O liberalismo, que há poucos anos ressurge no Brasil como palavra mágica capaz de redimir o Estado e purificar a economia, parece ter se transformado, mais uma vez, num mito conveniente. Em 2014, lembro-me de assistir a uma entrevista do então ativista Ricardo Salles — que mais tarde seria ministro do Meio Ambiente — concedida ao jurista Ives Gandra, no programa Anatomia do Poder. Salles apresentava o movimento Endireita Brasil e exaltava Angela Merkel como modelo de liderança. Ironicamente, após a ascensão de Donald Trump em 2016, a mesma Merkel — símbolo da racionalidade liberal europeia — passou a ser rotulada, por muitos desses novos “liberais”, como uma espécie de social-democrata radical.
A contradição não é acidental. O chamado liberalismo da nova direita brasileira nasce, em grande medida, como reação identitária ao petismo, e não como projeto intelectual consistente. Seus defensores converteram em “descoberta recente” princípios que já estiveram profundamente inscritos na formação do Estado brasileiro — desde a independência até a República Velha —, quando o liberalismo era a ideologia de uma elite agrária que defendia o livre comércio, mas mantinha a escravidão. O que há de novo, portanto, é apenas o marketing.
Trump, por sua vez, jamais foi liberal em sentido clássico. É o adepto paradigmático do intervencionismo nacional, expressão moderna do mercantilismo travestido de soberanismo econômico. Ele próprio o admite: “I love tariffs.” As tarifas, as sanções e o controle sobre cadeias produtivas estratégicas — de semicondutores a terras raras — compõem uma agenda que o velho Adam Smith repudiaria. Smith concebia o mercado como uma ordem natural de interdependência global, em que o comércio, não o protecionismo, seria o caminho da prosperidade mútua.
O caso recente do Pentágono é ilustrativo. Em julho de 2025, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos adquiriu uma participação de 400 milhões de dólares na empresa MP Materials, maior produtora norte-americana de terras raras. O Estado norte-americano, supostamente guardião do liberalismo mundial, torna-se o principal acionista de um setor estratégico. É o liberalismo para os outros; intervencionismo para si.
O dilema que se impõe ao Brasil é claro: seguiremos o modelo intervencionista americano em nome da soberania, ou permaneceremos na retórica do liberalismo dependente, que legitima nossa condição de economia periférica? A pergunta é menos teórica do que prática. O liberalismo brasileiro sempre foi um discurso de elites importadoras, que adaptam modas intelectuais estrangeiras às conveniências do momento.
Percebo, com algum desalento, que a nova direita brasileira não conhece o Brasil. É uma direita Disney, que substitui a reflexão sobre a realidade nacional por caricaturas do debate americano. Diferente do século XX, quando pensadores como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Sérgio Buarque, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal buscaram compreender a singularidade de nossa formação social, a direita contemporânea parece satisfeita em copiar slogans, sem compreender o terreno em que pisa.
E assim, cada movimento político fabrica o seu próprio Brasil imaginário — um país de laboratório, sem povo, sem história e, sobretudo, sem projeto.



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