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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Quem está a atrasar a divulgação de dados sobre crianças com malformações de nascença no Iraque?

Observadores afirmam que estão prestes a conseguir as dados concretos necessários para provar que os iraquianos estão a sofrer com uma desproporcional taxa de defeitos de nascimento e cancros, provavelmente devido à enorme poluição causada pela guerra. Artigo de Kelley B. Vlahos, em Antiwar.org
O bebé Seif, nascido no Hospital de Fallujah, no início deste ano. Foto: Donna Mulhearn
Então, qual é o problema? Ou devemos dizer, WHO é o problema? W.H.O., como em Organização Mundial de Saúde.
A Organização Mundial de Saúde, OMS, é o setor das Nações Unidas para a saúde pública tendo como tarefa "fornecer liderança nas questões de saúde global, dar forma à agenda de investigação em saúde, definir normas e padrões, articular opções de política baseadas em dados, fornecer apoio técnico a países e monitorizar e avaliar as tendências em saúde". Atualmente a OMS está a fornecer "assistência técnica" ao Ministério da Saúde (MS) do Iraque num estudo muito aguardado sobre deficiências de saúde congénitas em 18 distritos iraquianos, incluindo Fallujah e Basra – lugares que reportaram altas taxas de bebés nascidos com terríveis doenças desde que a guerra começou. Basra, consequentemente, relatou incidentes mais elevados de cancro também, desde a primeira guerra do Golfo Pérsico. Veja alguma da cobertura anterior do Antiwar aqui.
O problema é que os resultados do estudo que começou em maio de 2012 eram esperados no início de 2013. Tanto médicas como defensores dos direitos humanos se perguntam porque foram adiados – a partir de hoje por tempo indeterminado. Querem respostas agora.
"É extremamente importante para o povo iraquiano que estes dados sejam publicados e de forma rápida e transparente," disse Doug Weir, coordenador da Coligação Internacional para a Proibição de Armas de Urânio. "Sem mais atrasos, a revisão independente do estudo por pares [especialistas] é a única forma de garantir a confiança pública no processo."
Quando contactado pela Antiwar, Tarik Jasarevik, porta-voz da OMS, disse que a divulgação dos dados estava nas mãos dos iraquianos do MS. Quando chegamos até ao Dr. Mohamed Jaber, apresentado como conselheiro para o Ministério da Saúde e vice-presidente da Comissão Diretora encarregada do estudo no Iraque, ele disse-nos que competia à OMS determinar a data de publicação. Na continuação das averiguações, Jasarevik disse que se o MS "nos pedisse para divulgar em seu nome, a OMS o faria."
Isso poderia ser já em setembro, disse Jasarevik à Antiwar.
Uma longa explicação no site da OMS dá uma pista para o atraso do relatório até agora. Depois de uma olhada em junho aos dados preliminares "estabeleceu-se que este vasto conjunto de dados tem uma grande quantidade de informações potencialmente valiosas e que análises adicionais, inicialmente não consideradas, devem ser feitas". Também será revisto por pares". Uma equipe de cientistas independentes está agora a ser recrutada" e as conclusões principais serão divulgadas pelo governo iraquiano depois de "esses etapas estarem finalizadas."
Os críticos dizem que o tempo é essencial (Fallujah, que foi cenário de duas enormes ofensivas militares dos EUA em 2004 reporta deficiência em 144 por 1000 bebés nascidos; Basra reporta um aumento de 60 por cento em deficiência entre seus próprios nados-vivos) e suspeita que os atrasos sejam motivados politicamente.
"Acredito que o governo iraquiano está a corresponder à pressão dos EUA para manter a questão desapercebida", acusou Donna Mulhearn, uma ativista australiana anti-guerra que viajou várias vezes para Fallujah e entrevistou médicos, bem como famílias iraquianas afetadas. O grau dos horrores físicos que ela e outros relataram ao longo dos últimos anos é estarrecedor: bebés que nascem com parte do crânio em falta, vários tumores, falta de genitais, de membros e olhos, danos cerebrais graves, taxas invulgares de parálise por espinha bífida (marcada por furos incríveis nas costas minúsculas dos bebés), encefalocele (um defeito no tubo neural marcado por saliências inchadas em forma de saco na cabeça) e muito mais.
Os médicos têm clamado por ajuda pelo menos desde 2010, momento em que foi entregue a John Simpson, correspondente da BBC, uma fotografia de um bebé nascido em Fallujah com duas cabeças. Às mulheres era dito para pararem de engravidar. Um estudo de 2010, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, declarava que tinha sido encontrada malformação congénita de vários tipo em 15% dos nascimentos em Fallujah – sendo os defeitos no coração os mais comuns, seguidos por defeitos no tubo neural.
