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sábado, 11 de julho de 2015

Que se está a passar com a bolsa da China?

A segunda maior economia do planeta sofre um histórico e preocupante afundamento da sua bolsa. Por Eduardo Garzón.

Desde 15 de junho passado, o índice Shanghai Composition perdeu 31% do seu valor; o de Shenzhen 38%
Talvez porque a China é um país muito longínquo, talvez porque não estamos familiarizados com a sua cultura e as suas instituições, ou por outros motivos que não consigo identificar, os meios de comunicação estão a dar muito pouca cobertura ao histórico e preocupante afundamento da bolsa chinesa. O fato surpreende porque estamos a falar da segunda maior economia do planeta, de uma das poucas do mundo que nos anos de crise econômica internacional continuou a crescer em grande ritmo e a atuar como locomotiva para boa parte do planeta, e que tem um potencial desestabilizador da economia mundial dezenas de vezes superior à que tem a Grécia.
Tudo começou no final do ano passado. O governo chinês, acostumado a taxas de crescimento econômico estrondosas (próximas dos dois dígitos), não viu com bons olhos que a economia chinês estivesse a reduzir o crescimento durante o ano de 2014 (o seu crescimento mais baixo dos últimos 25 anos), de forma que criou um plano para impulsionar o crescimento: a injeção estatal de enormes quantidades de capital nas bolsas para dar novas fontes de financiamento a empresas já muito endividadas. O objetivo era que os índices bolsistas, que estavam estagnados desde 2009, aumentassem de forma paulatina mas contínua. No entanto, o que conseguiram foi o início de um corrida bolsista que criou uma das maiores bolhas da história.
O que seguramente o governo chinês não soube valorizar bem foi o impacto que teria o contexto internacional sobre as suas bolsas. Afinal de contas, o Banco Central Europeu (BCE) estava já no final de 2014 a traçar a sua nova estratégia de Expansão Quantitativa, para inundar os mercados financeiros de dinheiro para estimular a economia europeia. Devido à enorme influência do BCE, muitos outros bancos centrais viram-se obrigados a aplicar medidas de injeção de dinheiro para não se verem arrastados pela decisão da zona euro. Desta forma, entre dezembro e fevereiro 17 bancos centrais de diferentes países implementaram medidas de estímulo monetário, inundando ainda mais os mercados financeiros com “dinheiro fácil”. Isto significava, que na maior parte do globo os agentes econômicos iam ter muito mais facilidade para se endividarem. Isto é, estava-se a lançar mais lenha na fogueira.
O efeito conjunto da decisão de Pequim e o contexto de facilidade de endividamento teve como consequência a origem da bolha bolsista nas praças chinesas, que se pode ver no gráfico acima. Quando há possibilidade de fazer um bom negócio e ao mesmo tempo possibilidade de pedir dinheiro barato, as pessoas lançam-se em massa a investir, endividando-se muito se for necessário. A ideia é comprar barato para vender caro, e já que este movimento é realizado por muitos investidores, o preço das ações tende a aumentar, de forma que fica assegurado que o preço da ação que se compra aumentará com a passagem do tempo. Cria-se um círculo virtuoso que estimula os novos investidores a participar na bolsa, impulsionando ainda mais para a subida dos preços e da bolsa. Enquanto a bolha continua, só há expectativa de ganhar dinheiro. Calcula-se que mais de 90 milhões de pequenos investidores chineses, a maioria sem conhecimentos financeiros, apostaram na onda de investimento em busca de dinheiro fácil e rápido.
As bolhas aparecem quando a atividade financeira, originalmente pensada para lubrificar a atividade produtiva, se afasta desta a uma velocidade crescente. O rumo normal dos acontecimentos deveria ser que a bolsa aumentasse ao mesmo ritmo que aumenta a produção, as vendas e os lucros das empresas nela cotadas. Mas se a bolsa aumenta muito mais rapidamente que estes indicadores da economia real, significa que se está a produzir uma bolha, e que o valor bolsista é uma ficção que não tem muito a ver com a produção real das empresas. Isto foi o que começou a ocorrer no final de 2014: os índices bolsistas de Shenzen e Xangai dispararam apesar de os lucros empresariais de muitas empresas serem nulos ou até negativos. Em conclusão: estava-se a gerar uma bolha. Entre janeiro de 2014 e o passado 6 de junho, o Shanghai Composite aumentou 142% e o Shenzen quase 200%.
