Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
A geoeconomia é o estudo das alternativas econômicas que estão à disposição dos países para atingirem seus respectivos objetivos geopolíticos. Nos últimos anos sua importância cresceu tanto que agora chega a ofuscar a própria geopolítica.
Até o final do século 20 acreditava-se que a economia e, principalmente, o livre comércio e os fluxos de capital seguiam regras que funcionavam muito bem. Sendo assim, as decisões geopolíticas dos governos não precisariam dar muita importância para os fundamentos econômicos, pois a economia não sofreria influência nem afetaria os temas da geopolítica.
Foi no início dos anos 1990 que apareceram nos Estados Unidos dois livros que mudaram a visão predominante ao mostrarem que medidas econômicas também são ferramentas de poder: Turbocapitalismo: Perdedores e ganhadores na economia globalizada, de Edward Luttwak e Cabeça a cabeça, de Lester Thurow. Ambos mostravam que não mais era possível separar a geopolítica da economia em função principalmente do crescimento da importância da China e do Japão, países que se fortaleceram muito do ponto de vista geopolítico com base no uso de suas respectivas economias e eficiente utilização da globalização.
Com a pandemia de covid-19, a partir de 2020 ficou evidente que aspectos como cadeias de valor e escassez de recursos e economias passaram a ser usados como arsenal geopolítico. Muitos países, alegando razões de segurança nacional, começaram a boicotar a venda ou exportação de materiais e produtos estratégicos como vacinas, semicondutores, computadores etc.
Outro fato importante, e que significou uma guinada na forma como os Estados Unidos enxergam a economia e a globalização, aconteceu já no primeiro governo de Donald Trump (2017 a 2020), que resolveu ir contra a lógica da globalização e do livre comércio ao criar mecanismos de proteção às empresas americanas que operavam dentro do território norte-americano, e conclamando aquelas que tinha aberto instalações na China a voltarem a produzir nos EUA. Seu sucessor, Joe Biden, manteve essa linha e até a acentuou, ao criar uma política industrial muito abrangente – o que não acontecia nos Estados Unidos desde os anos 1950.
No atual governo de Trump as coisas se amplificaram. Com as megatarifas, a teoria do livre comércio foi deixada de lado, inclusive com ostensivo esvaziamento da importância da Organização Mundial do Comércio (OMC). Hoje, os Estados Unidos praticam tudo que combatiam há décadas, como implantação de subsídios, incentivos fiscais e exigências de conteúdo local.
E o Brasil? Como nosso país pode ser protagonista nessa nova era da geoeconomia?
Somos um grande player na área de alimentos, talvez o segundo maior do mundo. E nossa força ficou clara no momento em que Trump teve que rever as megatarifas e até eliminá-las para inúmeros produtos, como café, carne e outros.
Temos porte para atuar também em outras áreas. Uma delas é a de energia. Apenas países pequenos possuem uma matriz energética tão fortemente baseada em energia limpa como o Brasil. Hoje os países europeus já falam que só comprarão produtos feitos com uso de eletricidade gerada por fontes limpas, como sol, vento e água. Nós temos então toda condição de hospedar essas empresas que estão em busca desses fatores.
Um bom início seria hospedarmos os mega data centers. Com o crescimento do uso da inteligência artificial, essas instalações já respondem por 2% da energia elétrica consumida nos Estados Unidos e provavelmente na China. Nesses países, a energia elétrica é gerada com fontes fósseis ou carvão, ambas altamente poluidoras e emissoras de CO2. Não seria o caso de o Brasil atrair esses data centers para cá?
O fato é que, se o desejo de salvar o planeta for verdadeiro, o Brasil se apresenta como nação fundamental. Isso nos fortalece do ponto de vista geopolítico e é um bom exemplo do que trata a geoeconomia.


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