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domingo, 10 de agosto de 2014

Wikileaks revela que Israel trabalha para estrangular a economia de Gaza

Segundo demonstram telegramas divulgados pela Wikileaks, as ações para manter a economia da região "num nível precário, pouco acima de uma crise humanitária", têm vindo a ser discutidas há pelo menos cinco anos. 

Artigo de Charles Nisz, Opera Mundi.

Foto: Mohammed Omer/IPS
“Autoridades israelitas confirmaram diversas vezes aos funcionários da Embaixada (dos EUA) que a intenção do governo de Israel é manter a economia de Gaza a funcionar num nível precário, pouco acima de uma crise humanitária”. Este é o primeiro parágrafo de um telegrama enviado pela Embaixada dos EUA em Tel Aviv para Washington a 3 de novembro de 2008, divulgado pelo site Wikileaks na segunda-feira, 4 de agosto.
O telegrama faz parte de uma série de documentos divulgados pelo site dirigido pelo australiano Julian Assange sobre o conflito entre Israel e Palestina. Entre os assuntos abordados na correspondência da Embaixada em Tel Aviv estão a criação do Hamas, o uso de palestinos como escudos humanos pelas Forças de Defesa israelitas, o ataque deliberado a alvos civis em Gaza, o bombardeamento de hospitais e o corte de fornecimento de medicamentos aos habitantes de Gaza.
De acordo com o documento, o Conselho de Segurança Nacional de Israel controla a quantidade de dinheiro a ser disponibilizada mensalmente à Autoridade Palestina. O governo da Autoridade Palestina requisitava cerca de US$ 30 milhões por mês em 2009 como valor base de transferência, de modo a garantir os serviços básicos para a população palestina – 4 milhões de pessoas. A ideia era a manter serviços essenciais, mas sem o estabelecimento de comércio e negócios em Gaza.
Autoridade Palestina vs Hamas
No telegrama, a embaixada sugere ao governo do EUA o encorajamento das relações entre Israel e a Autoridade Palestina. Para os diplomatas, uma economia e um sistema bancário frágeis seriam benéficos para os radicais do Hamas. No entanto, o governo israelita prefere passar menos dinheiro aos palestinos de modo a que o Hamas não tenha acesso à moeda israelita e que a população de Gaza não tenha benefícios econômicos, mesmo que isso se traduza no fortalecimento do Hamas.
Noutro telegrama, datado de 23 de setembro de 1988, um diplomata americano fala sobre a visão política dos habitantes da Cisjordânia: “Muitos habitantes da Cisjordânia acreditam que Israel apoiou nos bastidores a criação do Hamas, ainda na década de 1980. O objetivo era dividir politicamente os palestinos". Philip Wilcox, responsável pelo consulado em Jerusalém, afirmava: “Não há apoio concreto, mas Israel faz 'vista grossa' às atividades do Hamas".
A estratégia israelita, segundo os documentos, era enfraquecer os partidos palestinos seculares, conforme mostra um telegrama de 29 de setembro de 1989. Com a ascensão do Hamas, mais radical e de orientação sunita, haveria menos espaço para entidades como a Organização para a Libertação da Palestina, órgão liderado por Yasser Arafat no passado, e atualmente do Fatah e da Autoridade Palestina. Sem a atuação de partidos moderados, Israel não precisaria de negociar com os palestinianos.
Abastecimento de alimentos
Além da força militar, o bloqueio israelita a Gaza limita o acesso a gêneros alimentícios, combustíveis e medicamentos ao território palestino. Com isso, a infraestrutura local funciona no limite, informa um telegrama enviado a 18 de setembro de 2009. A falta de medicamentos compromete o setor da saúde em Gaza e a estrutura elétrica e de saneamento no fim de 2009 regrediu ao nível de 2008.
Para se ter uma ideia, o fornecimento de alimentos na região em agosto de 2009 era de 2.600 caminhões. Isso representava 20% do total de alimentos que entravam em Gaza em junho de 2007. O fornecimento de combustível era capaz de abastecer apenas dois terços da central elétrica local. Para iluminar Gaza, os palestinos usavam petróleo egípcio, trazido através dos túneis na fronteira com o custo de US$ 0,60 por litro. Já o petróleo israelita custa US$ 1,80 por litro.
Instalações da ONU e alvos civis
O abastecimento de água e o saneamento também eram precários: cerca de 10 mil habitantes de Gaza não têm acesso à água. Outros 60% não têm acesso diário, com fornecimento intermitente. Apenas 10% dos 1,8 milhões de habitantes em Gaza tem água de acordo com os padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. Quando não são atacados militarmente, os palestinos estão sem água, sem luz e com fome: são economicamente estrangulados por Israel.
Já outro telegrama confidencial, despachado em 7 de maio de 2009, fala sobre uma carta enviada por Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, a confirmar ataques das forças israelitas às instalações da ONU em Gaza. “Sete dos nove ataques contra as nossas instalações em Gaza foram feitas pelo Exército de Israel. As forças de Israel não tiveram precaução de proteger a ONU, nem os civis refugiados nesses locais”. Esses ataques custaram US$ 11 milhões aos cofres das Nações Unidas.
Israel, conforme mostra um documento secreto de 30 de julho de 2009, usou palestinos como escudos humanos. A prática ocorreu na Operação Chumbo Fundido, uma ofensiva contra Gaza entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Além disso, o Exército israelita usou bombas de fósforo branco contra a população civil. Essas atitudes culminaram com a criação de uma entidade chamada “Quebrando o silêncio”.
Através dessa entidade, foram recolhidos os testemunhos anônimos de 26 soldados envolvidos na Operação Chumbo Fundido. Os depoimentos confirmaram o uso desproporcional de força militar, causando mortes e prejuízos económicos desnecessários para a população de Gaza. Outros documentos mostram como esse incidente não foi um facto isolado.
Ataque como política deliberada
Uma comunicação de 15 de outubro de 2008 mostra como o ataque a áreas civis era uma política deliberada de Israel. O documento faz referência à Doutrina Dahiya – assim batizada pelo general Gadi Eizenkot por causa do bairro de Beirute bombardeado durante a segunda guerra do Líbano em 2006. Na ocasião, Israel atacou a capital libanesa, destruindo a infraestrutura urbana e causando problemas para a população civil.
Nas palavras de Eizenkot, “Israel vai usar força militar desproporcional contra qualquer povoação que ataque forças israelitas, causando grande destruição”. O general foi específico: "não é apenas uma recomendação, mas sim um plano aprovado pelo governo de Tel Aviv – na perspetiva de Israel, não são apenas povoados, mas bases militares dos palestinianos”. Para Eizenkot, a segunda guerra do Líbano estendeu-se demais: “um outro conflito deverá ser resolvido de forma rápida e com vigor”.
São Paulo - 06/08/2014
Artigo publicado pelo Opera Mundi

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