Humanização dos partos - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Humanização dos partos

Por Kalianny Bezerra - Agecom UFRN
Gabriella Vinhas é natural de Brasília, formada em fonoaudiologia, estudante e ativista. Mas, antes de tudo isso, é mãe de Cauã, que nasceu há um ano e quatro meses por meio de um parto violento. Essa jovem mãe, assim como uma em quatro mulheres brasileiras, foi vítima de violência obstétrica.

“Se gritar, seu filho vai nascer surdo”, “na hora de fazer não chorou, porque está fazendo isso agora?”, “fica quieta, senão vou te furar todinha”. Além dessas frases, pressionar a barriga para o bebê sair e realizar procedimentos dolorosos sem consentimento, como cortar a vagina da grávida, são relatos frequentes em vários lugares do Brasil, de mulheres que deram à luz e não receberam a assistência desejada.

A professora do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e médica obstetra, Maria do Carmo Lopes de Melo, explica que violência obstétrica consiste em toda conduta, ação ou omissão, realizada por profissionais da saúde que, de maneira direta ou indireta, desrespeite a autonomia da mulher grávida, sua integridade física ou mental, ou seus sentimentos.

Um tipo de violência relatada e que muitas vezes passa despercebida é o parto cesariano sem uma indicação consistente, ou seja, sem um esclarecimento dos riscos e complicações inerentes ao procedimento. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é campeão mundial de cesarianas, sendo a média nacional desse tipo de intervenção cirúrgica no país de 52,2%, enquanto o recomendado pela entidade é 15%.

“Não podemos condenar a cesárea, mas ela só pode acontecer quando alguma intercorrência faz com que a indicação do parto mude, por exemplo, se a mãe possui uma patologia como a hipertensão. Mas é importante entender que o corpo da mulher foi feito para dar à luz naturalmente”, declara Maria do Carmo.

Anastácia Vaz

Gabriella Vinhas é mãe de Cauã, que nasceu há um ano e quatro meses por meio de um parto violento
Seja na água, na maternidade ou num centro cirúrgico, o ato deve ser da forma que a grávida desejar – e a saúde permitir. Esse é o conceito básico de humanização, em que as decisões da mulher são levadas em conta. “A humanização é o respeito que os profissionais e as pessoas envolvidas na assistência ao nascimento do bebê dão”, destaca a professora e obstetra.

O caso de Gabriella foi o inverso. Começou quando os profissionais tomaram a iniciativa de fazer uma cesárea. E o “terrorismo psicológico” não parou por aí. Ela conta que a equipe de saúde foi rude com o seu acompanhante e que quando seu filho nasceu não a deixaram segurá-lo ou amamentá-lo. “Fui me recuperando aos poucos desse trauma. Hoje já estou bem. Mas agora luto para que casos como o meu não se repitam mais”, afirma a jovem.

Movimento e Parceria

Para combater esse tipo de conduta, a fonoaudióloga criou o Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento em Natal. Com pouco mais de um ano, esse projeto já conta com a participação ativa de mais de 30 mulheres. São promovidas reuniões, encontros com grupos de gestantes e representantes de saúde do Estado, nos quais são desenvolvidas as ações de uma biblioteca itinerante que dispõe de livros sobre maternidade e apontam uma visão mais humanizada do nascimento.

Além disso, o movimento busca parcerias para ampliar a discussão dentro de ambientes acadêmicos. Na UFRN, a jovem ativista vê a possibilidade de conversar e entrar no contexto dos profissionais da saúde que estão em formação. Para tanto, a primeira iniciativa tomada foi durante o V Seminário de Direitos Humanos da UFRN, realizado pelo Centro de Referência de Direitos Humanos (CRDH) e pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), em dezembro de 2013.

“Entrei em contato com a organização do evento e apresentei a proposta de elaborarmos alguma ação relacionada ao tema da violência obstétrica e da humanização”, declara. Foi então que ela teve a ideia de fazer a exposição fotográfica “1:4 Retratos da Violência Obstétrica”, idealizada pelas fotógrafas Carla Raiter e Caroline Ferreira, na cidade de São Paulo.

A antropóloga do CDRH e estudante da Pós-Graduação em Antropologia Social, Andressa Morais Lima, explica que a proposta de Gabriella se encaixava na ideia de trabalhar o visual para “chocar” as pessoas. Assim, durante três dias, na Escola de Enfermagem da UFRN, estiveram expostas fotos de mulheres que tiveram marcadas em seu corpo a violência sofrida durante o parto. “Usamos o visual para impactar e criar uma conscientização para esse tema que é pouco abordado em nosso país”, diz Andressa.

Humanização

Acolhimento é a palavra chave no vocabulário de uma equipe de saúde humanizada. Nesse tipo de assistência é necessário que os profissionais envolvidos no nascimento da criança passem segurança e conforto à gestante. É preciso entender, no entanto, que a assistência humanizada começa no pré-natal.

“É essencial saber se a saúde da mulher e a do bebê está bem, só assim é possível ela parir sem intervenções. É importante também procurar um obstetra de confiança para fazer todo o acompanhamento da gestação e já tenha definido o hospital que ela vai dar à luz”, ressalta Maria do Carmo.

Wallacy Medeiros

Antropóloga do Centro de Referência de Direitos Humanos (CRDH), Andressa Morais Lima, defende a humanização do parto
Segundo a docente, a gravidez se constitui num evento social. “Só de comunicar que está esperando um filho, para a mulher já é uma grande felicidade”, diz. Assim, de acordo com a médica, é importante que a família também esteja presente durante esse processo de mudança na vida de uma pessoa.
Outro cuidado a ser tomado para que tudo saia da maneira mais adequada para a gestante é a alimentação. Fazer uma dieta balanceada, não ingerir bebidas alcoólicas, não fumar ou se drogar, são alguns pontos elencados por Maria do Carmo. “Uma mulher grávida deve seguir uma vida normal, trabalhar e estudar. Os exercícios físicos também devem ser lembrados, mas nada muito pesado”, esclarece.
Rede Cegonha

Em junho de 2011, o Ministério da Saúde instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede Cegonha, que consiste numa rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao pós-parto e, também, ao recém-nascido.

O programa tem a finalidade de estruturar e organizar a atenção à saúde materno-infantil no país, sendo implantado, gradativamente, em todo território nacional. Ele propõe maior disponibilidade de atendimento no pré-natal, garantia de realização de todos os exames necessários, encaminhamento para atendimento, se houver alguma complicação durante a gravidez, e vinculação da gestante à maternidade onde ela vai ter o bebê.

“No Rio Grande do Norte, só a cidade de Baía Formosa não foi cadastrada até o momento na rede”, expõe Gabriella Vinhas, mãe e criadora do Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento de Natal. “Esse é um programa organizado que funciona, mas é preciso que seja mais divulgado”, acrescenta.

Dentro da UFRN, a Maternidade Escola Januário Cicco se comprometeu com o fortalecimento da rede desde sua criação. Mas esse engajamento vem desde 1999, quando a professora Maria do Carmo foi diretora da Maternidade. “O Ministério da Saúde está revitalizando a assistência ao parto e nós estamos juntos nessa luta”, afirma a obstetra.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages