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sábado, 15 de agosto de 2015

Engrandecimento e apequenamento da economia brasileira: 1820-2020

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves


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O 7 de setembro é uma data cívica. Neste dia, no ano 2022, o Brasil vai comemorar os 200 anos da independência de Portugal. Como mostrado em artigo anterior, desde 1820, houve um grande progresso demográfico e econômico no país. Em dois séculos, a população brasileira deve apresentar um crescimento de cerca de 47 vezes (4,5 milhões de habitantes para 212 milhões entre 1820 e 2020) e um crescimento econômico em torno de 912 vezes.
A renda per capita cresceu quase 20 vezes no período. Houve melhorias significativas na infraestrutura de estradas, portos, aeroportos, de telecomunicações, avanços nas condições de moradia, na educação, na saúde, etc. A esperança de vida ao nascer estava em torno de 25 anos em 1822 e já se encontra em 75 anos, um crescimento espetacular na sobrevivência, consequentemente, no período produtivo do ciclo de vida das pessoas. Atualmente vivemos o mais longo e profundo período democrático (1985-2015) da história da República brasileira. Nestes dois séculos, o progresso humano foi bastante significativo, embora as condições ambientais tenham seguido na direção contrária (mas não vamos tratar deste assunto neste artigo).
Em duzentos anos houve um crescimento excepcional do Brasil. Mas a maioria das conquistas brasileiras não foram exclusivas do país, pois fazem parte dos avanços civilizacionais que ocorreram na modernidade. Houve um avanço global nos últimos dois séculos. Neste sentido, para avaliar o progresso relativo do Brasil é importante considerar quanto o país avançou em relação ao resto do mundo.
O gráfico acima mostra que a economia brasileira cresceu pouco acima da economia mundial no período da “Brasil Império”. Segundo dados de Angus Maddison (em poder de paridade de compra) a economia brasileira representava 0,43% da economia mundial em 1822 e passou para 0,69% em 1889. Nos primeiros 5 anos da República houve uma grande crise econômica e a participação brasileira no PIB mundial caiu para 0,55% em 1894, só retomando ao nível pré-República Velha, em 1910. Houve um avanço na década de 1920 com a participação chegando a 1% em 1929. Mas com a República Nova e a crise nacional e internacional a participação brasileira caiu para 0,92% em 1932. A partir daí houve um grande crescimento relativo do Brasil que chegou a ter 2,1% do PIB mundial em 1962. Mas a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros fez o Brasil cair para 1,9% em 1967.
No período do chamado “milagre econômico”, durante o auge dos governos militares, o Brasil apresentou os maiores ganhos econômicos em relação ao resto do mundo e chegou a ter uma participação de 3,2% do PIB mundial em 1980 (maior nível da história). A crise de 1981 a 1983 fez a economia brasileira encolher para 2,8% em 1983. Houve pequena recuperação durante o Plano Cruzado e a participação brasileira no PIB global chegou a 3,1% em 1987. A partir daí a queda foi se aprofundando, chegando a 2,67% em 1992, depois das crises dos governos Sarney e Collor. Houve pequena recuperação no Plano Real (2,8% em 1995), mas a economia nacional continuou perdendo terreno e caiu até 2,43% em 2007. Com as medidas keynesianas do segundo governo Lula o Brasil ganhou um pouco de espaço na economia internacional e chegou a 2,53% em 2010. No governo Dilma a perda continuou e se acelerou, estando em 2,3% em 2015 e, na melhor das hipóteses, ficará em 2,18% em 2019. Em termos relativos a participação relativa da economia brasileira no PIB mundial em 1822 deve ficar próxima daquela que tinha em 1962. Ou seja, em termos relativos o Brasil, desde 1980, tem retrocedido para um tamanho relativo que tinha sido atingido há 60 anos.
