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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Da informática sem o ensino



Disseram-nos — com aquele tom de progresso que só as solenidades oficiais conhecem — que o Brasil havia finalmente se convertido à era digital. E o fizeram com trombetas de anúncio, decretos pomposos e plataformas que prometem o céu eletrônico ao cidadão comum. Criaram senhas, aplicativos, tutoriais, identidades virtuais, e as chamaram de “governança”. E, ao cabo, esqueceram-se de um detalhe miúdo, porém crucial: não ensinaram o povo a apertar o botão.


É assim que se faz, por estas bandas: informatiza-se primeiro, educa-se depois — ou nunca. Produziu-se, com a melhor das intenções tecnocráticas, um milagre ao contrário: um país moderno sem modernidade, um povo conectado sem compreensão, um Estado digital sem cidadania digital.


Por isso é que hoje se vê o que se vê: um cidadão frente a um totem eletrônico do INSS é como um camponês bizantino diante de um astrolábio. Não se lhe deu escola, não se lhe deu treino, mas deu-se-lhe uma senha e um prazo. E como a senha não abre o caminho do saber, mas sim o labirinto da burocracia cibernética, restou ao povo o que resta sempre: a astúcia, o improviso e, infelizmente, o embuste.


A fraude, nesse cenário, não é apenas uma transgressão: é o sintoma de uma arquitetura que exclui. E o pior é que o mesmo mecanismo que deveria proteger o erário contra os falsários serve, na prática, para dificultar o acesso dos legítimos. O trabalhador doente não consegue o benefício; o esperto, que sabe de um atalho, o obtém. E assim a moral pública, essa senhora de cabelos brancos e olhar severo, se contorce em sua cadeira de balanço.


Mas não ficou nisso. A ignorância, que já era trágica, tornou-se também beligerante. O populismo descobriu no smartphone um palanque portátil. A extrema direita, com suas bandeiras flamejantes de ressentimento e suas fórmulas mágicas contra a complexidade do mundo, soube como ninguém explorar essa turba digitalizada, mas não educada. A mentira viralizou mais que a verdade, o ódio mais que o argumento, o emoji mais que a gramática.


Criou-se, assim, a nova praça pública: feita de impulsos, algoritmos e cliques. E nela, o cidadão, antes carente de livros, passou a ser refém de memes. O Brasil, que outrora alfabetizava com cartilha, hoje ensina com corrente de WhatsApp.


Fizeram do povo um eleitor digital, mas não um cidadão informado. E disso resulta esta era em que a informática precedeu o ensino, a tecnologia veio sem ética, e o progresso se fez sem prudência.


Talvez, no futuro, alguém corrija o rumo. Por ora, resta-nos o consolo de Ruy: “A pior democracia é preferível à melhor ditadura”. Mas talvez o mestre da Bahia não tenha imaginado uma democracia de senhas esquecidas, golpes online e ignorância viral.


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