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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Entre o discurso verde e a realpolitik: o que a COP-30 revelou ao mundo

Foto: Rodrigo Leal


*Rafael Pons Reis


A transição energética e a governança climática não avançam em um mundo ideal. Avançam dentro de um sistema ainda ancorado em combustíveis fósseis. A COP-30 escancarou essa realidade. Por trás dos discursos de cooperação global, emergiu a dura lógica da realpolitik: cálculo de poder, competição econômica e resistência ao abandono do petróleo e seus derivados.

Um símbolo disso foi a decisão final da COP-30: não houve acordo para estabelecer um roteiro de eliminação dos combustíveis fósseis. Esse recuo revela o limite do compromisso coletivo quando a geopolítica entra em cena. Não por acaso, as três últimas COPs ocorreram em países produtores de petróleo, um sinal de quem continua ditando o ritmo.

A China sintetiza essa ambivalência. O país é o maior emissor de gases de efeito estufa no mundo. Mesmo assim, Xi Jinping optou por não comparecer à COP-30, enviando apenas um emissário. O gesto não foi neutro. Sinaliza que, para Pequim, a diplomacia climática ainda ocupa um lugar secundário diante da centralidade dos combustíveis fósseis em sua estratégia de crescimento. Ao mesmo tempo, a China lidera a produção global de painéis solares, veículos elétricos e turbinas eólicas. Ou seja, lucra com a transição energética, mas evita compromissos que possam restringir seu consumo de petróleo e gás. A potência que mais investe em renováveis segue, paradoxalmente, ancorada na economia fóssil.

No Brasil, essa tensão também é evidente. Como anfitrião da COP e potência amazônica, o país busca projetar uma imagem de liderança climática. Defende a transição verde e a conservação ambiental. Mas decisões recentes, como a autorização de estudos para exploração do Bloco 59, na Foz do Amazonas, evidenciam os limites dessa narrativa. Há lucro potencial, mas também uma contradição direta com a promessa de vanguarda climática que o governo pretende sustentar.

Essa ambiguidade não é mera contradição. Reflete uma leitura pragmática do contexto internacional por parte do governo e do Itamaraty. Desde a guerra na Ucrânia, o mundo vive um realinhamento energético. Potências voltam a buscar petróleo e gás. A disputa por recursos estratégicos se intensifica. E a erosão do multilateralismo, agravada pelo governo negacionista de Donald Trump, reduziu a confiança em compromissos coletivos.

Diante disso, o Brasil tenta equilibrar duas necessidades. De um lado, quer consolidar-se como potência ambiental. De outro, precisa de margem fiscal e investimentos que a exploração da Margem Equatorial pode trazer. É uma realpolitik tropical, moldada por demandas domésticas, exigências geopolíticas e pela necessidade de preservar espaço de manobra.

A crítica de Edward Carr, um dos fundadores do pensamento realista das Relações Internacionais, continua oferecendo uma chave valiosa para compreender a política contemporânea. Para ele, os Estados não se movem guiados por normas bem-intencionadas ou pela promessa de cooperação multilateral, mas por interesses, assimetrias e estruturas de poder que moldam suas escolhas — inclusive no campo climático.

É por isso que a transição energética, embora amplamente celebrada nos grandes fóruns internacionais, avança de maneira desigual: sua implementação depende justamente dessas engrenagens políticas e econômicas que limitam compromissos mais profundos. O Brasil ilustra de forma clara essa dinâmica.

Ao mesmo tempo em que busca afirmar-se como liderança ambiental, continua sujeito às pressões de um sistema internacional ainda orientado por disputas estratégicas, necessidades fiscais e pela centralidade dos combustíveis fósseis. Reconhecer essa contradição não significa adotar uma postura cínica, mas compreender os limites reais e as oportunidades de ação em um mundo que resiste a mudar na velocidade exigida pela crise climática.



Rafael Pons Reis é doutor em Sociologia Política (UFSC), mestre em Relações Internacionais (UFRGS), especialista em Educação, Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR), graduado em Relações Internacionais (UTP). Professor há mais de 20 anos, atua no Centro Universitário Internacional Uninter em diversas áreas e coordena pesquisa sobre a Agenda 2030 em governos subnacionais, sendo professor e pesquisador da Uninter.

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