VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO: CONQUISTAS E LIMITES - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 31 de julho de 2015

VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO: CONQUISTAS E LIMITES

por Fernando Aquino (*) e Fábio Silva (**) portal COFECON

As transferências assistenciais, sobretudo o Bolsa Família, têm sido apontadas como as principais responsáveis pela ampliação do poder aquisitivo da população de baixa renda no Brasil nos últimos anos. Todavia, uma avaliação mais abrangente da política de valorização do salário mínimo (SM), precedida da estabilização monetária alcançada com o Plano Real, indica a menor importância relativa daquelas transferências1.
SalarioMinimo
O Gráfico 1 indica a dimensão desse processo, revelando que o seu valor médio real anual a partir de 2010 atinge os níveis mais elevados desde 1966, uma época em que a proporção de trabalhadores ganhando salário igual ou maior que o mínimo oficial era bem menor. No mesmo gráfico ainda se observa a forte redução, em termos reais, no período de alta inflação e a contínua valorização após a estabilização monetária, a qual também propiciou o não menos importante acesso dos trabalhadores ao crédito, trazendo elevação adicional no padrão de vida da população. Em relação a essa valorização, de 1995 a 2014 o seu poder de compra mais que dobrou2, se elevando 129% e sepultando uma das grandes bandeiras do movimento sindical, de SM de US$100,00. Hoje, mesmo após a recente desvalorização cambial, o seu valor continua superior a US$250,00.
Até mais importante que essa valorização foi os seus desdobramentos em termos de elevação dos rendimentos em geral e de estímulo às atividades econômicas mais geradoras de empregos. Deve-se destacar que os ganhos reais do SM não afetam apenas os trabalhadores que ganham exatamente aquele valor, mas também benefícios sociais3, bem como tendem a ser repassados para os pisos salariais estaduais e de diversas categorias profissionais e para os salários em seu entorno, considerando-se que o valor do SM é uma referência nas negociações. Alguns estudiosos observam que o SM tem um “efeito farol”.
Nesse sentido, o boxe do Boletim Regional do Banco Central do Brasil de janeiro/2015, “Impacto do Salário Mínimo sobre os Rendimentos do Trabalho: uma abordagem regional”, mostra, para o período 2003 a 2013, que os 21,7% da população ocupada (PO) que ganhavam abaixo desse mínimo (setor informal) tiveram aumento real do rendimento médio do trabalho 52% acima do aumento real do SM; os 27,0% da PO que ganhavam de 1 SM a 1,5 SM tiveram aumento real 1% acima da variação do SM e os 28,3% da PO que ganhavam de 1,5SM a 3 SM tiveram ganhos 23% menores que os do SM. Tais resultados evidenciam a importância do SM para parcela expressiva da população e consequentemente na estrutura salarial nacional. No Gráfico 1 pode-se observar que a contínua valorização, iniciada em 1996, torna-se mais rápida a partir de 2004, enquanto o rendimento médio real do trabalho, de acordo com o Gráfico 2, começa a apresentar crescimento a partir do ano seguinte. Esse processo deve ter tido influência do SM, tanto direta, sobretudo para os salários próximos ao valor do SM, quanto indireta, ao favorecer o aumento do emprego.
SalarioMinimo2
Em relação à geração de empregos, observa-se que, ao lado das transferências assistenciais e previdenciárias e da expansão do crédito ao pequeno tomador, as elevações do SM induziram uma dinâmica na parte de baixo da Belíndia (expressão criada por Edmar Bacha para definir o Brasil como uma pequena Bélgica sobre uma grande Índia) possivelmente nunca vista no país. Maior poder de compra dos segmentos de baixa renda implica em maior demanda por bens e serviços populares, grande parte intensiva em mão-de-obra, o que vai gerar ainda mais emprego e todo o círculo virtuoso que vinha se observando nos últimos anos. Um bom indicador do processo é o volume de emprego formal do RAIS/MTE, não só por sua abrangência e caráter censitário, mas por não considerar empregos precários, sem as garantias do próprio SM nem dos indiretos e proteções da legislação trabalhista. Este emprego formal teve expansão de 76% nos últimos 15 anos.
Apesar das ondas de insatisfação, nos protestos de 2013 e após as últimas eleições presidenciais, o legado dessas políticas que elevaram poder de compra e o emprego da população em geral é de um novo país, com muito mais disposição, inclusive para protestar e reivindicar mais. Tal padrão de crescimento, todavia, baseado apenas em elevações no consumo das famílias, não funciona indefinidamente. Teria sido necessário mais investimento no setor produtivo e de infraestrutura, de modo a ampliar o suficiente a capacidade produtiva e o país poder manter um ritmo satisfatório de crescimento. Nos últimos 18 anos, crescemos à taxa média anual de 3%, ritmo insatisfatório para um país emergente com as potencialidades do Brasil. Após várias restrições ao crescimento nesse período – esforço para a estabilização monetária, ataque especulativo ao Real, crise financeira internacional, investimento insuficiente em infraestrutura – deve-se considerar uma que vem crescendo em importância, que é a própria valorização do SM.
