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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Especialista alerta para risco de impunidade e 'novo Carandiru' em operação no Rio

Para a advogada criminalista Jacqueline Valles, a não preservação da cena do confronto compromete a perícia e abre um perigoso precedente para que as responsabilidades nunca sejam individualizadas

 

A jurista Jacqueline Valles

A megaoperação policial que deixou mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, na última terça-feira, corre o sério risco de se tornar mais um capítulo de impunidade na história do país. A avaliação é da advogada criminalista Jacqueline Valles, mestre em Direito Penal e com mais de 30 anos de experiência no Tribunal do Júri, que vê semelhanças preocupantes com o processo do Massacre do Carandiru.


Para a especialista, a investigação sobre a ação, que também resultou na morte de quatro policiais, já nasce prejudicada devido a uma falha primária: a não preservação do local do confronto. "O que vimos foi a completa violação da cena do crime. Para individualizar a conduta de cada agente, para saber quem atirou e em que circunstâncias, a perícia independente é indispensável. Sem a preservação do local, a análise técnica fica irremediavelmente comprometida", crava Valles.
 

A advogada explica que, por lei, toda morte decorrente de intervenção policial, sem exceção, deve ser rigorosamente apurada. "É o procedimento padrão. Mesmo em um confronto claro, com aparente legítima defesa do policial, a investigação é o que nos permite afirmar isso com certeza", explica.
 

O caminho técnico para isso, segundo ela, é a perícia criminal atuar de forma independente, livre de pressões ou ingerências. É possível reconstruir o que aconteceu com um levantamento completo da cena de crime, das munições encontradas nos corpos, recolhidas no local do crime e removidas das construções. Esse trabalho minucioso da perícia criminal permitirá analisar a trajetória dos disparos nos corpos e realizar o confronto balístico com cada arma que estava em posse dos policiais na operação. "É um trabalho extenso. Sem ele, não há como apontar responsabilidades."
 

A logística do caos
Jacqueline Valles reconhece a complexidade de uma ação dessa magnitude. Isolar uma área de confronto densamente povoada, enquanto o conflito ainda reverbera, é um desafio logístico imenso. "Na teoria, o Código de Processo Penal exige a preservação. Na prática, imagine a logística: o efetivo que participou do tiroteio já é gigantesco (foram 2.500 policiais). Seria preciso um segundo efetivo, tão grande quanto, apenas para isolar a área e garantir o trabalho pericial. É um ato extremamente difícil, mas a dificuldade não anula a obrigação legal", pondera a advogada.
 

É essa falha, segundo ela, que alimenta o fantasma do Carandiru, onde a impossibilidade de individualizar as condutas dos policiais que mataram 111 detentos resultou, décadas depois, na anulação das condenações. O temor é que a história se repita. "A possibilidade de cair na impunidade é grande. Se o caminho técnico não for seguido à risca, a investigação nasce morta. Teremos mais de uma centena de mortos e nenhuma resposta", afirma Valles.
 

Para a criminalista, a urgência agora é dupla: conduzir o que for possível da investigação e evitar que a opinião pública e os agentes do Estado normalizem a tragédia. "Essa investigação precisa acontecer antes que o caso caia no esquecimento e a sociedade se acostume com a banalidade da violência. Não podemos aceitar a ideia de que no Rio de Janeiro 'é assim mesmo'. A morte de tantas pessoas viola qualquer pilar do Estado de Direito", alerta a especialista.

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