Nesta última semana, Caicó foi palco de dois encontros notáveis. Na terça-feira, o escritor angolano José Eduardo Agualusa conversou com o público sobre sua trajetória, seu processo criativo e suas percepções a respeito do papel da literatura. Na quinta, foi a vez de Ivanildo Vila Nova, poeta e cantador que celebra, em 2025, oitenta anos de vida e uma despedida dos palcos, revisitar suas origens, a influência do pai e as passagens marcantes de uma existência dedicada ao verso.
Durante a conversa com Agualusa, uma cena chamou especial atenção. O autor relatou sua interação com o ChatGPT: ao perguntar à máquina sobre seus livros, ela lhe citou um título que ele jamais escrevera. “Não lembro de ter escrito esse livro”, respondeu o escritor. E a máquina, implacável, retrucou: “Você não lembra porque ainda não escreveu.” A partir desse diálogo improvável — e um tanto profético — nasceu o personagem principal de seu novo romance, Tudo sobre Deus.
O protagonista, Leopoldo G. Borges, é um geólogo e poeta que, à beira da morte, compra uma igreja abandonada no deserto do Namibe, em Angola. Lá, entre o penhasco e o Atlântico, transforma seus últimos meses numa escavação — não de pedras, mas da própria alma.
Dois dias depois, em tom e paisagem distintos, o poeta Ivanildo Vila Nova ofereceu outra revelação não menos filosófica. Durante o encontro, o professor Djalma Mota observou que o poeta não bebe água. A plateia riu. A ciência garante que ninguém sobrevive sem ela, mas Vila Nova respondeu, sereno: “Tomo café.”
O poeta, que defende o Nordeste Independente, é como a caatinga — sobrevive do essencial, do que resiste à seca. Enquanto Agualusa encontra na máquina o espelho do futuro, Ivanildo reafirma a força da tradição, da palavra cantada, do corpo que resiste. Um escreve com a ajuda de algoritmos; o outro com o pó da estrada. Um escava a alma diante do abismo; o outro faz da seca o seu oásis.


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