Considerando apenas os dados do FMI, o declínio brasileiro é marcante desde 1980-87. Com a crise econômica da “década perdida” e os desastres dos governos José Sarney e Collor de Mello a participação brasileira no PIB mundial caiu e nunca mais se recuperou . Se o Brasil mantivesse os 4,3% do PIB mundial que tinha em 1980 teria um PIB de US$ 4,9 trilhões de dólares (em ppp) no ano de 2015, conforme o gráfico abaixo. Ou seja, a diferença que ocorreu nestes 35 anos foi de US$ 1,7 trilhões de dólares (em ppp). A renda per capita brasileira que está calculada em torno de US$ 15 mil (em ppp) no ano 2015, poderia estar em US$ 23 mil, cerca de US$ 8 mil (em ppp) mais elevada do que a atual.
Isto mostra que mesmo o Brasil avançando em termos absolutos nos últimos 35 anos, houve um recuo em termos relativos. Isto é, o resto do mundo avançou mais que o Brasil desde o início da “década perdida”. Nos últimos 35 anos (por coincidência, o período de maior fortalecimento da democracia) o Brasil cresce a passos de tartaruga. E o pior, o Brasil se desindustrializou e reprimarizou sua economia, pois as atividades mineradoras e o agronegócio foram o destaque do crescimento nos últimos tempos, sendo também grandes responsáveis pela degradação ambiental.
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A perda de produtividade da economia brasileira é evidente. O Brasil perde espaço nas exportações mundiais como mostra o gráfico abaixo. Entre 1950 e 1986 o Brasil exportava mais do que a China e mais do que Cingapura. Mas desde 1987 o Brasil tem perdido participação relativa no mercado global e em 2014 Cingapura (que tem uma população de 6 milhões de habitantes) exportou quase o dobro do Brasil, enquanto a China exportou mais de 10 vezes.
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Tudo isto reflete na renda média real dos brasileiros. O gráfico abaixo, com dados de Angus Maddison e atualizados com dados do FMI, mostra que a renda per capita brasileira representava (em poder de paridade de compra) cerca de 80% da renda per capita mundial nas décadas de 1950 e 1960. Com o início do “milagre brasileiro” a renda per capita brasileira cresceu rapidamente, embora de maneira desigual e com uma concentração extremamente injusta. Entre 1975 e 1989 a renda per capita brasileira ficou acima da renda per capita média mundial. Porém, desde o final dos anos 80 o brasileiro médio vem assistindo a uma deterioração da sua renda per capita em relação ao resto do mundo. Houve pequenas oscilações para cima no período do Plano Real e no segundo governo Lula, mas sem reverter a tendência geral de queda. Desde 2011, início do governo Dilma Roussefff, a renda relativa não para de cair e não apresenta perspectivas de melhora.
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Todos estes dados mostram que não é o mundo que está empurrando o Brasil para baixo, mas é o Brasil que está se apequenando e contribuindo para a desaceleração do crescimento mundial.
De fato, existe uma desaceleração do crescimento dos países desenvolvidos, fenômeno que foi definido por Larry Summers como “estagnação secular”, que ocorre devido ao baixo crescimento da força de trabalho em uma situação de baixa inovação tecnológica e baixa produtividade do trabalho. Ao mesmo tempo os países em desenvolvimento também reduziram suas taxas de crescimento em função da desaceleração da economia chinesa, do fim do boom dos preços das commodities e de um endividamento crescente.
A situação do Brasil é mais grave pois os últimos dois governos promoveram um grande desajuste nas condições macroeconômicas do país, ao mesmo tempo que existe estagnação da produtividade do trabalho e um processo de antecipação do fim do bônus demográfico. A taxa de atividade está estagnada desde o período 2008-2012, o desemprego está em crescimento e a taxa de investimento é insuficiente para dinamizar a economia. Para agravar, há a crise da Petrobras e da cadeia produtiva do pré-sal e uma crise hídrica e ambiental que aumentam os custos de produção, elevando os riscos para os agentes produtivos. O economista Reinaldo Gonçalves (2010) já tinha mostrado a tendência ao baixo crescimento no Brasil. Agora a situação se agravou.
Nos 30 anos entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento do PIB brasileiro só não foi maior do que a taxa de crescimento mundial em 4 anos, todos eles de crise política. Em 1956, após o suicídio de Getulio Vargas e das dificuldades da eleição de Juscelino Kubitschek o PIB brasileiro cresceu 2,9%. Nos anos de 1963, 1964 e 1965, após a renúncia de Jânio Quadros e da crise que se seguiu, o PIB brasileiro cresceu 0,6%, 3,4% e 2,4% respectivamente. Em nenhum ano entre 1950 e 1980 houve decréscimo do PIB. Porém, entre 1987 e 2016 o Brasil só cresceu mais que a economia internacional em 8 anos (1993, 1994, 1995, 2002, 2004, 2007 e 2010). O Brasil cresceu menos do que o mundo em 22 anos entre 1987 e 2016.
Ou seja, as perspectivas são de menor crescimento para a economia mundial. Isto significa que o Brasil vai crescer menos ainda, em função dos desequilíbrios internos, da crise ambiental, da perda de competitividade internacional, do processo de reprimarização e de desindustrialização precoce e de aumento da dependência externa em relação à China. Na próxima década haverá aumento da razão de dependência demográfica o que, dado os desequilíbrios das contas da previdência social, deve dificultar ainda mais o crescimento nacional.
Nesta conjuntura, as perspectivas são do fim do crescimento e até fim do desenvolvimento. O Brasil caiu em um círculo vicioso conjuntural que pode levar a uma estagnação de longo prazo e significar um mergulho na “armadilha da renda média”. Não é impossível também, na pior das hipóteses, entrar em retrocesso. Seremos não só o país do futuro que nunca chega, mas o país que, provavelmene, deve trocar o progresso pelo regresso?
Referências:
ALVES, JED. O fim do crescimento econômico e a década perdida 2.0, Ecodebate, RJ, 28/11/2014
ALVES, JED. O pior quinquênio (2011-15) da economia brasileira em 115 anos?, Ecodebate, RJ, 17/04/2015
ALVES, JED. O fim do bônus demográfico e o processo de envelhecimento no Brasil. São Paulo, Revista Portal de Divulgação, n. 45, Ano V. Jun/jul/ago 2015, pp: 6-17
ALVES, JED. A roça e a mina. O mito do pré sal está afundando o Brasil, IHU, 14/04/2015
ALVES, JED. A redução da pobreza no longo prazo no Brasil e sua possível reversão, Ecodebate, RJ, 22/05/2015
ALVES, JED. A crise brasileira em números, Ecodebate, RJ, 12/06/2015
ALVES, JED. Negócio da China: Brasil embarca em uma nova dependência com sérios danos ambientais, Ecodebate, RJ, 19/06/2015
ALVES, JED. O ajuste fiscal não resolve os desequilíbrios estruturais da economia brasileira, Ecodebate, RJ, 01/07/2015
ALVES, JED. A crise no mercado de trabalho e a desindustrialização precoce do Brasil, Ecodebate, RJ, 08/07/2015
ALVES, JED. Brasil: país submergente, Ecodebate, RJ, 15/07/2015
ALVES, JED. Grécia hoje, Brasil amanhã, Ecodebate, RJ, 22/07/2015
ALVES, JED. Desperdício da força de trabalho no Brasil: longe do pleno emprego e do trabalho decente, Ecodebate, RJ, 24/07/2015
ALVES, JED. O ajuste do ajuste fiscal e a inadimplência do Brasil, Ecodebate, RJ, 29/07/2015
GONÇALVES, R. Evolução da renda no Brasil segundo o mandato presidencial: 1890-2009, RJ, IE, UFRJ, 2010http://www.ie.ufrj.br/oldroot/hpp/intranet/pdfs/reinaldo_goncalves_crescimento_1890_2009.pdf

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 14/08/2015

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