam insatisfeitos com sua situação como uma colônia, então eles escolheram pararem de ser colonizados. A desobediência e rebelião de Thoreau está enraizada em algo muito diferente. Na época, ele era um transcendentalista, o que significava que queria que sua mente transcendesse a cultura e a sociedade. Portanto, é natural que ele pensasse que sua razão era mais poderosa e mais correta do que as leis impostas pelo governo dominador e explorador.
Paine e Thoreau escreveram para fazer com que as pessoas se levantassem contra as injustiças impostas pelos governos. Suas mensagens são semelhantes, mas sujeitas ao contexto do período de tempo em que os escritores viveram. Claramente, seus recados são transcendentes do tempo, enquanto as especificidades de seus escritos são baseadas em seus períodos históricos, pois as ideias gerais de desobediência civil e rebelião são intemporais.
Thoreau foi fundamental para a luta contra a escravidão nos EUA e pela defesa dos direitos indígenas e da natureza. Porém, a difusão dos princípios da desobediência civil pelo mundo, teve início quando Leon Tolstói (1828-1910) passou a utilizar a ideia no combate ao totalitarismo czarista na Rússia. Em seguida, Mohandas Gandhi utilizou os mesmos princípios, num primeiro momento, na luta contra a discriminação racial na África do Sul e, num segundo momento, na luta pacífica pela independência da Índia. Mahatma Gandhi tinha em Thoreau sua referência máxima. Também foi com base no texto da desobediência civil que Martin Luther King organizou a luta não violenta contra a discriminação racial e pelos direitos civis nos Estados Unidos, cem anos após a publicação do texto original de Thoreau.
A outra contribuição fundamental de Thoreau se deu na área ecológica, com a publicação do livro “Walden, ou, A vida nos bosques” (publicado originalmente em 1854), que apresenta as suas reflexões sobre a defesa dos direitos da natureza, a vida selvagem (Wilderness) e a crítica ao desenvolvimento econômico consumista. Ele construiu sozinho uma pequena cabana às margens do lago Walden, localizado nas florestas ao redor da cidade de Concord e lá viveu de 1945 a 1947, mostrando ser possível uma vida simples (“E acordar com a passarada, sem rádio e sem notícia, da terra civilizada”), com pouco trabalho, muitas caminhadas, observação da natureza, leitura, escrita e auto-responsabilidade com a alimentação e os afazeres domésticos.
Portanto, antes dos grandes movimentos revolucionários da Europa, em 1848, e antes da publicação do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels, Thoreau se tornou pioneiro do movimento ambientalista e suas obras passaram a ter grande influência nos amantes da natureza nas décadas e séculos seguintes. Por exemplo, ele foi um dos inspiradores da criação do Parque Nacional de Yosemite – inaugurado em 1864 (com 3.100 km2) e do Parque Nacional de Yellowstone – inaugurado em 1872 (com 8.980 km2).
As ideias de Thoreau serviram também de inspiração para o movimento hippie e o lema “Paz e Amor” dos jovens que contestavam os valores tradicionais da sociedade de consumo e a hegemonia do complexo econômico-militar nos Estados Unidos e no mundo. Os hippies buscavam praticar a não violência em todas as relações e constituíram um movimento pelos direitos civis, de combate às injustiças e de defesa da natureza, nos moldes da luta de Gandhi e Martin Luther King, ou seja, inspirados na ideia de “desobediência civil” e no livro Walden.
Na década de 1970, Thoreau foi fonte de inspiração para o movimento de Ecologia Profunda, termo proposto pelo filósofo norueguês Arne Naess (1973) que sugeriu uma mudança do paradigma antropocêntrico dominante (chamada de “ecologia rasa”) para uma concepção ecocêntrica ou biocêntrica. A ecologia profunda considera que a natureza tem valor intrínseco, enquanto o direito das diferentes espécies deve ser defendido e o especismo deve ser combatido.
Segundo Richard Schneider, Thoreau nasceu e viveu quase toda sua vida em Concord, Massachusetts, uma pequena cidade a cerca de vinte quilômetros a oeste de Boston. Ele recebeu sua educação na escola pública em Concord. Em 1838, ele decidiu iniciar sua própria escola em Concord, pedindo ao seu irmão John para ajudá-lo. Os dois irmãos trabalharam bem juntos e, em setembro de 1839, eles passaram uma semana memorável juntos em uma viagem de barco até os rios Concord e Merrimack (experiência mais tarde transformada em livro). Quando John sofreu uma longa doença e morreu, em 1841, a escola foi fechada. Thoreau foi convidado para trabalhar na casa de seu mentor, vizinho e amigo, Ralph Waldo Emerson.

Henry David Thoreau (12/07/1817-06/05/1862)

Desde a graduação em Harvard, Thoreau se transformou em seguidor das ideias transcendentais de Emerson. O transcendentalismo era uma versão americana do idealismo romântico. Foi durante sua estada com Emerson que Thoreau desenvolveu suas ambições literárias e pode desenvolver suas ideias libertárias de justiça social e defesa do meio ambiente.
Em maio de 1862, Thoreau morreu da tuberculose com a qual ele havia sido atormentado periodicamente desde seus anos de faculdade e não havia os remédios que seriam trazidos no curso da transição epidemiológica. Ele deixou para trás grandes projetos inacabados. Mas também deixou uma obra que só cresce em influência na medida em que o tempo passa.
Henry Thoreau é mais atual do que nunca. Sua luta em defesa dos direitos da natureza ganha força atualmente, quando o Parlamento da Nova Zelândia aprovou uma lei afirmando que o rio Whanganui é “um todo indivisível e vivo”, tornando-se o primeiro rio do mundo a receber o mesmo status legal de um ser humano. Logo em seguida, o Tribunal Supremo do Estado de Uttarakhand, nos Himalaias, conferiu aos rios Ganges e Yamuna, no norte da Índia, o estatuto de “entidade humana viva”. Dias mais tarde, os glaciares do Himalaia também receberam o título de “entidade viva”, já que foi concedido o status legal, com identidade jurídica, aos glaciares Gangotri e Yamunotri, do Tibet, que alimentam os rios Ganges e Yamuna.
No século XXI e nos 200 anos do nascimento de Henry Thoreau, os princípios da desobediência civil e a defesa da natureza servem, dentre outras coisas, para protestar contra as desigualdades sociais, para rechaçar as práticas antiecológicas das empresas e dos governos, para lutar contra o aquecimento global e a degradação dos ecossistemas e para a defesa da rica, mas empobrecida, biodiversidade do Planeta.
Referências:
THOREAU, Henry David . Walden, ou, A vida nos bosque. tradução Astrid Cabral. -7.ed. – São Paulo: Ground, 2007.

Walden; ou, A Vida nos Bosques (Henry D. Thoreau)

THOREAU, Henry David. Desobedecendo: a desobediência civil e outros ensaios. Tradução de José Augusto Drummond. Rio de Janeiro, Rocco, 1984.

Richard J. Schneider. Thoreau’s Life http://www.thoreausociety.org/life-legacy
The Thoreau Society http://thoreausociety.org/home

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/07/2017

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