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quinta-feira, 10 de março de 2016

Dívida global é de 200 trilhões de dólares

Desde a crise de 2007 e até 2014, a dívida a nível mundial aumentou cerca de 60 trilhões de dólares. Em 2014, o montante da dívida global era de 200 trilhões, quase o triplo do produto global.

Imagem de StockMonkeys.com, Chris Potter/flickr

No passado dia 22 de fevereiro a Bloomberg publicou um artigo, assinado por Matthew Philips, que tem como título “The World’s Debt is Alarmingly High. But is it Contagious?”. Na primeira parte desta nota, reproduzo o essencial do artigo publicado pela Bloomberg; em segundo lugar, acrescento mais informação; e por último, apresento algumas considerações.
Aumento de 60 biliões e stock de 200 biliões
Segundo Philips, desde a crise de 2007 e até 2014, a dívida a nível mundial aumentou em cerca de 60 trilhões de dólares. O stock de dívida atinge assim os 200 trilhões; é aproximadamente três vezes o tamanho da economia mundial. E falta acrescentar a dívida de 2015.
Depois de 2008, os investidores despejaram somas enormes na China, no Brasil e noutros mercados emergentes para lucrar com a subida dos preços das matérias primas e com o crescimento mais rápido destas economias. Os bancos abriram a torneira e deram uma onda de novos créditos a empresas e famílias. Assim, desde 2009, o nível médio de dívida privada nas economias emergentes subiu de 75% do PIB para 125%, de acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais. Os níveis de dívida privada na China e no Brasil são agora do tamanho do dobro dessas economias. Neste momento, a preocupação concentra-se na dívida chinesa, que triplicou desde 2009, passando de 10 para 30 trilhões de dólares, segundo as últimas estimativas da McKinsey. Os maiores aumentos ocorreram no setor empresarial, onde as grandes empresas estatais receberam créditos dos bancos estatais. Kyle Bass, fundador do fundo de cobertura Hayman Capital Management, que previu a crise subprime de 2008, e fez uma fortuna com isso, informou os seus investidores que os bancos estatais da China poderão assumir perdas de até 3,5 trilhões de dólares, quatro vezes mais do que o que tiveram os bancos dos EUA durante a crise financeira de 2008 [Acrescento a este ponto: na carta enviada a 10 de fevereiro aos investidores, que tem como título “A experiência de 34 trilhões: O sistema bancário da China e o maior desequilíbrio macro do mundo”, Bass sustenta que o sistema bancário chinês tem semelhanças com o sistema bancário dos EUA anterior à mais recente crise –excessiva alavancagem e tomada de risco irresponsável].
No entanto, continua Philips, os empréstimos na China continuam a bater recordes. O problema é que independentemente do crédito que se acrescentar, a travagem da economia chinesa é inevitável. Por isso, acrescentar a alavancagem de um sistema já alavancado só pode fazer com que o ajustamento final seja mais penoso. Apesar de Philips afirmar que o perigo de contágio pode não ser alto, uma vez que a maior parte da dívida está em yuanes e esta moeda não é plenamente convertível. Mas isto não significa que o resto do mundo está a salvo dos riscos crescentes da bomba da dívida chinesa. Os perigos viram-se claramente quando as preocupações com um crescimento econômico que está a abrandar levaram a um início de ano, historicamente mau, nas ações. Por agora, não há perigo de implosão da dívida, enquanto o Governo dos EUA continuar a dar dinheiro para sustentar o sistema financeiro. Mas não gera crescimento. Além disso, durante décadas a China investiu os seus excedentes nos títulos do Tesouro dos EUA, mas agora este fluxo secou.
Relatório McKinsey Global 2015 sobre a dívida
Matthew Philips apoia-se, por sua vez, num relatório de fevereiro de 2015 do McKinsey Global Institute, elaborado por Richard Dobbs, Susan Lund, Jonathan Woetzel e Mina Mutafchieva, que tem como título “Debt and (not much) deleveraging”. Os autores baseiam-se em dados e estatísticas de BIS, FMI, Haver Analytics e McKinsey Global Institute.
Depois de assinalar que a dívida global aumentou em 57 trilhões de dólares e que nenhuma grande economia baixou o ratio dívida/PIB desde 2007, afirma que a dívida pública nas economias avançadas, o aumento da dívida das famílias e a rápida subida da dívida chinesa são áreas de potencial preocupação. A dívida global aumentou em 17 pontos percentuais do PIB, desde 2007.
A dívida pública aumentou, de 2007 a 2014, em 25 trilhões, e continuará a crescer em muitos países. Relativamente à dívida das famílias, a alavancagem baixou em EUA, Espanha, Irlanda e Grã-Bretanha; mas o racio dívida/rendimentos continuou a crescer em muitos outros países, superando em alguns casos os picos anteriores a 2008, entre eles, Canadá, Austrália, Dinamarca, Suécia, Holanda, Malásia, Coreia do Sul e Tailândia. E a dívida chinesa quadruplicou desde 2007, de 7 trilhões para 28 trilhões de dólares em 2014, representando 282% do PIB (um nível mais alto do que o dos EUA ou da Alemanha). Metade de todos os empréstimos estão ligados, direta ou indiretamente, com o sobre-expandido mercado imobiliário chinês. O setor bancário na sombra (shadow banking), que não está regulado, é responsável por aproximadamente metade dos novos empréstimos. E a dívida de muitos governos locais é possivelmente incontrolável.
