Vicenç Navarro: Os erros das teses do decrescimento econômico - Blog A CRÍTICA

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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Vicenç Navarro: Os erros das teses do decrescimento econômico


Neste artigo Navarro critica os supostos malthusianos que configuram grande parte do pensamento conservador que existe em alguns movimentos ecologistas.

Publicado por Vicenç Navarro na coluna “Dominio Público” no diário PÚBLICO, da Espanha

Uma característica dos movimentos ecologistas na Europa é sua enorme diversidade ideológica, o qual se considera como una de suas fortalezas, quando, a meu entender, poderia ser uma de suas debilidades. Um número considerável deles mostra uma sensibilidade malthusiana, que assume que os recursos naturais, como por exemplo, os recursos energéticos, são fixos, constantes e limitados, concluindo com isso que o crescimento econômico é intrinsicamente negativo, pois consume os recursos limitados que se irão esgotando com o tempo, criando uma crise global. Estes movimentos têm sido muito influenciados por Paul Ehrlich, o fundador do ecologismo conservador.

Na Europa, sem embargo, parece desconhecer-se o movimento ecologista de claras raízes socialistas (que liderou Barry Commoner, ao que considero um dos personagens mais lúcidos que já teve no movimento ecologista a nível mundial). Barry Commoner alertou das consequências reacionárias que o malthusianismo pode ter. E uma delas é o movimento a favor do recessão, ainda quando, inclusive aqui, depende do que se utilize para definir decrescimento. O decrescimento não é um conceito que possa definir-se sem conhecer que é o que está crescendo ou decrescendo. Não é o mesmo, por exemplo, crescer a base do consumo de energia não renovável, do que crescer a base do consumo de energia renovável. E não é o mesmo crescer produzindo armas que crescer produzindo os remédios que curam o câncer. O feito de que haja uma ou outra forma de crescimento é uma variável política , é dizer, depende das relações de poder existentes em um país e de que classes e grupos sociais controlem a produção e distribuição de, por exemplo, a energia. Barry Commoner somente mostrava como em Estados dos EUA nos quais tinha havido grande consumo de energia contaminante não renovável, este consumo havia variado a consumo de energia renovável, criando com isso inclusive mais crescimento econômico. O ponto de debate não é, pois, crescimento o não crescimento, sim que tipo de crescimento, o que é consequência de quem controla tal crescimento. Este é o ponto chave. Como assinalou Commoner, as fontes de energia têm ido variando historicamente e isso não tem sido resultado de mudanças tecnológicas (como por regra geral se explica), sim de mudanças políticas. Utilizar uma forma outra de energia é um processo determinado politicamente.

O desconhecimento da história do socialismo

Esta é a realidade ignorada pelos malthusianos, que desconhecem também o enorme debate que há tido lugar sobre este tema na história do socialismo. Nos primeiros albores das revoluções socialistas, se criou que o socialismo era a luta pela distribuição da riqueza criada pelos meios de produção, aos quais se os supunha intrinsicamente positivos, meros instrumentos do progresso. Foi mais tarde que se questionou este suposto (que alcançou seu máximo exponente na União Soviética), pois estes meios de produção refletiam também os valores dos que os haviam desenhado. Uma fábrica de automóveis, por exemplo, reflete uns valores que determinam como, quando e onde se realiza la produção de bens e serviços nessa empresa. E estes valores eram os dominantes na sociedade capitalista que havia criado ditos meios. O protesto frente a esta interpretação do socialismo caiu expressada no famoso slogan de que “o socialismo não é capitalismo melhor distribuído”. Meu livro (conhecido no mundo anglo-saxão) crítico do produtivismo na União Soviética, Social Security in the USSR, Lexington Books, 1977, critico este produtivismo, predizendo, por certo, o colapso do sistema soviético. O livro foi proibido na União Soviética, considerando-me como persona non grata.

Um dos pontos que destaquei naquele livro era que o socialismo tinha que mudar não somente a distribuição dos recursos, sim a forma e tipo de produção. E para que isso ocorresse era fundamental mudar as relações de poder no mundo da  produção (com a democratização da produção, que é distinto à sua estatização) e mudar o motor do sistema, de maneira que o afã de lucro se substitua pelo afã de serviço às necessidades humanas, definidos democraticamente. Este foi um dos debates mais vivos que já houve dentro da sensibilidade transformadora socialista. Os debates sobre o significado da revolução cultural chinesa, por exemplo, com a vitória naquele país dos setores capitalistas dentro do Estado chinês, conduziram a China atual, onde o afã de lucro e o tipo de produção que condiciona tem dominado aquele processo, criando unas enormes desigualdades e crises ecológicas.

É obvio que um grande número de proponentes das teorias da recessão desconhecem esta historia. Assim, quando Florent Marcellesi (“La crisis económica es también una crisis ecológica”, Público, 09.10.13) assinala que o  socialismo e o capitalismo são iguais na insensibilidade à necessidade de mudar o tipo de produção e consumo, está ignorando estas discussões dentro do socialismo. E mais, me põe a etiqueta errônea, estereotipando o que segundo ele um sistema socialista é e/ou pensa. Critica-me por pertencer à visão produtivista do socialismo, visão que precisamente tenho criticado muito antes e mais intensamente que ele. Marcellesi escreve  “Vicenç Navarro afirma por exemplo que ‘se os salários foram mais altos, se a carga impositiva fora mais progressiva, se os recursos públicos foram mais extensos e se o capital estivera em mãos mais públicas (de tipo cooperativo) em lugar de privadas com afã de lucro, tais crises social e ecológica (e econômica e financeira) não existiriam’”. Esta frase está extraída de um artigo meu que assinalava como sair da crise. Florent Marcellesi indica que isso não é suficiente para prevenir o suposto esgotamento energético, e portanto as crises econômicas e ecológicas, pois adverte que “inclusive se redistribuíssemos de forma equitativa as rendas entre capital e trabalho, e todos os meios de produção estivessem em mãos dos trabalhadores, a humanidade seguiria necessitando os 1,5 planetas que consume hoje dia”.

Para chegar a esta conclusão (de que a mudança do projeto capitalista a um socialista não resolve o problema, pois os dois, o capitalismo e o socialismo, creem no crescimento econômico que esgotará os recursos), Marcellesi assume erroneamente que eu estou reduzindo o projeto transformador (minha proposta de como sair da crise) a uma mera redistribuição dos recursos, sem mudar nem o tipo nem a forma dos meios de produção, ignorando não só meus escritos, sim também a extensa bibliografia científica sobre a transformação do capitalismo ao socialismo, coisa que ocorre com grande frequência entre ecologistas conservadores que, como eu disse antes, desconhecem os intensos debates sobre os temas tratados derivados de outras sensibilidades políticas e de outros tempos. É óbvio que Florent Marcellesi desconhece a historia do socialismo, e me põe no lugar errado (na casa produtivista, a fim de poder chegar a suas conclusões). Como tenho indicado, e sido uma das vozes mais insistentes em mudar o tipo de produção no  projeto de transformação socialista, e não se dá conta de que a frase à cual me faz referência, sintetizando minha postura, tem os dois elementos –democracia e mudança do motor do sistema- que rompem com o determinismo produtivista que erroneamente me atribui. Não é meu objetivo polemizar com tal autor e agora figura política, sim responder a críticas ao socialismo baseadas em um desconhecimento de sua história.

O determinismo energético não pode substituir ao determinismo político

Outro ponto que eu acho  importante esclarecer em que as mudanças de produção  podem ocorrer dentro do capitalismo. O socialismo não é um sistema econômico e político que tem lugar no ano A, dia D, com a captura do Palácio de Inverno, mas faz e quebra diária e capitalismo. E é aí em que todo o movimento a favor do decrescimento parece  um feito bastante elementar, e, como indiquei acima, o problema não é o crescimento, mas o tipo de crescimento. Mais uma vez, Barry Commoner mostrou como o uso de novas tecnologias (de produção também determinam o crescimento econômico) permitiu aos EUA  usar os rios que antes eram completamente inabitáveis. E, mais uma vez, Barry Commoner  também mostra quantas formas de energia que são renováveis​​, substituem as mais tradicionais, não renováveis, e também determinam o crescimento. O problema não é que existam formas alternativas de energia , mas estas serem controladas pelos mesmos proprietários das não-renováveis. Em um momento de enorme crise com quase zero de crescimento, que é a criação de um grande drama humano, as vozes a favor do decrescimento parecem anunciar que é bom, assim, para salvar o planeta. Eles não percebem que eles estão fazendo o jogo do mundo do capital responsável pela crise econômica e ecológica.

Finalmente, vários esclarecimentos a muitas afirmações surpreendentes que estão sendo feitas por porta-vozes malthusianos, sem qualquer evidência de que apoie-as. Não é certo que o aumento do preço do petróleo e matérias-primas, se devam à sua escassez. Também não é verdade que a crise das hipotecas foi devido ao crescimento dos preços do petróleo. A crise financeira tem sido muito estudada e não pode atribuí-la ao aumento dos preços do petróleo e à inflação que criou. Também não é verdade que a profunda crise nos países do sul da Europa, seja devido à falta de energia. Esse determinismo energético (que é a energia que determina todo o resto) sabe que as relações de poder são derivadas da propriedade de produção e distribuição de bens e serviços, que formam a atual crise. O fato de que esses países estão em crise devido ao enorme poder que o capital tem sobre eles, em detrimento do mundo do trabalho, o poder se manifesta no tipo de produção (incluindo o uso de energia e consumir). A solução é uma mudança nessas relações de poder, com a democratização do Estado, o que resultaria em não apenas uma nova redistribuição mas nova produção. E é nesta estratégia, onde o socialismo e o movimento ambiental progressista podem se aliar e até convergirem. É uma pena que os escritos de Paul Ehrlich, refletindo a visão conservadora malthusiana do ambientalismo (e paradoxalmente recebeu um prêmio da Generalitat de Catalunya durante o tempo da tripartite) sejam conhecidos, enquanto Barry Commoner, o fundador do movimento ambiental progressiista nos EUA, apenas seja conhecido na Espanha. É mais um indício do conservadorismo que existe na vida intelectual e política do país (Espanha).

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