Em 2011, os médicos de Fallujah relatavam dois defeitos de nascimento por dia, em comparação com dois por quinzena em 2008. Mais recentemente, frente às câmaras da BBC, o Dr. Mushin Sabbak, que trabalha no Hospital de Maternidade de Basra, disse acreditar que "mercúrio, chumbo, urânio" da guerra são responsáveis pelo que o seu hospital alega ser um aumento de 60 por cento em defeitos de nascimento. "Não temos mais nenhuma explicação a não ser esta", disse.
Quando Mulhearn visitou o Iraque ainda este ano disse que a situação permanecia inalterada. Se mudança havia, era para pior. "Havia cinco bebés aí nascidos que conhecemos – dois deles morreram. E isto continua”, disse-nos em abril.
"Quando estive no Iraque, no início deste ano, houve uma sensação definitiva de medo e intimidação entre médicos que sentiram a pressão do governo para não falar sobre o aumento dos níveis de cancro e defeitos de nascimento," recordou Mulhearn à Antiwar na semana passada numa conversa por correio eletrónico.
"Um especialista em cancro de Basra foi retirado dum lugar de responsabilidade no hospital, porque foi franco sobre a questão da radiação causada pela poluição de urânio empobrecido e sobre o que acredita ser o terrível impacte na saúde dos iraquianos na região de Basra. Estava nervoso por nos dar uma entrevista filmada por causa de possíveis consequências."
Entretanto a Drª Mozhgan Savabieasfahani, toxicologista ambiental de Michigan, que tem estado a estudar obstinadamente e a falar abertamente sobre o que ela acredita serem defeitos causados pela poluição da guerra, escreveu o seguinte num editorial de 11 de agosto para a Al Jazeera:
No Iraque, os detritos da guerra continuam a desgastar e a corroer cidades populosas. Tais detritos incluem os destroços de tanques e veículos blindados, camiões e munições militares abandonadas, assim como restos de balas e bombas. Deixados intocados, os detritos atuarão como reservatórios de tóxicos perigosos, libertando substâncias químicas nocivas para o ambiente e envenenando pessoas que vivem nas proximidades.
Hoje em dia um número crescente de defeitos de nascimento está a emergir em muitas cidades iraquianas, incluindo Mosul, Najaf, Fallujah, Basra, Hawijah, Ninive e Bagdade. Em algumas províncias, a taxa de cancro também está a aumentar. Esterilidade, abortos repetidos, nados-mortos e defeitos de nascimento graves – alguns nunca descritos em livros médicos – são um forte peso sobre as famílias iraquianas.
Savabieasfahani questiona também o atraso do estudo da OMS:
Toda a gente sabe que estudos epidemiológicos em larga escala são caros de financiar e desencadeiam propostas altamente concorrentes. É uma questão de rotina incluir nessas propostas uma temporização detalhada desde o princípio – não no fim. O cronograma inclui habitualmente uma estimativa de tempo para análise e re-análise dos dados, seguidas da publicação das conclusões (isto é, com revisão por pares). Isto normalmente significa que há um calendário claro e definido em que se espera que os dados sejam publicados. A data de divulgação originalmente relatada, novembro de 2012, passou já há muito.
Repetidos atrasos e novas desculpas para mais atrasos deixaram muitos observadores confusos, e preocupações mais profundas têm sido expressas. Falhas críticas no desenho do estudo da OMS passaram a estar no centro das atenções, principalmente ter-se evitado que o estudo tenha qualquer questionamento sobre a causação.
Isto vai ao cerne das questões, com certeza. Se vai examinar a prevalência de defeitos congénitos do nascimento nos 18 distritos identificados, o estudo "não pretende estabelecer associações causa-efeito entre a prevalência [de defeitos de nascimento congénitos] e fatores de risco ambientais". Por outras palavras, os resultados podem muito bem dizer que há uma taxa desproporcional de anormalidades em bebés nascidos de mães após a guerra em Fallujah e Basra, mas não vai dizer se há uma correlação direta entre metais pesados – incluindo o urânio empobrecido – no ar ou em águas subterrâneas.
Isto "continua a alarmar muitos cientistas e profissionais de saúde pública", escreveu Savabieasfahani.
Ela e outros fazem notar que há uma série de estudos, independentes e revistos por pares, que fizeram já essas ligações. Contudo, a Organização Mundial de Saúde, trabalhando diretamente com o governo iraquiano, deveria dar a resultados semelhantes uma urgência oficial que os estudos anteriores não puderam dar. A ostensiva hesitação destas instituições está a alimentar teorias de que está aqui em causa alguma pressão superior – do governo dos EUA talvez.
Exemplo: na história acima mencionada da BBC de março, entrevistaram dois funcionários da OMS – com câmara – dizendo que o relatório MS /OMS irá mostrar os números em escalada dos defeitos de nascimento nas cidades que sofreram intensos combates na guerra. As mulheres (sem nomes) aparecem a dizem que acreditam que as munições explodidas tinham ligação com o aumento de defeitos de nascimento nestas áreas. Quando questionado sobre isso no dia 15 de agosto, o Dr. Jaber negou veementemente que qualquer das suas pessoas tenha dito tal coisa.
