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quarta-feira, 20 de junho de 2012

“Desinteresse por política ameaça democracia”, diz filósofo francês


Para o filósofo Francis Wolff, o desinteresse dos cidadãos pela política é uma ameaça à democracia. O apolitismo, afirma ele, abre caminho para que "políticos profissionais" cheguem ao poder e, sem sofrer cobranças, baixem medidas descoladas das necessidades e dos desejos dos cidadãos.

— O distanciamento entre governantes e governados é a negação da democracia — diz.

Wolff, francês, é professor de Filosofia na Escola Normal Superior de Paris e autor de livros como Aristóteles e a Política e Dizer o Mundo. Hoje, em Brasília, Wolff protagonizará o primeiro dos vários debates do Fórum Senado Brasil 2012.

De acordo com o filósofo, quando é governado por um tirano, o povo sonha com conquistar o poder. Mas, quando finalmente alcança a democracia, recusa-se a exercê-lo e abandona a política.

— O povo está para a democracia como don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia.
Wolff, que lecionou na Universidade de São Paulo (USP) nos anos 1980, deu a seguinte entrevista ao Jornal do Senado.

O que é o apolitismo?

O apolitismo é a recusa dos cidadãos, explícita ou implícita, em participar da vida da comunidade política e das escolhas que essa comunidade faz. É o desinteresse pela coisa pública. Na Europa, o apolitismo se manifesta quando o povo vota em grupos populistas e demagógicos (partidos de extrema direita, xenófobos) e quando se abstém em massa das votações. No Brasil, o apolitismo se manifesta quando os cidadãos se afastam dos políticos. Em vez de entrar no território ligado ao poder, os cidadãos se "retiram" para o território individual, familiar, religioso e até esportivo.

Por que o apolitismo é uma ameaça à democracia?

O distanciamento entre os governantes e os governados é a negação da democracia. É possível que o cidadão nem perceba que, quando ele procura "viver em paz", sem intrometer-se nos temas públicos, a política acaba se tornando um campo exclusivo dos "políticos profissionais". Como estão distantes do povo, esses políticos tendem a tomar medidas tecnicistas, orientadas por critérios técnicos, sem levar em consideração as opiniões, os interesses e as vontades da população. No dia a dia, o cidadão não se dá conta disso. Só percebe quando os políticos baixam alguma medida que realmente o prejudica.

O apolitismo pode levar à ditadura?

A possibilidade existe. O apolitismo cria "políticos profissionais", políticos que não distinguem entre público e privado, políticos corruptos. Isso, por sua vez, estimula partidos populistas e demagógicos a espalhar a ideia de que todos os governantes são corruptos e que é preciso "limpar" a política. Com tais argumentos, podem instaurar a ditadura.

O que leva os cidadãos a recusar a vida política?

O individualismo. Trata-se de um paradoxo, porque o individualismo é uma conquista feliz da democracia e, ao mesmo tempo, sua principal ameaça. A democracia deixa as pessoas livres para realizar, sozinhas, seus objetivos de vida. Mas, justamente por conseguirem preencher suas necessidades sem depender de outras pessoas, elas se preocupam menos com o grupo e se afastam da política — o que abre espaço para os "políticos profissionais".

De que forma se combate o apolitismo?

Não se trata de obrigar as pessoas a fazer política. Repito: o individualismo é uma das maiores conquistas da democracia. Trata-se de encontrar meios educacionais e institucionais que preencham a distância entre a comunidade e o poder. Pode-se reduzir o apolitismo por meio da educação para a cidadania, nas escolas, e por meio de campanhas. Há também soluções políticas, maneiras institucionais de melhorar o funcionamento da democracia. Para reduzir os votos brancos nas eleições, por exemplo, a Sérvia recentemente decidiu que, quando a porcentagem desse tipo de voto atingir certo patamar, nenhum candidato pode ser eleito. No caso do Brasil, boas medidas são a prestação pública de contas de políticos e governantes, o acesso dos cidadãos pela internet à informação pública e a divulgação de indicadores que permitam comparar gestores públicos. Cada país precisa encontrar seus próprios remédios.

Quando fala do apolitismo, o senhor costuma fazer uma comparação com o personagem don Juan.

Os momentos em que um povo é mais politizado são os períodos de transição, como o que o Brasil viveu nos anos 1980 e o que certos povos árabes viveram no ano passado. Mas, quando finalmente conquista a democracia, o povo tende a desinteressar-se da política. Eis outro paradoxo. O interesse do povo é conquistar o poder, e não exercê-lo. O povo execra os tiranos, aqueles que exercem o poder contra ele, mas tem horror de exercê-lo ele mesmo. Usa sua liberdade para não ocupar esse lugar. É por isso que digo que o povo está para a democracia assim como don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia.

O senhor viveu no Brasil nos anos 1980. Do que mais se lembra?

Eu tive a sorte de morar no Brasil entre 1980 e 1984. Peguei desde a Lei da Anistia, no governo Figueiredo, até as grandes manifestações das Diretas Já. No meu voo de Paris para São Paulo, voltavam para o Brasil os últimos intelectuais exilados. Foi a época da minha vida em que mais aprendi do ponto de vista político. Eu sempre escutava que "um povo sem passado nem cultura democrática não está maduro para a democracia". No Brasil, aprendi que isso é bobagem, pura bobagem. O povo brasileiro conseguiu fazer uma transição democrática exemplar, que até agora está absolutamente fiel aos seus objetivos.

Jornal do Senado - Ricardo Westin

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