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quinta-feira, 7 de maio de 2015

As causas ignoradas e/ou silenciadas da Grande Recessão

Artigo publicado por Vicenç Navarro na coluna "domínio público" no Jornal Público da Espanha, 07 de maio de 2015.
Este artigo descreve as causas da Grande Recessão, ignoradas ou silenciadas nos principais meios de comunicação, onde foi analisado o impacto negativo que o crescimento da desigualdade de renda (com um enorme aumento nas rendas do capital em detrimento das rendas do trabalho) tem tido sobre o panorama econômico e social das sociedades de ambos os lados do Atlântico Norte.
Nos últimos anos tem-se publicado uma série de relatórios consistentes em mostrar que algo preocupante e alarmante vem acontecendo na distribuição de renda na maioria dos países em ambos os lados do Atlântico Norte (ver Determinants of functional income distribution – Theory and empirical evidence, International Labour Organization, 2013; Global Wage Report 2012/13. Wages and equitable growth, International Labor Organization; Effects of Globalization on Labor’s Share in National Income, Anastasia Guscina, Inernational Monetary Fund, 2006). Estes e outros estudos concordam que:
1. Os rendimentos do trabalho diminuíram (em percentagem de toda a renda) desde o final dos anos setenta e início dos anos oitenta. Embora esse declínio tenha ocorrido na maioria dos países em ambos os lados do Atlântico Norte (América do Norte e União Europeia), foi mais acentuada nos países europeus do que nos países da América do Norte (EUA e Canadá). Na Alemanha e na França, foi bastante pronunciada (queda de 9 pontos), enquanto em Espanha foi ainda maior (10 pontos).
2. Esta diminuição no rendimento do trabalho tem sido acompanhada por um aumento na renda do capital (como uma porcentagem de toda a renda).
3. As renda que cresceu em maior medida seu rendimento dentro das rendas derivadas do capital foram aquelas rendas de propriedade do capital financeiro.
4. Dos rendimentos do capital não financeiro, uma percentagem muito elevada deles, 35%, foi sob a forma de pagamentos de dividendos aos acionistas) à custa de  sub-financiamento da compensação dos salários.
5. A ênfase no pagamento de dividendos determinou uma mudança de atitude no mundo dos negócios, focada em obter o máximo benefício o mais rapidamente possível (short-term benefits). Gestores de grandes empresas têm enfatizado a curto prazo, em vez de a longo prazo, em seu comportamento de gestão. Como resultado, os proprietários e gestores de grandes capitais não financeiro aumentaram a sua dimensão financeira, comprando ativos financeiros, diluindo a linha de expansão entre capital financeiro e capital produtivo. A grande maioria das empresas de automóveis, por exemplo, financiam suas próprias vendas, tornando-se também empresas financeiras, que se expandem à custa de investir em produtos financeiros.
6. O fato de que os rendimentos do trabalho diminuíram como porcentagem de todas as rendas significa que os rendimentos do capital tem crescido mais rapidamente do que a renda do trabalho como resultado de que o aumento da riqueza e renda total tem sido distribuído de forma muito desigual, favorecendo sistematicamente durante o período de 1980-2014, os ganhos do capital sobre o do trabalho. Ou seja, o mundo do capital conseguiu mais e mais renda à custa do mundo do trabalho.
O contexto político de mudanças econômicas
Os relatórios não analisam o contexto político dessas mudanças. Mas qualquer observador da vida política do mundo capitalista pode ver que as causas mais importantes do que estava acontecendo (ver meus livros Neoliberalismo e o Estado de Bem Estar. Ariel Economic, de 1997;. E Globalização Econômica, poder político e  Estado de bem-estar, Ariel Econômica, 2000) eram as intervenções públicas dos Estados, das administrações do presidente Reagan nos Estados Unidos e de Mrs. Thatcher  na Grã-Bretanha, espalhados por muitos países em ambos os lados do Atlântico Norte, ou seja, EUA e Europa Ocidental. Estas intervenções, conhecidas como neoliberais, foram a resposta do mundo do capital para as conquistas laborais e sociais que o mundo do trabalho foi alcançado durante a idade de ouro do capitalismo (1945-1980). Elas consistiam no que eles chamam de "mercados de trabalho flexíveis", que é o termo usado para definir a possibilidade de despedir trabalhadores e enfraquecer os sindicatos, um aumento de precariedade e uma diminuição dos salários,  destruindo postos de trabalho, gerando desemprego (uma das medidas mais eficazes para disciplinar o mundo do trabalho). Além disso, como parte de seu objetivo de enfraquecer o último, estas políticas públicas recortavam direitos sociais e direitos trabalhistas. O neoliberalismo não é, então, nada menos, que as práticas em defesa do mundo do capital em detrimento do mundo do trabalho. E o aumento na renda de investimento em detrimento da renda do trabalho é um indicador disso.
