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quarta-feira, 16 de julho de 2025

Al Capone laranja e a proteção internacional da ORCRIM neofascista



A história, embora não se repita com os mesmos figurinos, possui um certo gosto pela ironia trágica. Quando Friedrich Nietzsche formulou a hipótese do eterno retorno, não a propôs como dogma, mas como desafio ético: “E se tudo tiver que se repetir infinitamente — você diria sim à vida, mesmo assim?” A pergunta era uma prova. Mas a humanidade, em sua indiferença cíclica, parece ter respondido com a mais banal das distrações: o esquecimento.


A pergunta, inquietante, tornou-se uma metáfora sinistra para o tempo em que vivemos. O século XXI, após tantos avanços científicos e civilizatórios, vê surgir novamente os ventos pestilentos do autoritarismo. As décadas de 1920 e 1930, que culminaram no fascismo europeu, ecoam em nosso presente com um realismo alarmante.


Em 2025, a maior potência militar do planeta — os Estados Unidos — passa a agir não como guardiã do direito internacional, mas como potência vingativa, personalista e chantagista. Sob a liderança populista e mafiosa de Donald Trump, o governo norte-americano impôs ao Brasil uma tarifa de 50% sobre todas as importações, com início previsto para agosto. O motivo alegado não foi econômico, mas político: uma retaliação aberta contra o processo judicial movido por tribunais brasileiros contra Jair Bolsonaro, ex-presidente e aliado de Trump.


Em outras palavras, o comércio internacional — sustentado por regras multilaterais há décadas — foi convertido em instrumento de coerção em nome da lealdade pessoal entre líderes autoritários.


Trump não escondeu o objetivo da medida. Em carta enviada ao presidente Lula, acusou o Brasil de "caça às bruxas", referindo-se a Bolsonaro, e exigiu, implicitamente, a paralisação do processo judicial como condição para reverter a sanção comercial. Paralelamente, autorizou o USTR a abrir uma investigação formal contra o Brasil com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 — o mesmo mecanismo usado para retaliar a China anos antes.


Seria uma anedota trágica, não fosse tão real: um processo judicial interno, conduzido sob princípios constitucionais, passou a ser tratado como uma afronta internacional. A soberania jurídica tornou-se moeda de barganha.


A pressão norte-americana não se restringe ao Brasil. Em Israel, o ex-governador e aliado de Trump, Mike Huckabee, compareceu pessoalmente ao tribunal onde se julga Benjamin Netanyahu por corrupção. A visita, altamente simbólica, foi acompanhada de declarações ambíguas: “O presidente [Trump] deixou sua posição muito clara. Ele não interveio no processo, mas considera o primeiro-ministro um amigo e espera que o tribunal o reconheça também.”


Essa frase, embora cuidadosamente formulada, contém o germe de uma lógica perversa: a substituição da justiça por laços pessoais. A amizade, como critério político. A fidelidade, como parâmetro de inocência. A retaliação econômica, como substituto da diplomacia.


O que observamos aqui é mais do que um momento de tensão internacional. É o avanço de uma internacional neofascista — não na forma de um pacto formal, mas como uma aliança ideológica entre figuras autoritárias que compartilham métodos, discursos e estratégias. São líderes que desprezam a separação de poderes, ridicularizam o jornalismo crítico, reescrevem os limites da legalidade conforme lhes convém e tratam o Estado como propriedade pessoal.


O caso da tarifa de 50% contra o Brasil é revelador. Ao punir economicamente um país por não interferir no próprio sistema de justiça, os EUA sob Trump emitem uma mensagem inequívoca: os tribunais devem servir à política, não à lei. O resultado é uma degradação deliberada das normas que sustentam a vida democrática. E, como alertou Hannah Arendt no passado, o mal não precisa de monstros. Basta a normalização da injustiça como rotina.


A banalidade do mal — conceito que cunhou a partir do julgamento de Eichmann — repete-se com roupagem digital e linguagem populista. Líderes modernos não vestem fardas, mas ternos caros; não gritam ordens, mas tuitam ofensas. Contudo, sua essência é a mesma: são burocratas do autoritarismo, que realizam crimes institucionais por meio de decretos, tarifas e alianças dúbias.


Cabe à sociedade — e não apenas aos juristas — rechaçar esse retorno do abismo. Pois se há algo mais assustador que a tirania é a aceitação passiva da tirania disfarçada de pragmatismo.


O eterno retorno não é inevitável. Ele acontece quando esquecemos de resistir.



Fontes consultadas:


The Guardian – “Trump’s Brazil tariffs ultimatum backfires on Bolsonaro”, 16 jul. 2025

CNN Brasil – “Trump anuncia tarifa de 50% para o Brasil em retaliação ao julgamento de Bolsonaro”, 9 jul. 2025

Business Insider – “Embraer diz que tarifa será tão danosa quanto a pandemia de Covid-19”, 15 jul. 2025

Reuters – “U.S. opens trade probe into Brazil using Section 301”, 16 jul. 2025

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