Outros dados
FMI informou, em setembro de 2015, que os níveis de dívida das empresas nas economias dos mercados emergentes aumentou, particularmente na construção, petróleo e gás, devido às baixas taxas de juro nas economias avançadas e a outros fatores globais. A dívida das empresas não financeiras dos mercados emergentes aumentou fortemente, de aproximadamente 4 trilhões de dólares em 2004 para mais de 18 trilhões em 2014. O aumento da relação dívida/ativos, conhecida comummente como alavancagem, tem incluído com frequência uma porção maior de passivos em moeda estrangeira. A relação dívida empresarial dos mercados emergentes/PIB aumentou 26 pontos percentuais, ainda que com importantes diferenças entre os países. A alavancagem empresarial subiu marcadamente em China e Turquia, e em vários países de América Latina, por exemplo Chile, Brasil, México, Peru e Colômbia.
Por outro lado, segundo a Standard & Poor’s, o número de defaults empresariais a nível global em 2015 chegou a 102, o dobro de 2014 e o nível mais alto desde 2009. Um terço foi no setor do petróleo, gás e energia. A maior quantidade ocorreu nos EUA; nos países atrasados ou em desenvolvimento houve 19; na Europa 13, e o resto foi em países avançados como Japão ou Canadá. Para além de petróleo e gás, os setores mais afetados, por ordem decrescente, foram mineração, aço, produtores de bens de consumo e banca. A dívida das companhias globais que são qualificadas pela Standard & Poor’s atingiu, em 2015, o nível de três vezes as receitas antes de juros, impostos, depreciações e amortizações. É o mais alto desde 2003, e 2,8 vezes o de 2014.
Como resultado, os spreads dos títulos de alto rendimento nos EUA têm estado a aumentar desde junho de 2014, o que é um sinal de deterioração das condições nos mercados de crédito. Recordemos que os spreads de crédito e as margens de lucro são indicadores que antecipam recessões. À medida que caem os preços do petróleo, dos metais e de outras matérias primas, as empresas devem reavaliar os seus ativos, o que por sua vez piora as condições para tomar créditos. Isto é, o aumento de falências traduz-se no facto de os prestamistas exigirem taxas mais altas.
Por último, acrescento alguns dados retirados do 85º Relatório Anual do BPI (ou BIS na sigla em inglês). Depois da crise, aumentou consideravelmente a dívida pública detida pelo setor público. A maior parte concentrou-se nos bancos centrais emissores da sua própria moeda. Entre 2008 e 2014 a sua participação no volume de dívida pública em circulação cresceu de 6% até mais de 18%; isto é, de 1 trilhão de dólares para 5,7 trilhões (segundo os dados de EUA, Japão, Grã-Bretanha e zona euro). Além de adquirir dívida do Governo, as instituições oficiais compraram importantes volumes de outros títulos de dívida. Por exemplo, os emitidos por agências norte-americanas nas mãos da Reserva Federal aumentaram em mais de 1,7 trilhões de dólares entre 2008 e 2014. O BIS previa que a média do rácio dívida pública/PIB atingiria, em fins de 2015, os 120% nas economias avançadas, contra 75% antes da crise. No Japão, o rácio em 2015 era 234%, na Grécia 180% e em Itália 149%.
Algumas considerações
Tudo indica que este extraordinário crescimento da dívida é uma manifestação da debilidade da economia global, questão que temos tratado em textos anteriores. À quase estagnação da zona euro e do Japão, e aos retrocessos de Brasil e Rússia, soma-se a China. Ainda que a dívida chinesa esteja principalmente em yuanes, como assinala a nota da Bloomberg, uma falência no sistema bancário (isto é, uma desvalorização em massa de capital produto da crise de sobreacumulação) não deixará de se repercutir a nível mundial. Numa nota anterior escrevíamos:
“Se a bolha imobiliária esvazia, poderá desencadear um processo em espiral descendente de consequências importantes. ‘As instituições financeiras bancárias enfrentam desafios provenientes do aumento da volatilidade da liquidez de curto prazo e do aumento do risco do crédito, devido ao impacto do menor crescimento, ao ajustamento estrutural e aos esforços para reduzir o excesso de capacidade instalada’, diz um relatório da Associação Bancária Chinesa, de junho de 2014. Algumas publicações (por exemplo, The Economist) e analistas pensam, no entanto, que dadas as reservas chinesas, e o facto de a dívida estar denominada em yuanes, não haverá uma queda catastrófica como a ocorrida depois do afundamento do Lehman, em 2008. Mas ainda nesse cenário - e há razões para suspeitar que é demasiado otimista - afetaria a taxa de crescimento chinesa. O estouro da bolha poderá criar um cenário de falências de bancos e empresas financeiras, e forte desvalorização dos capitais. E a verdade é que todos os indicadores apontam que a bolha adquiriu consideráveis dimensões. Como assinala a Bloomberg (16/06/14), ‘cada vez mais economistas advertem que a China poderá estar a aproximar-se de um ‘momento Minsky’, quando um boom especulativo chega a um súbito e desagradável final, em que a acumulação de dívida supera o fluxo de caixa’.