A crise econômica resultado da dominação mundial do capital sobre o mundo do trabalho
Esta redução na renda do trabalho resultou em uma queda da procura interna, uma vez que a maior parte desta é gerada pelo consumo popular, que depende de salários e do tamanho da população ativa. Quando estes vão para baixo, a demanda doméstica sofre.
No entanto, ocorreram dois eventos que permitiram que o declínio na renda do trabalho não causaria uma queda ainda maior na demanda interna realizada. O crescimento econômico foi inferior no período neoliberal (1980-2014) do que no período anterior (1945-1980) nos países capitalistas mais desenvolvidos, mas teria sido ainda menor se não tivesse acontecido a reunificação da Alemanha, por um lado, e o crescimento explosivo do capital financeiro, por outro. O primeiro envolveu um grande investimento público nesse país, o que, por causa da centralidade da economia alemã na Europa, estimulou a economia europeia toda (ver meu artigo "Capital-Trabalho: a origem da crise atual", Le Monde Diplomatique, Julho de 2013).O segundo, o grande crescimento do setor financeiro foi um resultado direto da necessidade de famílias ( e das pequemas e medianas empresas) de se endividarem, como resultado do declínio da renda do trabalho. Daí o item 3 acima enunciado, ou seja, que a renda do capital financeiro tem crescido muito rapidamente durante o período neoliberal. Além disso, a rentabilidade relativamente baixa da economia produtiva, ou seja, a economia que produz bens e serviços (precisamente por causa da diminuição da procura), explica que a renda do mundo do capital, tais como administração de empresas sem fins lucrativos têm ido e investimentos mais especulativos do capital financeiro, o que explica os pontos 4 e 5. Isto é, a atividade especulativa foi amentando muito mais rápido do que a produção. E é aí que reside a origem da Grande Recessão, a exploração das bolhas especulativas (as bolhas que sejam), quebraram o sistema financeiro altamente especulativo, gerando a crise mais aguda que conhecemos desde a Primeira Grande Depressão no início do século XX. O colapso do sistema financeiro permitiu ver o enorme problema econômico que estava sendo escondido pelo crescimento econômico gerado por bolhas, e que foi a grande lacuna na demanda (com a agravante de que agora este problema é a falta de demanda  tem se somado uma dívida enorme, tanto privada como pública).
Soluções necessárias e urgentes são fáceis de ver
As soluções são realmente muito fácil de se ver. As evidências acumuladas historicamente tanto na forma como se saiu da Grande Depressão nos anos trinta e quarenta, e, como na forma como a Europa se recuperou após a Segunda Guerra Mundial mostra que se teria que fazer uma volta de quase 180° nas políticas públicas que se seguiram, com um grande aumento na renda do trabalho em detrimento dos rendimentos do capital, e especialmente de rendimentos do capital financeiro, que são hipertrofiados. A Espanha é um exemplo claro disso: o setor financeiro é três vezes maior, em termos proporcionais, ao existente nos EUA, absorvendo um número excessivo de recursos. De facto, a banca deveria ser considerada um serviço público - que poderia ou não pode ser um banco público - da mesma forma como táxis, que são privados, fazem um serviço público, como condição de sua existência, deve ser o de fornecer crédito. 
O Estado, tanto a nível central e regional e local, deve comprometer-se a alcançar o pleno emprego, com os salários médios  mais altos - e melhores condições de trabalho (incluindo o declínio do tempo de trabalho), aumentando o poder do mundo do trabalho, tanto no local de trabalho (incluindo os sistemas de co-gestão e/ou cooperação) e na negociação coletiva. 

*Adaptado

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