Antes de analisar essa valorização como possível restrição ao crescimento, vale mencionar as crescentes dificuldades criadas para a política fiscal. As pressões geradas nos gastos com benefícios sociais4 e salários de servidores, sobretudo das prefeituras menores, tornam-se cada vez mais difícil de serem acomodadas, sobretudo com os níveis atingidos pela carga tributária e os ainda elevados dos juros com a dívida pública.
O Gráfico 2 mostra claramente dois indicadores representativos disponíveis de rendimento médio real do trabalho se expandindo mais que o valor adicionado por trabalhador. Vale ressaltar que essas elevações acima da produtividade, assim mensurada, ocorrem a partir de 2005 e em termos de média geral, mas mostra que em parcela das empresas os rendimentos do trabalho estariam comprimindo os rendimentos do capital desde aquele ano. Isso, em muitos casos, tem reduzido os recursos dessas empresas para investimentos. Assim, uma parcela dos investimentos passou a requerer maior participação de recursos de terceiros para o seu financiamento, os quais, no Brasil, têm custos muito altos, tornando certos projetos economicamente inviáveis.
Ao mesmo tempo, grande parte das empresas tem conseguido repassar aos seus preços essas elevações de custos com trabalho, reforçando a inércia inflacionária. Esse efeito será tanto maior quanto maior for a participação dos salários nos custos e quanto menor for a concorrência em seu mercado. Sendo assim, essa inflação de custos se manifesta principalmente no setor de serviços que é intensivo em mão de obra e não sofre competição das importações5. Em síntese, as elevações dos rendimentos do trabalho acima da produtividade estão gerando estagnação, decorrente de níveis insatisfatórios de investimentos produtivos, e elevações da inflação, pelos choques recorrentes de custo provocados pela política de aumentos do salário mínimo.
Por fim, importa ponderar os ganhos e perdas da valorização do SM, inclusive no âmbito da política, onde as discussões acerca de sua determinação costumam ser acaloradas. Um recente exemplo seria a medida provisória aprovada pelo Executivo, aprovada pelo Legislativo e aguardando sanção da Presidente da República, que estende a atual regra de correção do salário mínimo até 2019. Independentemente do desfecho, seria aconselhável caminharmos para um entendimento dos limites dessa valorização, observando que a recuperação do SM, dado o baixíssimo patamar no início dos anos 1990, era necessária e foi benéfica ao país. Contudo, pensando no futuro com a devida responsabilidade, a manutenção dos aumentos, além de insustentável, traria mais efeitos colaterais do que ganhos. Uma forma de mitigar seus efeitos sobre a inércia inflacionária e investimentos seria passar a corrigi-lo pari passu aos ganhos de produtividade.
Resta, portanto, perseguir as políticas anunciadas de incentivos ao investimento através de concessões públicas em infraestrutura – melhorando as condições em termos de retorno para outros projetos do setor privado – além de medidas de incentivo às exportações – para promover a absorção de tecnologia e o aumento de competitividade – e de uma política de crédito mais eficiente dos bancos públicos para investimentos. Com isso, quanto maiores os ganhos de produtividade conseguidos, mais fáceis serão tanto reajustes de preços abaixo da inflação passada quanto participações dos lucros que reduzam os custos de capital para níveis que possibilitem os volumes de investimentos que tanto desejamos. 



(*) Doutor em Economia pela UnB e Vice-Presidente do Corecon-PE ( ffonsecant@hotmail.com).

(**) Mestre em Economia pela FGV/EESP e membro do Cofecon ( silvafabio11@hotmail.com).




[1] Enquanto os recursos do Bolsa Família equivalem a 0,5% do PIB, a massa de rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões dos que ganham exatamente 1SM é quase oito vezes maior, ou seja, 3,9% do PIB, sem contar com os efeitos de sua valorização sobre os demais valores de rendimentos do trabalho, comentados a seguir (dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da PNAD relativos a 2013).
[2] Desde 2008, a regra de reajuste do salário mínimo é a composição da variação do INPC do ano anterior com a do PIB de dois anos antes.
[3] Dentre os 29 milhões de aposentados e pensionistas da previdência social, 60% recebem 1 SM.
[4] Esses benefícios, correspondendo aos do INSS, da LOAS, do seguro-desemprego e abono salarial e das transferências assistenciais, passaram de 5,9% do PIB, em 1998, para 9,3% do PIB, em 2014.
[5] De 2003 a 2014, a inflação de serviços no IPCA atingiu 9,6% a.a., bem acima dos 4,7% a.a. assinalados pela inflação de bens.

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