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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Caso Charlie Kirk, nas redes, prova que grupos políticos não têm patente sobre o "amor"

Arquivo Pessoal


Por Lilian Carvalho (*)


A morte de Charlie Kirk, ativista conservador dos Estados Unidos, gerou mais de cinco milhões de menções em redes sociais só nas últimas 24 horas, segundo o monitoramento do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV (FGV/CEMD). O que salta aos olhos não é apenas a polarização digital, mas a proporção quase igual de manifestações de tristeza em duas plataformas rivais: Bluesky (44%) e Twitter (45%). Menções de alegria foram minoria, mas, curiosamente, tiveram tom mais cruel no Bluesky. Expressões como “Charlie Kirk finally made America Greater today” evidenciam isso — comentários que, para além do dissenso político, beiram o sadismo.

Bluesky, uma rede social fundada em 2019 por Jack Dorsey, ex-Twitter, foi o destino de muitos progressistas após a compra do Twitter por Elon Musk e o que foi percebido como uma “guinada à direita da plataforma”, após ela se tornar o que é hoje o X. 

O conceito de “blueskyism”, cunhado por Nate Silver, tem circulado justamente nesse contexto. Silver descreve um estilo discursivo marcado por patrulhamento, credencialismo e catastrofismo. Mas, ao contrário do que sugerem discussões apressadas, blueskyism não é uma ideologia coesa e muito menos propriedade de um espectro político específico: trata-se de uma etiqueta sobre dinâmicas de exclusão digital, que se reproduzem em diferentes comunidades e ambientes online.

A experiência contemporânea comprova o que venho alertando em minha pesquisa: algoritmos não têm lado, mas reproduzem (e exacerbam) aquilo que há de mais barulhento e emocional em cada bolha. No ambiente digital, opera-se uma lógica de viralização que financia a indignação e o choque. Essa dinâmica, revela que a tribalização afeta a direita, a esquerda e todos nós, usuários ávidos por pertencimento e visibilidade.

É ingênuo, portanto, associar o “amor” à esquerda ou a qualquer coletivo digital. Como mostram os dados: nem Bluesky, majoritariamente frequentado por progressistas, exibiu maioria de reações de alegria com a morte de Kirk; tampouco faltaram manifestações de respeito, mesmo que fragilizadas. O problema não é, nem nunca foi, um “lado” apenas. O que preocupa, é que se naturalize a intolerância ao outro, que se tolere, nos dois polos, o rechaço à existência de opiniões divergentes.

Ao rotular Charlie Kirk como extrema direita, reduz-se um fenômeno democrático a chavões midiáticos. Ele debatia, por vezes de forma dura, mas na arena pública, com universitários sobre temas do interesse de qualquer cidadão americano. Não há “extremismo” em debater políticas ou ideias com argumentos. Há, sim, radicalismo em celebrar a morte ou em desejar o silêncio do opositor, seja à direita, seja à esquerda.

Talvez seja hora de resgatar o velho Voltaire: “Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo.” Viveremos tempos cada vez mais difíceis se deixarmos que a lógica da patrulha digital suplante o respeito ao pluralismo e à democracia.

Em suma: blueskyism como “filosofia” é, no máximo, um diagnóstico do nosso fracasso coletivo em sustentar a civilidade. A esquerda não é amor e, bem vistas as coisas, ninguém jamais foi monopólio desse sentimento nas redes.



(*) Lilian Carvalho, PhD em Marketing e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV/EAESP e fundadora da Método Lumière

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