Movimento estudantil O ano de 1968 - Blog A CRÍTICA

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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Movimento estudantil O ano de 1968


Um ano que ainda ecoa nos dias de hoje, pela imensa quantidade de acontecimentos em vários setores da sociedade.
No Brasil e no mundo, 1968 representou transformações profundas, manifestações reais, revoltas genuínas, explosões culturais. O capitalismo se modificava, a industrialização delineava novos processos de produção. No mundo socialista, a economia da URSS, segunda potência mundial, apresentava os primeiros sinais de crise, com reflexos em vários países do Leste Europeu.
Estudantes faziam barricadas nas ruas de Paris. Movimentos de contestação eclodiam na Alemanha, Bélgica, Espanha, Itália, Japão, assim como nos Estados Unidos, onde universitários se posicionavam contra a guerra do Vietnã.
No Brasil, a juventude também protestava. contra a grave situação das universidades e contra o regime militar. O movimento estudantil buscava melhorias no sistema educacional, a justiça social, o direito de se manifestar livremente, o desejo de transformar o mundo.
Contudo, como explicar por que eclodiu tanta coisa ao mesmo tempo no mundo em 1968?
De fato, o mundo inteiro se preparava para uma terceira evolução industrial. Havia um processo de transição dentro do capitalismo em países ditos desenvolvidos como os da Europa e os Estados Unidos, desencadeando uma série de desequilíbrios, inovações, distorções e eventualmente até reduções.
As mudanças se iniciaram no início dos anos 60, com a evolução da cadeia de montagem da indústria Fordista para um tipo de indústria completamente diferente, que privilegiasse a automação, assim como a reformulação do próprio processo de trabalho.
Do mesmo modo, havia um desequilíbrio no mundo socialista. A URSS, segunda potência mundial, que havia feito uma revolução, enfrentava o declínio da sua taxa de aumento de produtividade, desestabilizando a economia e ocasionando uma grave crise interna.
Embora o triunfo soviético no que diz respeito à industrialização e ao desenvolvimento das tecnologias nuclear e espacial fosse efetivo, o regime estatal passou a não funcionar adequadamente, desde que a economia foi se tornando complexa, o país foi se urbanizando e a reserva de mão-de-obra e de energia barata desaparecendo.
O Brasil também vivia um momento de desequilíbrio. A economia do país avançava do setor agrário para o industrial e urbano, entretanto, acumulava problemas antigos que motivavam a luta pela reforma agrária e pela reforma urbana. O Golpe Militar de 64 foi um reflexo dessa transição, passando a realizar reformas por cima, com o olhar dos opressores e não dos oprimidos.
Se em todo o mundo, a juventude lutou contra o autoritarismo, no Brasil foi elemento propulsor das mudanças comportamentais e culturais. Ela se inseria na luta por mudanças por baixo, pela ótica dos oprimidos, questionando as estruturas arcaicas existentes no âmbito familiar, nas instituições universitárias, no sistema político.
Novas formas de expressão surgiam no cenário nacional. No segmento musical, a MPB, o tropicalismo, a revitalização do samba, assim como o rock, impulsionavam o espírito contestador da época. Da mesma forma, despontavam novas formas de relacionamento, com a conquista da liberdade sexual, em função do advento da pílula anticoncepcional.
Nesse contexto, o movimento estudantil crescia, se tornando a primeira força social a lutar por seus direitos, seja com relação à crise da universidade ou à resistência à ditadura militar. Estudantes reivindicavam a modernização do sistema educacional, transformando a universidade em instrumento do desenvolvimento social e nacional.
No Rio de Janeiro, além dos universitários, surgiram também manifestações de secundaristas. Uma das mais importantes relacionava-se ao Calabouço, restaurante que atendia aos estudantes, com preços populares.
O local, dirigido pela UME - União Metropolitana dos Estudantes - havia sido fechado pela ditadura militar após o Golpe de 1964. Em 1967, com o apoio da entidade, do CACO e demais diretórios, os estudantes conseguiram reabrir o restaurante em outro lugar, no Castelo. Porém, este havia sido entregue inacabado pelo governo. A luta dos comensais do Calabouço pela conclusão do restaurante traria a primeira das grandes manifestações de massa de 1968.

O ANO COMEÇA COM O CALABOUÇO
 
Manifestação pelo fim das obras do Calabouço

Rio de Janeiro, 28 de março de 1968.
Avenida General Justo, esquina com Santa Luzia - Centro
Estudantes secundaristas que diariamente faziam as refeições no Calabouço iriam realizar mais uma das inumeráveis manifestações pela conclusão do restaurante. Saíam para as ruas, quando a Policia Militar chegou atirando.
O resultado foi trágico: o restaurante foi depredado, muitos estudantes feridos por estilhaços de granadas e atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e um secundarista de 16 anos, Edson Luis Lima Souto, assassinado com tiro à queima-roupa.
Velório do secundarista Edson Luis, na Assembléia Legislativa
O jovem vindo do Pará para estudar no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo ao Calabouço, tinha como objetivo cursar a Faculdade de Medicina. Ele prestava serviços burocráticos e de limpeza ao Instituto para ajudar nos estudos.
De acordo com editorial do jornal Correio da Manhã, de 29 de março de 1968, “não agiu a Polícia Militar como força pública, agiu como bando de assassinos.... Há um estudante morto (16), um outro em estado gravíssimo (20). Um porteiro do INPS que passava pelo Calabouço também terminou morto.
Um cidadão que, na Rua General Justo, assistia da janela de seu escritório, ao selvagem atentado, recebeu um tiro na boca. Esse é o saldo da noite de ontem.”

Rio de Janeiro, 29 de março de 1968.
Cinelândia - Centro - Botafogo
Vladimir ajuda a carregar caixão de Edson Luis até o Cemitério São João Batista
Com receio que a Polícia Militar sumisse com o corpo de Edson Luis, os estudantes o levaram para ser velado na Assembléia Legislativa. A notícia da tragédia havia se espalhado. Pela manhã, uma multidão se acumulava com faixas e cartazes: “Bala Mata Fome”, “Assassinaram um estudante”, “Covardia”, “O teatro está de luto”, “Abaixo a Ditadura Fascista”, “Brasil, seus filhos morrem por você”.
Estudantes, operários, representantes sindicais se alternavam nos pronunciamentos contra a morte de Edson Luis.
No Jornal dos Sports, a manchete “E Podia Ser Seu Filho”, se referia ao slogan entoado durante a caminhada da Cinelândia ao Cemitério São João Batista, em Botafogo, para o enterro.
Mais de 50 mil pessoas tomaram as ruas, se engajando no que se tornara o primeiro grande ato de protesto contra o regime militar. Estudantes decretaram greve geral, entidades estudantis de vários estados solidarizavam-se através de telegramas à UME, sindicatos - dos bancários, professores e jornalistas -, bem como artistas de teatro e intelectuais demonstravam apoio ao movimento.
Pelo caminho, os estudantes recebiam aplausos e chuva de papel picado dos edifícios. Ao passar em frente à antiga sede da UNE, na Praia Vermelha, Vladimir Palmeira, presidente da UME - União Metropolitana dos Estudantes - e Elinor Brito, o presidente da FUEC - Frente Unida dos Estudantes do Calabouço -, subiram nas janelas do antigo prédio da entidade nacional e discursaram rapidamente.
movimento estudantil, 1968, vladimir palmeira,
No final do enterro, vários estudantes voltaram à frente da Assembléia Legislativa pra acender velas. Três tropas de choque da Polícia Militar foram enviadas ao local para dispensar o pessoal. Mais violência e prisões.

Rio de Janeiro, 01 de abril de 1968
Cinelândia - Centro
As lideranças estudantis haviam marcado um ato de protesto para essa segunda-feira. A concentração seria em frente ao prédio da Assembléia Legislativa. Os ânimos passam a se acirrar. Vladimir Palmeira sintetiza o sentimento de indignação em função dos acontecimentos.
movimento estudantil, 1968, vladimir palmeira,
O Jornal do Brasil, em seu editorial, “Educação e Polícia”, cita a pregação do Papa Paulo VI, em Roma, que demonstrava preocupação com o choque entre juventude estudantil e governos, em vários países do mundo.
De acordo com o JB, o Papa havia defendido uma ampla reforma do ensino para atender aos anseios da juventude, que buscava padrões mais altos de aprendizado, em virtude do progresso tecnológico.
Em seguida, o editorial critica o descaso com a educação no Brasil, por parte do governo, assim como a falta de interesse em se estabelecer um diálogo com os estudantes. “... a indiferença governamental pela Educação é o grande escândalo permanente no Brasil .... A Educação no Brasil é por excelência a vergonha nacional.”
Cavalaria sai às ruas para intimar estudantes
Nas ruas do Centro do Rio, entretanto, mais de cinco mil soldados da Polícia Militar agrediam com violência estudantes e populares que participavam da passeata de protesto.
Bombeiros apagam fogo em carro
Brucutus e cavalaria impediam a passagem na Avenida 13 de maio em direção à Cinelândia. No Largo da Carioca, jatos d’água e caminhões afastavam a manifestação.

