Batalha de Algoritmos: o que a politização das redes nos conta sobre as manifestações de rua - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Batalha de Algoritmos: o que a politização das redes nos conta sobre as manifestações de rua

Pesquisadora da FGV alerta sobre o papel dos algoritmos na escalada da intolerância nos debates públicos 



A direita e a esquerda no Brasil vivem, nas redes sociais, uma verdadeira “batalha de algoritmos”. Prova disso é que, durante o mês de setembro, as convocações para manifestações, de ambos os lados, não se esgotaram nas ruas e mobilizou multidões digitais em torno de debates, constrangimentos públicos, ironia e até mesmo a celebração de tragédias. Um levantamento do Centro de Estudos de Marketing Digital da FGV/EAESP mostra que entre 05 e 07 de setembro, quando a direita ocupou as ruas com apoio de lideranças como Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro, as redes explodiram em 568 mil menções, elevando termos como "Avenida Paulista", "Alexandre de Moraes" e o próprio “Tarcísio”, projetando este último como presidenciável. Os dados mostram uma prevalência de homens (61%) no engajamento digital, e um panorama emocional dicotômico: alegria pelo senso de pertencimento e tristeza pelo “autoritarismo do STF”.

Por sua vez, a resposta da esquerda veio poucos dias depois, com as manifestações contra a PEC da Anistia (entre 19 e 21 de setembro), com 433 mil menções — 23% menos do que o movimento à direita —, mas com maior diversidade de autores e equilíbrio de gênero (46% mulheres, 54% homens), sugerindo dinâmicas diferentes de articulação. A emoção dominante nesse caso foi o nojo (5%), sobretudo pelo debate sobre a PEC da Anistia, acusada de abuso institucional, e alegria (13%) pela mobilização.

Lilian Carvalho, PhD em Marketing Digital e coordenadora do estudo, avalia que a polarização política escancarou, mais uma vez, que a racionalidade cedeu lugar à lógica da indignação em série. “O caráter viral desses debates pouco tem a ver com "lados". O que as pesquisas acadêmicas mostram é que os algoritmos não discriminam filiação política, mas premiam conteúdos altamente emocionais e divisivos, com potencial de engajamento e conflito. A chamada “tribalização algorítmica” não fortalece apenas bolhas políticas, ela transforma o dissenso em espetáculo, e o contraditório em ameaça existencial”, afirma, ressaltando ainda o papel dos algoritmos na escalada da intolerância. 

A pesquisadora cita, como exemplo, o recente conceito do "blueskyism”, definido por Nate Silver como um tipo de criação de “grupinho exclusivo” da esquerda na rede social BlueSky, pautado em patrulha digital,  credencialismo e o catastrofismo — elementos que, a rigor, não pertencem só à esquerda nem à direita. “Décadas de pesquisa sobre exclusão digital comprovam: a lógica algorítmica é neutra na tecnologia, mas profundamente enviesada nos efeitos. Busca rentabilizar a indignação, não a convivência. Por isso, vemos a naturalização da intolerância e a desumanização do oponente, seja comemorando o fracasso de um lado ou rechaçando a simples existência do outro”, diz. 

Para Lilian Carvalho, portanto, os dados do levantamento mostram que associar virtudes éticas ou morais exclusivamente a um campo político (“a esquerda é do amor” ou “a direita é da ordem”) é ingênuo e perigosamente simplista, afetando diretamente a ideia de democracia. “O espaço democrático nasce do conflito civilizado e da escuta do adversário, não da homogeneização das perspectivas nem do cancelamento virtual. Celebrar a exclusão ou o silêncio do outro, por mais “radical” que seja, é o avesso da democracia. A verdadeira tragédia não é só a bolha, mas o fim dos espaços comuns”, completa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages