A morte do rapaz Gerson de Melo Machado, ocorrida no último domingo, dentro da jaula de uma leoa no parque da Bica, em João Pessoa, causou no Brasil uma comoção tão vasta quanto apressada. Digo apressada porque o país, como sabemos, tem o hábito curioso de se indignar antes de compreender — e, depois de compreender, voltar a se indignar por motivos inteiramente diferentes.
Primeiro, culpou-se a leoa, que, coitada, limitou-se ao seu velho ofício de fera. Depois, levantaram-se acusações contra o zoológico, a administração, as grades, e até o destino, que sempre fica bem como réu subsidiário. Mais tarde, quando a história completa do rapaz veio à tona — um histórico de abandono, transtornos não tratados, laudos que circulavam mais devagar que a burocracia que os produz —, então sim houve quem, num lampejo de humanidade, guardasse as pedras.
Esse jovem, agora sepultado no cemitério do Cristo, não era o personagem simples que o vídeo sugeria. Era, ao contrário, um daqueles seres que a sociedade prefere deixar nos bastidores, como figurantes indesejados no grande teatro social. Em certos momentos, parecia que todos — família, Estado e vizinhança moral — haviam feito um pacto de omissão, desses em que ninguém assina, mas todos cumprem.
Houve quem comemorasse a tragédia, porque o mundo sempre produz almas cuja caridade se reduz ao prazer mórbido. Houve quem pedisse punições exemplares. E houve também, felizmente, uns poucos que perceberam que não havia criminosos naquela cena, senão a velha imperfeição humana, que cada um traz escondida na algibeira e só tira para fora quando o erro é do outro.
Ser cristão — permita-me o leitor o atrevimento — não consiste em inclinar-se diante de altares, mas em suportar com doçura as imperfeições alheias, essas mesmas que nos costumam irritar tanto porque lembram a nossa própria fragilidade. Cristo não se fez notar nos templos ornados, mas nos seres defeituosos que a sociedade empurra para os cantos, onde a luz não alcança. Se Gerson encontrou Cristo em sua derradeira hora, foi talvez porque a morte lhe tirou o peso do mundo e, de quebra, devolveu-nos a lição que teimamos em esquecer: os frágeis também são gente.
E já que o episódio, tão infeliz, encontrou eco na poesia — esse gênero que compreende o que a prosa hesita dizer —, deixo ao leitor os versos de Constância Uchôa. Eles encerram, com elegância, aquilo que a própria crônica só ousa tocar de leve:


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