É impossível pensar que, dadas as relações comerciais e os investimentos na China, não haveria repercussões nos mercados financeiros asiáticos, e daí para o resto do mundo; e sobre as economias de Austrália, Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan e Japão, em primeiro lugar. Assim como sobre as economias exportadoras de matérias primas, entre elas as latino-americanas” (aqui).
No que respeita à dívida global das empresas, não se pode prever se haverá uma crise num prazo próximo, mas o aumento das taxas pedidas pelos empréstimos às empresas com problemas põe maior pressão sobre a rentabilidade, afeta o mercado acionista e piora as condições gerais do crédito. A alavancagem das empresas atingiu o nível mais alto na última década, e cada vez mais empresas não estão a gerar o suficiente valor (ou mais-valia) sobre os seus investimentos que lhes permita cumprir com as dívidas. Apesar de as taxas de juro permanecerem baixas, num meio de pressões deflacionárias (nos EUA, na zona euro e no Japão a taxa de inflação está longe do objetivo de 2%), de sobrecapacidade e de sobreacumulação globais, as condições financeiras podem deteriorar-se rapidamente.
Tenhamos presente também que o quadro é uma situação de pletora de capital, isto é, abundância de capital dinheiro que não foi para investimento produtivo. Grande parte dos empréstimos tomados pelas empresas a taxas baixas foi utilizada em fusões e aquisições, que não ampliam a capacidade produtiva nem a procura. Outra parte destinou-se a recomprar ações ou pagar dividendos. O que aumenta os ganhos dos acionistas e potencia o capital fictício, mas também não aumenta a criação de valor. Numa altura em que a economia mundial está débil, os problemas de cumprimento dos encargos com estas dívidas agudizam-se. As empresas com qualificação de “grau de investimento” têm grandes montantes de cash, e podem resistir, por agora, à baixa nos mercados. Mas muitas estão muito comprometidas, e quando se desencadear um crash, costumam produzir-se movimentos de tipo dominó que afetam todos os sectores. Em 2015, a S&P baixou a qualificação de crédito a 863 empresas, o maior número desde 2009. A pressão sobre a rentabilidade das empresas é forte; e a queda da rentabilidade após o pagamento de juros tende a preceder as crises e a viragem para a recessão. Por isso, ao contrário do que ocorreu em 2007-9, desta vez o foco da crise financeira poderá estar no endividamento empresarial (que era baixo há uma década atrás) e não tanto nas famílias. Acrescentemos que as empresas de muitos países atrasados não só são altamente vulneráveis a um aumento das taxas de juro, mas também as desvalorizações das moedas dos países em que operam põem um peso adicional no serviço da dívida em dólares ou euros. Tudo isto com o horizonte da queda dos preços das matérias primas.
Quanto à dívida pública, o seu extraordinário aumento nos principais países capitalistas foi facilitado pelas taxas de juro extremamente baixas. Mas a despesa estatal não compensa a debilidade da acumulação. Só ajuda a sustentar a procura, via gasto improdutivo de mais-valia, sem dar solução ao problema de fundo, enquanto se acumula dívida. Por isso, no médio prazo não é sustentável manter a procura com base no défice público. Estas histórias terminam inevitavelmente com desvalorizações em massa de capital (um default é isso, uma desvalorização de capitais).
Além disso, desde o início da crise em 2007 os bancos centrais aumentaram os seus balanços ao comprarem principalmente dívida soberana e dívida de bancos. Estas compras foram financiadas com expansão da base monetária. Só entre 2007 e 2011 esta duplicou, em termos de percentagem do PIB. Enormes quantidades de títulos e empréstimos de duvidosa qualidade estão hoje nos ativos dos bancos centrais. Entre 2008 e 2016, os ativos somados da Reserva Federal, do Banco Central Europeu, do Banco de Japão e do Banco Popular da China passaram de aproximadamente 6,4 trilhões de dólares para 16 trilhões. Deste total, 4,5 trilhões correspondem à FED (http://www.yardeni.com/pub/peacockfedecbassets.pdf). Trata-se de uma imensa massa de capital fictício, que não tem contrapartida na riqueza nem no capital real, e que por si mesma não tem conseguido, nem conseguirá, tirar as economias da estagnação.
Em conclusão, estes dados parecem indicar que por agora continuará o crescimento global débil e vacilante, enquanto se acumulam pressões que podem terminar num crash e na desvalorização abrupta de gigantescas somas do capital. Com as consequências penosas que estas “revoluções do valor” têm para as massas trabalhadoras de todo o mundo.
Artigo de Rolando Astarita, professor de economia da Universidade de Buenos Aires, publicado no seu blogue. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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