Quando a BBC fez perguntas sobre as alegações das mulheres na história de março, o Pentágono não respondeu. Os funcionários britânicos disseram que estavam à espera dos resultados oficiais do estudo antes de quaisquer comentários.
O que está em consonância com a maneira como os militares dos EUA têm lidado desde o início com estas alegações. Eles ou rejeitam as declarações rotundamente ou ignoram os apelos dos repórteres para que as comentem. A ideia de que sobras de urânio empobrecido tanto da primeira como da segunda guerra do Golfo possam ter aqui um papel (sabemos que foi usado – como explico em artigos anteriores sobre o assunto no Antiwar e no American Conservative - mas não quanto) é muito destacada entre defensores e críticos. O Pentágono afirmou contundentemente que "nenhum estudo até à data" indicou ligação entre as munições de guerra e "problemas de saúde específicos", relacionadas com o que está a acontecer em lugares como Fallujah hoje.
Isto não é verdade, claro. Há esta análise, que mostra um aumento no cancro e na mortalidade infantil em Fallujah (2010). Enquanto isso, Savabieasfahani tem trabalhado nos seus próprios estudos, como este, que apontam para níveis mais elevados de chumbo e mercúrio em crianças em Basra, onde se observaram surpreendentes níveis de cancro e defeitos (2012). Ora a ênfase é sempre posta em ser "oficial", e se antes os porta-vozes do Pentágono podem ter completamente ignorado este crescente corpo de conclusões, poderão não conseguir afastar da mesma forma mais dados com a autoridade duma OMS e dum MS.
Talvez seja isto de que eles têm medo.
No entanto, o apelo à ação está a crescer. Samira Al'aanii, uma médica em Fallujah, que tem trabalhado "como pediatra desde 1997 em Fallujah, começando em 2006 a notar que algo estava errado e a registar os casos" de defeitos de nascimento , iniciou uma petição em Change.org pedindo à OMS e ao MS para divulgar os dados logo que possível. Até 16 de agosto atingiu 6000 assinaturas, uma delas de Hans von Sponeck, ex-Coordenador Humanitário das Nações Unidas para o Iraque, que escreveu no mês passado no website:
A investigação de defeitos congénitos realizada em Fallujah é uma parte crucial da investigação no Iraque sobre os efeitos das munições estrangeiras ilegalmente utilizadas contra a população civil do Iraque. Deve ser dito à OMS que não pode fugir novamente à responsabilidade de publicar os dados que possui. A proteção da impunidade não pode ser a resposta a crimes cometidos, dada por uma importante agência das Nações Unidas.
Al'aani disse a Weir, numa entrevista recente, que o MS estava prestes a lançar um estudo semelhante feito com a OMS em 2001 por causa de preocupações de que remanescentes da guerra do Golfo tenham estado a causar um aumento nas taxas de cancro e nas deformidades entre crianças iraquianas.
"O urânio empobrecido das munições dos EUA e do Reino Unido estava entre os fatores de risco ambientais a ser investigado," disse Al'anni a Weir na entrevista.
"Ao fim de seis meses, os planos estavam em desordem. Enquanto Bagdade tinha iniciado o projeto, a OMS tinha anunciado, após consulta, que quaisquer custos associados aos projetos tinham ser suportados pelo próprio Iraque" disse ela. "O governo iraquiano, convencido de que os problemas de saúde tinham sido causados pela guerra do Golfo de 1991, e eram portanto culpa dos EUA e seus aliados, recusou-se a cooperar. Preocupações políticas tinham suplantado as necessidades do povo iraquiano".
Há agora tanta poluição no Iraque que aqueles que não querem acreditar que as máquinas de guerra dos EUA e Reino Unido sejam diretamente responsáveis pelos efeitos na saúde podem certamente sugerir outros culpados. A infraestrutura do país está em ruínas e o governo iraquiano dificilmente terá sido um modelo de urgência quanto a preocupações no que toca à reconstrução e à segurança ambiental da água potável e dos esgotos. Podemos encontrar histórias de antes da guerra em que esgotos industriais eram despejados nos rios Tigre e Eufrates, as principais fontes de água, transporte e lazer para milhões de iraquianos. Mas depois da guerra, em particular, reconhecemos que o grau de poluição está muito para além da capacidade de solução das comunidades locais.
É uma sorte nem toda a gente estar doente, mas realisticamente não sabemos quantos estão doentes nem quando ocorrerão manifestações de partir o coração ao longo de uma geração – ou duas, ou possivelmente mais. É aqui que entram as instituições de saúde pública como a OMS e o MS e que entram os bebés. Precisamos de conhecer não apenas a extensão dos defeitos de nascimento, mas porquê.
A esse respeito, eles têm o futuro do Iraque nas mãos.


Artigo publicado em  Antiwar.org

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