Era uma tarde fria, daquelas em que o vento parece soprar em conluio com os desenganos da política, fazendo-nos tremer não apenas de frio, mas também de vergonha alheia. Encolhido em minha modesta poltrona, com o xale sobre os ombros e o jornal nas mãos trêmulas, entretinha-me com as notícias que me chegavam como bilhetes gelados de um Brasil que insiste em não aprender. Foi então que dei com um nome já assaz conhecido: Eduardo Bolsonaro, o filho número tal de Sua Excelência, o ex-mito da república tropical.
O rapaz, de feições que os lombrosianos talvez julgassem normais, mas cujas ideias carecem de um adestramento mais rígido, resolveu pôr em prática um plano de salvação nacional. Ou melhor, paternal. Com a astúcia de um Silvério dos Reis e a elegância de um Calabar em fúria, o jovem foi aos Estados Unidos clamar por sanções contra seu próprio país.
Note-se bem, leitor, a singularidade do gesto: não se tratava de entregar aos estrangeiros segredos de guerra ou mapas de fortificações. Não! Isso seria banal. Ele entregou algo mais íntimo, mais visceral: a dignidade nacional, em suaves prestações diplomáticas.
Silvério, ao menos, delatou por ouro e vida mansa. Calabar, segundo dizem, por pragmatismo bélico. Eduardo, por seu turno, negocia a honra da nação como um menino mimado que, não podendo convencer o professor a livrar-lhe da nota baixa, apela ao inspetor estrangeiro pedindo a expulsão da escola inteira.
Talvez seja preciso fundar uma nova categoria no museu das ignomínias: o traidor patriótico. Esse que, envolto na bandeira nacional como se fosse toalha de banho, brada slogans de amor à pátria enquanto vende seus alicerces por um tweet compartilhado por Steve Bannon.
O que diria Tiradentes, se descesse do seu cavalete de mártir e visse um deputado eleito, entre coxinhas e iPhones, implorando que a economia brasileira seja punida — tudo para, vejam só, garantir a impunidade do pai?
Não creio que Domingos Calabar, ainda que ressuscitado por Chico Buarque em versos traiçoeiros e ternos, teria tamanho desplante. Ao menos, o alagoano combateu em campo, espada na mão e suor na testa. Nosso novo herói, não. Este luta com wi-fi americano e retórica de seita.
Peço vênia aos traidores históricos. Foram menos explícitos, mais literários, até. Já o rebento bolsonarista é prosaico e petulante, como se o escândalo fosse parte do script familiar — um gênero entre o drama e o pastelão.
Eis, pois, leitor, que se inaugura uma nova era: a da traição performática, com direito a hashtag, entrevista na Fox News e uma lágrima contida pela democracia. Se Silvério dos Reis mereceu o opróbrio dos séculos, que dizer de quem negocia o futuro do povo como se fosse penduricalho de loja de conveniência?
Talvez este cronista, velho e cético, esteja exagerando. Mas caso conheça vossa senhoria algum traidor mais criativo que este, por obséquio, envie-me o nome. Terei o prazer de fazer-lhe, na próxima crônica, um elogio póstumo e merecido. Porque neste nosso Brasil, até a infâmia tem fila de espera.


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