Rio de Janeiro, 04 de abril de 1968
Candelária - Centro
A missa de sétimo dia de Edson Luis seria realizada na Igreja da Candelária, às 18h, pelo Vigário Geral do Rio, Dom José de Castro Pinto. As lideranças estudantis se unificavam cada vez mais. O presidente da UME, em entrevista coletiva publicada em vários jornais, informava a decisão de não realizar ato de protesto após a celebração, a intenção era dispersar a massa. Para Vladimir Palmeira, os estudantes não aceitariam provocações da polícia.
Contudo, a polícia já se encontrava nas ruas com o objetivo de dispersar a multidão. Bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas para impedir a entrada de estudantes e populares na Candelária. Durante a missa, a cavalaria cercou a saída da igreja, tanques do exército se posicionavam em locais estratégicos e agentes do DOPS permaneciam infiltrados no local.
Igreja da Candelária é cercada durante missa de sétimo dia de Edson Luis
Ao final da celebração, violência. Golpes de sabre em meninos, meninas, moças e senhoras. Bombas de gás voltaram a ser jogadas, cavalos atropelavam quem ousasse sair da Candelária.
Confronto entre polícia e estudantes na porta da Candelária 
Diante das cenas, um grupo de padres se posicionou. Todos se abraçaram formando um cordão de isolamento, tentando ajudar na dispersão dos estudantes. Mas a polícia foi implacável.
Padres defendem estudantes da polícia após missa de sétimo dia 

Rio de Janeiro, 9 de abril de 1968
Entrevista
As manifestações estudantis passaram a ter repercussão internacional. Vladimir Palmeira é entrevistado por um grupo de correspondentes estrangeiros sobre a crise política ocasionada após a morte do estudante Edson Luis.
- Mesmo depois de todas as violências policiais praticadas contra nós, os estudantes continuam dispostos ao diálogo, com a primeira autoridade que queira seriamente, discutir problemas educacionais e apresentar qualquer melhora, afirmava.
Durante a entrevista, são reafirmadas as reivindicações específicas dos estudantes, contra a privatização do ensino, a favor de mais verbas e mais pesquisa, e da federalização de todo o sistema universitário.
- O que os estudantes desejam são muitos técnicos que tenham capacidade de pesquisa para que se possa formar uma tecnologia verdadeiramente brasileira e uma indústria de características nacionais, declarava o presidente da UME, no jornal Correio da Manhã.

Rio de Janeiro, 24 de abril de 1968
Centro
Vladimir defende reabertura do Calabouço
Até o final do mês de abril, começam as tentativas de diálogo entre estudantes e autoridades governamentais. Buscando evitar confrontos com a polícia, Vladimir Palmeira consegue autorização do governador do estado, Negrão de Lima, para realizar manifestação a favor da reabertura do restaurante Calabouço. O governo havia oferecido bolsa alimentação à alguns alunos que freqüentavam o restaurante, porém todos aqueles que cursavam o Instituto Cooperativa de Ensino ficariam sem ter onde fazer as refeições. Seriam seis mil jovens nesta situação.
Estudantes se reuniram em frente ao Ministério da Fazenda, sendo observados de longe por tropas de choque da Polícia Militar.
Agentes do DOPS infiltrados, tentaram prender o presidente da FUEC, Elinor Brito, que conseguiu escapar ao entrar em um táxi.
O mesmo aconteceu com o presidente do DCE da UFRJ, Walmor Soares. Ao final, todos se dispersaram.

Rio de Janeiro, 01 de maio de 1968
Campo de São Cristóvão
Estudantes se uniram à classe operária para as comemorações do Dia do Trabalho, a favor das grandes manifestações e contra o arrocho salarial. Cerca de três mil pessoas compareceram ao ato, vigiadas por 500 soldados da Polícia Militar e viaturas do DOPS.
No palanque, discursaram políticos, líderes sindicais e representantes de entidades estudantis, como UNE e UME. O Senador Mário Martins, que esteve presente, mais uma vez solidarizava-se com a causa dos estudantes.
- Enquanto existirem resistências como a do Calabouço, nós lutaremos, disse.
 

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