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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Neutralidade climática, a balsa de sobrevivência lançada em Lima

Encontrar compromissos para reduzir as emissões de gases poluentes nos próximos anos é o desafio dos 195 países que participam na COP-20.

Artigo de Diego Arguedas Ortiz, da IPS.

Encerrados em salões sufocados pelo sol da capital peruana, delegados de 195 países procuram o caminho que permita ao planeta chegar à neutralidade climática durante a segunda metade deste século, o único mecanismo para evitar mudanças irreversíveis na dinâmica planetária, segundo instituições científicas e especialistas.
A neutralidade climática implica a redução das emissões anuais de gases causadores do efeito estufa a um ponto em que se possa capturar ou fixar a totalidade desses gases liberados. Para isso é fundamental acelerar a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis para outra fundamentada em energias renováveis.
Quando a 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Alterações Climáticas chega ao seu equador, aumentam os países do Sul em desenvolvimento que assumem a proposta de fixar a meta até 2050 de neutralidade climática, também conhecida como carbono zero.
“Os dados científicos são cada vez mais alarmantes”, disse à IPS a costarriquenha Giovanna Valverde, presidente pró tempore da Associação Independente da América Latina e do Caribe (Ailac), um grupo de governos regionais de rendimento médio que negociam em bloco na conferência, que começou no dia 1 e termina no dia 12.
O coordenador do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Alterações Climáticas (IPCC) mostrou-nos, na sessão plenária, os dados que demonstram a urgência em que nos encontramos. "Se colocamos o prazo de 2050 é para que todos possam aderir, mas os números são alarmantes e é bom se antecipar”, sublinhou Valverde.
Relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Agência Internacional da Energia e do IPCC coincidem sobre como alcançar a neutralidade: investir mais em energias limpas, reduzir o consumo de combustíveis fósseis, melhorar as práticas agrícolas, reflorestar e potencializar a eficiência energética.
A iniciativa de avançar nesse caminho mediante a neutralidade climática se converteu em um debate-estrela da primeira semana da conferência anual da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CMNUCC), mas falta muito para que se cristalize num compromisso dos países para garantir a transição para uma economia limpa.
Indústria poluente também marca presença na COP-20
Um relatório do britânico Overseas Development Institute conclui que as potências industrializadas e emergentes do Grupo dos 20 continuam investindo cerca de US$ 88 mil milhões anuais em subsídios aos combustíveis fósseis, em lugar de usar esse capital para impulsionar energias renováveis. Além disso, nos espaços da COP 20, o poder e o lóbi da indústria dos hidrocarbonos é palpável e não faltam na agenda encontros organizados por corporações transnacionais do setor, como o da anglo-holandesa Shell, pautada para hoje.
Valverde assegurou que a chave é “os países se comprometerem seriamente com a informação nas contribuições para redução de emissões, permitindo aos cientistas terem tempo entre 2015 e 2020 para comparar metodologias de países, fazer o somatório matemático e definir quanto falta reduzir”.
A Associação de Pequenos Estados Insulares (Aosis) divulgou um comunicado exortando os países industrializados a tornarem “mais ambiciosas” essas contribuições, reduzindo a dependência das energias sujas. Também pediu que o planeta alcance o nível de zero emissões em 2100, o que implica uma total eliminação do uso de combustíveis fósseis, tal como recomendou o IPCC no seu último relatório, apresentado no dia 2 deste mês.
Países como a Polónia, uma potência na produção de carvão, anunciaram sua rejeição à medida. A oposição polaca e de outros países dependentes de combustíveis fósseis entorpecem o avanço das energias limpas. A União Europeia (UE), por exemplo, não concorda com uma meta de longo prazo dentro do bloco e tampouco está segura se apoiará a neutralidade climática apresentada pela CMNUCC e impulsionada pelos países em desenvolvimento.
“A meta é parte das mitigações, é parte da discussão”, disse à IPS uma das condutoras das negociações pela UE, Elina Bardram, acrescentando que “é importante chegarmos a Paris com uma visão compartilhada”, referindo-se à COP 21, que acontecerá na capital francesa em novembro de 2015. “Isso nos dirá qual será a ambição para um futuro baixo em carbono. Não temos clara ainda a meta de longo prazo, mas naturalmente que levaremos em conta a visão do IPCC e de outros organismos científicos”, assegurou.
Em Paris deverá ser estabelecido um novo tratado climático, global e vinculante, que a partir de 2020 substitua o Protocolo de Kyoto. Mas antes, em Lima, deve ser definida a forma que terá o que muitos consideram o coração do novo acordo: as contribuições nacionais. Nessas contribuições está incluída a quantidade de redução com que cada nação se compromete, e em quanto tempo. A soma dessas contribuições deve ser suficiente para evitar os efeitos irreversíveis na dinâmica planetária da Terra.
Para conseguir isso, os países em desenvolvimento e a sociedade tanto do Sul como do Norte propõem uma mescla de redução dos incentivos às energias fósseis, reflorestamento, melhorias agrícolas e investimento em energias renováveis. Embora essas contribuições devam ser informadas oficialmente entre março e junho de 2015, alguns países já fizeram anúncios a esse respeito.
No dia 12 de novembro, em um anúncio conjunto em Pequim, os Estados Unidos prometeram reduzir, até 2025, entre 26% e 28% de suas emissões em relação aos níveis de 2005, enquanto a China se comprometeu a colocar um teto às suas emissões em 2030 e depois reduzi-las. Porém, os estudos científicos alertam que são necessários passos mais ambiciosos e mais rápidos.
As ações devem ser tomadas antes de 2020, segundo o Relatório sobre a Disparidade nas Emissões 2014, publicado em 19 de novembro pelo Pnuma, que analisa anualmente a diferença entre as ações atuais dos países e as necessárias para não haver graves consequências nas dinâmicas planetárias. “Esse documento deixa claro que, em certo ponto da segunda metade do século XXI, teremos que ter alcançado a neutralidade climática, ou, como alguns chamam, zero total, em termos de emissões globais”, explicou a secretária-executiva da CMNUCC, Christiana Figueres.
Segundo esse estudo, o pico das emissões mundiais deverá ocorrer nos próximos dez anos, seguido por ações para implementar mais energias limpas e reduzir o uso de combustíveis fósseis. Isso é conhecido como a “agenda de redução prévia a 2020” e a entrada em vigor do novo tratado. Até agora, em Lima, os delegados adiam a revisão dessas reduções pré-2020, envolvidos em lutas de procedimentos.
Agora, os países correm o risco de não acordarem as ações necessárias para reduzir as emissões de forma que a elevação da temperatura não ultrapasse os dois graus centígrados, e inclusive há vozes alertando que o aumento máximo deve ser menor, antes que ocorram efeitos irreversíveis no planeta.
“A nossa posição é que o aumento da temperatura não pode ser maior do que 1,5 grau centígrado, porque mais do que isso será extremamente nocivo”, destacou à IPS o nepalês Ram Prasad, coordenador do grupo de Países Mais Vulneráveis (LCD). A ação climática é urgente, pois cada ano que passa complica mais a situação para os países mais vulneráveis, que usualmente são as nações mais pobres do planeta, tornando a mudança climática um problema profundo de desigualdade, enfatizou.
O relatório do Pnuma conclui que para adaptar-se ao clima variável o mundo necessitará de aproximadamente três vezes mais do que os entre US$ 70 milhões e US$ 100 mil milhões anuais estimados até agora.

Artigo publicado no portal da IPS.

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