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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Há 95 anos, o ditador Getúlio Vargas criava a famigerada OAB



Há  95 anos, em 18 de novembro de 1930, o Brasil assistia ao nascimento de uma das instituições mais controversas do país: a Ordem dos Advogados do Brasil. Criada pelo Decreto nº 19.408, assinado por Getúlio Vargas logo após assumir o poder pela via de um golpe, e regulamentada posteriormente pelo Decreto nº 20.784, de 1931, a OAB instalou-se oficialmente em 9 de março de 1933, sob a aura solene típica dos projetos estatais concebidos no período varguista.


Como quase tudo que emergiu daquele ambiente político, a criação da OAB não foi um gesto espontâneo de valorização da advocacia, tampouco uma resposta a demandas democráticas. Foi, antes, um produto direto da mentalidade corporativista que estruturou o Estado Novo e que Vargas já vinha antecipando desde o início de seu governo provisório. Em nome de uma suposta “organização das classes”, o regime implantou um modelo estatal de controle profissional que incorporava corporações ao aparelho político, disciplinando-as, moldando-as e submetendo-as a uma lógica de tutela.


A Ordem dos Advogados do Brasil nasceu assim: não como fruto da autonomia dos advogados, mas como uma construção autoritária destinada a regulá-los. E essa marca de origem jamais desapareceu — ao contrário, moldou profundamente o que a instituição viria a ser.


Uma entidade criada para o Estado, e não para os advogados


Ao instituir um Conselho Federal com atuação nacional e poderes amplos sobre o exercício da profissão, Vargas consolidou uma estrutura que, desde sua origem, carregava traços corporativos, centralizadores e profundamente intervencionistas. A OAB não emergiu como uma organização sindical livre, nem como uma associação voluntária de profissionais. Foi criada por decreto, imposta de cima para baixo e estruturada para ser mais um braço do Estado na administração das categorias.


Esse modelo, que hoje seria visto como típico de regimes iliberais, foi vendido como modernização. Na prática, significava controle.


Ao contrário do que ocorre com outras profissões, que podem se organizar livremente por associações civis, os advogados brasileiros passaram a ser obrigados, por lei, a se submeter à OAB. E essa obrigatoriedade — típica de regime autoritário — permanece intocada até hoje.


A perpetuação da tutela: anuidades, fiscalizações e poderes quase estatais


Passadas quase dez décadas, a OAB frequentemente age como se fosse um “Estado paralelo”, dotado de privilégios que escapam ao controle republicano. Cobra anuidades consideradas abusivas por muitos profissionais, pratica atos de poder público sem estar submetida ao mesmo regime de transparência e de controle que a Administração Pública deve respeitar, e exerce influência política direta, sem que seus dirigentes passem pelo crivo democrático do sufrágio universal.


A ironia histórica é evidente: uma instituição criada no berço do autoritarismo conseguiu preservar, no regime democrático, poderes que nenhuma entidade corporativa deveria ter.


A OAB julga e pune advogados administrativamente, condiciona o exercício profissional a um registro compulsório, arrecada centenas de milhões de reais todos os anos e se posiciona politicamente com amplitude nacional — tudo isso sem responder ao Tribunal de Contas da União, sem se submeter à Lei de Acesso à Informação e sem prestar contas efetivas à sociedade.


É um modelo que afronta diretamente princípios liberais elementares: a autonomia da vontade, a liberdade associativa e o equilíbrio republicano entre poder e responsabilidade.


A herança corporativista que persiste


A geração de advogados que viveu o Estado Novo talvez tivesse justificativas para aceitar estruturas de controle estatal sobre profissões. A de hoje não tem. A manutenção desse aparato — que, na origem, servia a um projeto autoritário — revela o grau de resistência do país a romper com sua herança varguista.


Num Brasil que busca modernizar suas instituições, é legítimo questionar por que advogados continuam submetidos a um sistema compulsório e centralizado, criado por um ditador há quase um século.


Por que não se admite a existência de uma advocacia verdadeiramente livre, plural, organizada por associações voluntárias, submetida a controles democráticos e não a um monopólio corporativo?


Um debate que se impõe


À medida que o país revisita suas tradições autoritárias, a criação da OAB deve ser analisada não como um capítulo neutro da história profissional, mas como parte do projeto de Estado que Vargas tentou implementar — um projeto que subordinava categorias ao poder central.


Noventa e cinco anos depois, permanece o desafio: libertar a advocacia brasileira do peso de uma instituição que, nascida sob o signo do autoritarismo, ainda reproduz traços desse passado.


A crítica não é à defesa da classe, nem ao papel institucional que a OAB por vezes desempenha na proteção do Estado de Direito. A crítica é à estrutura, à compulsoriedade, aos privilégios, ao modelo político fechado e à ausência de prestação de contas.


Enquanto não revisarmos essa herança, a advocacia brasileira continuará carregando o fardo de uma criação que jamais foi desenhada para a liberdade, mas para o controle.

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