Mas todas as bolhas rebentam, porque se baseiam numa ficção e não na realidade. Chega sempre um momento em que o círculo virtuoso que provoca um aumento dos preços pára e dá-se a viragem, tornando-se num círculo vicioso que empurra os preços para baixo. Uma vez que não há negócio comprando ações e vendendo-as logo, os investidores entram em pânico e lançam-se na venda das suas ações a qualquer preço. E a única forma de poder vender algo que ninguém quer é oferecendo um preço muito baixo. A consequência lógica é que as vendas disparam e os preços caem. Foi isto que começou a ocorrer em 15 de junho passado.
Desde então, o índice Shanghai Composition perdeu 31% do seu valor; o de Shenzhen 38%. 1.429 empresas, isto é 51% do total das cotadas, suspenderam a cotação das suas ações para evitar maiores perdas (e isso facilitado porque a legislação chinesa é muito peculiar e obriga à suspensão se num dia a cotação cai 10%). As bolsas de Japão, Austrália e Hong-Kong também foram muito afetadas, registrando quedas de 3,1%, 2% e 6%, respectivamente.
Os alarmes tocaram, na passada segunda-feira, na administração de Pequim, ciente de que com várias semanas de quedas não se tratava de um ajustamento passageiro, mas do rebentamento de uma bolha sem precedentes. As medidas que o governo chinês tomou são de enorme envergadura (e muitas delas impensáveis nas economias de mercado ocidentais):
1) Obrigou os grandes brokers a comprar ações no montante de 17 bilhões de euros a um preço superior ao do mercado (se as pessoas querem vender a 100, comprem a 110, por exemplo, conseguindo assim que os preços não caiam), com o objetivo de deter o rebentamento à custa de empurrar para estes operadores o registo de perdas multimilionárias. Isto foi algo que ocorreu também nos Estados Unidos no crash de 29 e que não teve qualquer sucesso.
2) Acaba de legislar para que as companhias de seguros possam investir também no mercado para que atuem como contrapeso na queda da bolsa.
3) Proibiu os grandes acionistas (os que têm mais de 5% do capital social de uma empresa) e os diretores de venderem títulos das suas próprias empresas, para reduzir o volume de vendas e a consequente queda dos preços. A proibição terá vigência durante 6 meses.
4) Suspendeu novas entradas na bolsa.
5) Deu mais facilidades de financiamento para operar (agora podem ser apresentados como colaterais antiguidades ou imóveis).
6) Proibiu as empresas estatais de reduzir a sua exposição ao mercado, obrigando-as a sofrer perdas se necessário for.
7) Instou o Banco Popular da China a injetar mais de 80 bilhões de dólares no mercado interbancário para que não parem as transações financeiras e as compras de ações (fundamentalmente de pequenas empresas) para tentar reanimar os índices.
Medidas excepcionais para uma situação excepcional. Ainda é cedo para saber se conseguirão dar os frutos esperados, porque as rápidos flutuações da bolsa podem provocar confusão. O que está claro é que o ambiente de pânico afetou já praças bolsistas de outros países, e que o efeito contágio poderá ser muito maior. Certamente que se estas condições se tivessem dado numa economia de livre mercado (mais interligada com outras economias similares e com características parecidas) as previsões seriam mais fáceis de fazer, mas acontece que a legislação e as instituições chinesas são muito particulares e isso torna muito difícil adivinhar o que vai suceder. O único ensinamento claro que podemos extrair por agora é que o governo chinês não tem tanto poder e controle sobre a sua economia como sempre tem manifestado ter. Parece que as cadeias que os poderes políticos chineses puseram ao livre mercado não são suficientemente fortes para manter a besta contida.
Artigo de Eduardo Garzón, publicado em lamarea.com em 9 de julho de 2015

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