As mentiras do Google e da Microsoft - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As mentiras do Google e da Microsoft

Durante anos as autoridades norte-americanas atacaram os Estados – China e Irão em primeiro lugar – que impõem aos seus cidadãos restrições de acesso e uso da internet. As revelações de Edward Snowden sobre a extensão do sistema de vigilância das telecomunicações globais estabelecido por Washington só reforçam as dúvidas que já pesavam sobre a sinceridade de tais críticas. Mas o problema vai muito além da mera hipocrisia.
Em 2010, uma comissão de investigação do Departamento de Comércio dos Estados Unidos apontou a preocupação dos principais atores do setor digital.1 Nos seus relatórios à comissão, eles empenhavam-se em denunciar a política dos Estados Unidos em relação à web, não sem tomar diversas precauções – por exemplo, nunca mencionaram diretamente o programa Prism da National Security Agency (NSA).
A TechAmerica, associação surgida em 2009 que reúne 1,2 mil empresas, criticou a disposição do Federal Bureau of Investigation (FBI) em estender a lei que regulamenta a vigilância eletrónica a todo o conjunto dos meios de comunicação. E em sugerir que essa mudança poderia servir de “modelo” para outros países, com “consequências tão ou mais desastrosas para as liberdades civis”. A associação pediu então o estabelecimento de políticas que “garantam a livre circulação da informação, aqui, no país”.2
Sempre evitando ser muito específica, a Microsoft avaliou que no exterior “os utentes também expressavam preocupações relativas ao armazenamento dos seus dados nos Estados Unidos, porque tinham a impressão de que o governo norte-americano poderia aceder-lhes livremente”. Antes de concluir: “Os Estados Unidos e os outros países devem levar em consideração o impacto das suas políticas nacionais” sobre o resto do mundo.3 Mais tarde ficámos a saber que a empresa fundada por Bill Gates colaborava com a NSA, ajudando a contornar softwares de criptografia e a intercetar e-mails, conversas no Skype e outros serviços on-line hospedados pela transnacional.4
Censura e hierarquização dos conteúdos
Na corrida da hipocrisia, o Google não é exceção. “Proteger e promover a circulação de informação e a livre expressão são valores fundamentais do Google”, vangloriava-se a empresa em 2010; ela protestou contra “os Estados [que] introduzem ferramentas de vigilância na sua infraestrutura de internet” e pediu aos Estados Unidos, “berço da internet”, que “continuassem a encarnar um exemplo de regulação responsável, que permite a indivíduos e empresas beneficiar da livre circulação da informação digital”.5 O Google havia, há muito tempo, negado à NSA o acesso aos seus servidores, mas recentemente um documento em PowerPoint da agência de segurança desmentiu-a: o gigante da busca on-line teria, sim, colaborado com o serviço de espionagem norte-americano, assim como Yahoo, Facebook, Apple, America on Line (AOL) e Microsoft.6
Um grupo de pressão influente que reúne empresas de todos os tamanhos (e 200 mil milhões de dólares em receitas anuais combinadas), a Computer & Communications Industry Association (CCIA) também mostrou uma posição virtuosa: “Devemos reconhecer que a liberdade da internet começa em casa”, declarou à comissão. “Devemos desencorajar a censura, a vigilância, o bloqueio e a hierarquização de conteúdos. Se tais procedimentos forem inevitáveis, devem ser limitados no tempo, utilizados da maneira devida e com toda a transparência. Por fim, não devemos transformar-nos em polícia da internet no lugar dos outros intermediários técnicos on-line [sites de hospedagem, fornecedores de acesso]. Se os Estados Unidos não puderem manter uma internet livre e aberta, é pouco provável que outras nações o façam.”7
O efeito boomerang da vigilância
O alvo óbvio desses comentários era um projeto de lei que submeteria os intermediários da internet a novos controles draconianos. Após dois anos de luta, o texto foi finalmente enterrado. Em retrospetiva, no entanto, as observações dessas empresas ao Departamento do Comércio parecem fortemente direcionadas a interesses próprios. Ao contrário da NSA, a Microsoft, o Google e as outras anteciparam o efeito boomerang dos programas de vigilância norte-americanos que, uma vez descobertos, não prejudicariam apenas Washington, mas também a reputação dessas transnacionais e, portanto, os seus interesses económicos. O desafio é considerável, pois, como destaca a CCIA, “quando discutimos livre circulação de informação na internet a nível global, estamos a falar de biliões de dólares”.8
Muitos países controlam as atividades on-line da sua população, mas os Estados Unidos fazem-no numa escala jamais alcançada, transformando-se em “Estado de vigilância global”, nas palavras do especialista Tom Engelhardt. E com a cumplicidade de muitos atores, dos sites de busca às páginas de compras on-line, das redes sociais às operadoras de telecomunicações. Para mudar essa direção, seria preciso retomar os debates de 1970-1980 sobre a necessária responsabilidade democrática das redes de telecomunicações.
Artigo de Dan Schiller, professor de comunicação na universidade Urbana-Champaign (Illinois), autor de How to think about information, University of Illinois Press, Chicago, 2006.


1 “Global Free Flow of Information on the Internet” [Livre fluxo global de informação na internet], Departamento de Comércio, Registro Federal, 75 (188), Washington, 29 set. 2010.
2 Relatório da TechAmerica à comissão de inquérito “Global Free Flow of Information on the Internet”, Departamento de Comércio, 6 dez. 2010.
3 Relatório da Microsoft à comissão de inquérito “Global Free Flow of Information on the Internet”, op.cit.
4 Glenn Greenwald, Ewan MacAskill, Laura Poitras, Spencer Ackerman e Dominic Rushe, “How Microsoft handed the NSA access to encrypted messages” [Como a Microsoft entregou à NSA o acesso a mensagens criptografadas], The Guardian, Londres, 11 jul. 2013.
5 Relatório do Google à comissão de inquérito “Global Free Flow of Information on the Internet”, op.cit.
6 Charles Arthur, “Google is not ‘in cahoots with NSA’, says chief legal officer” [Google não faz “conluios com a NSA”, diz diretor jurídico], The Guardian, 20 jun. 2013.
7 Relatório da Computer & Communications Industry Association à comissão de inquérito “Global Free Flow of Information on the Internet”, op.cit.
8 Idem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages