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domingo, 22 de março de 2015

O dinheiro do petróleo do Golfo está a sustentar o Estado Islâmico

Doadores privados de Estados do Golfo ajudam a suportar salários de até 100.000 combatentes do EI. 

Por Patrick Cockburn.

Abu Baqr al-Baghdadi declarou o califado em 29 de junho do ano passado.
Abu Baqr al-Baghdadi declarou o califado em 29 de junho do ano passado.

O estado Islâmico ainda recebe ajuda financeira significativa de simpatizantes árabes de fora do Iraque e da Síria, permitindo que expandam o seu esforço de guerra, afirma um alto representante curdo.

Os EUA têm tentado estancar essa ajuda de doadores privados de Estados do Golfo ao Estado Islâmico (EI, também conhecido pela sigla anglosaxônica de ISIS), que ajudam a pagar salários a um número de combatentes que pode passar os 100 mil.

Fuad Hussein, chefe de gabinete do Presidente Curdo, Massoud Barzani, disse ao The Independent no domingo: “Existe simpatia para com o Da’esh (termo árabe para Exército Islâmico) em muitos países árabes e isto traduziu-se em dinheiro, o que é um desastre.”. Ele salientou que, até recentemente, a ajuda financeira era dada mais ou menos às claras por Estados do Golfo à oposição na Síria – mas agora grande parte desses grupos foi absorvida pelo EI e pelo Jabhat al-Nusra, a filial da Al-Qaeda, pelo que são eles a “deter o dinheiro e as armas”.

O sr. Hussein não identificou os estados que financiam o EI atualmente, mas deu a entender que são os mesmos que financiaram rebeldes árabes sunitas no Iraque e na Síria no passado.

O Dr. Mahmoud Othman, um membro veterano da liderança curda do Iraque que recentemente se reformou do parlamento iraquiano, disse que havia um mal-entendido sobre o motivo porque países do Golfo financiam o EI. Não se trata apenas de esses doadores serem apoiantes do EI, mas também que o movimento “recebe dinheiro de países árabes porque estes o receiam”, afirma. “Há países árabes a dar dinheiro ao Da’esh para este prometer não desencadear operações nos seus territórios”.

Líderes iraquianos em Bagdade afirmam em privado suspeitas de que o EI – com um território do tamanho do Reino Unido e uma população de seis milhões numa luta em múltiplas frentes, desde Aleppo à fronteira iraniana – não seriam independentes financeiramente, dadas as solicitações aos seus escassos recursos.

O Estado Islâmico está a fazer tudo o que pode para expandir a sua capacidade militar, enquanto o primeiro-ministro Iraquiano, Haider al-Abadi, e o Comando Central Americano (CentCom) ameaçam com uma ofensiva mais adiante este ano, para recapturar Mossul. Independentemente da exequibilidade desta operação, as tropas do EI lutam em vários locais no norte e centro do Iraque.

Na terça-feira à noite efetuaram um ataque surpresa com um grupo de 300 a 400 combatentes, muitos dos quais norte-africanos da Tunisia, Argélia e Líbia, a forças curdas localizadas a 40 milhas a oeste da capital curda, Irbil. Os curdos afirmam que 34 combatentes do EI morreram em combates e por ataques aéreos dos EUA. Ao mesmo tempo, o EI lutava pelo controlo da cidade de al-Baghdadi, a várias milhas na província de Anbar. Apesar das previsões do porta-voz do CentCom na semana passada de que a maré tinha mudado e que o EI estava em retirada, não há grandes sinais disso no terreno.

Pelo contrário, o EI aparenta ter os recursos humanos e financeiros necessários para uma longa guerra, apesar de ambos poderem estar a escassear. De acordo com entrevistas telefónicas do The Independent a pessoas vivendo em Mossul, ou a refugiados recentes da cidade, responsáveis do EI estão a recrutar pelo menos um jovem de cada família de Mossul, que tem uma população de 1,5 milhões. Elaborou mesmo uma lista de severas punições a quem não queira combater, começando por 80 chicotadas e terminando em execução.

Todos estes novos recrutas recebem salário, além de comida e alojamento, que até recentemente era de 500 dólares por mês, mas que foi reduzido para cerca de 350 dólares. Oficiais e comandantes recebem muito mais. Uma fonte local que pediu anonimato diz que combatentes estrangeiros, de que se estima existam cerca de 20.000 no EI, recebem um salário maior – a começar em 800 dólares por mês.

Diz Ahmad, um lojista de 45 anos ainda a trabalhar em Mossul, que conhece “três combatentes estrangeiros”. Diz ainda “vejo-os normalmente em checkpoints na nossa vizinhança: um é turco e os outros europeus. Alguns falam um pouco de árabe. Conheço-os bem porque compram bebidas sem álcool nas lojas da nossa vizinhança. O turco é meu cliente. Ele diz que fala com a família por um serviço de Internet por satélite disponível para os estrangeiros, que têm excelentes privilégios salariais, sobre despojos e mesmo sobre pessoas capturadas”.

Ahmad acrescenta: “os combatentes do EI prenderam 4 professores de escolas secundárias por dizerem aos seus alunos para não se juntarem a eles”. Combatentes do EI entraram nas escolas e exigiram aos estudantes finalistas que aderissem. O EI também baixou a idade limite de adesão para baixo dos 18 anos, levando algumas famílias a abandonar a cidade. Foram ainda estabelecidas bases militares para o treino e armamento de crianças.

Dado este nível de mobilização do EI, declarações do sr. Abadi e do CentCom sobre a recaptura de Mossul nesta primavera, usando entre 20.000 a 25.000 tropas curdas e do governo de Bagdade soa a um esforço para aumentar o moral do lado que combate o EI.

O portavoz do CentCom afirma que apenas existiam entre 1.000 a 2.000 combatentes do EI em Mossul, o que não está em sintonia com o que observadores locais referem. Os governos do Iraque e estrangeiros têm falado recorrentemente a uma só voz, numa impressionante quantidade de afirmações destinadas a subestimar o EI como uma força militar e política, nos últimos dois anos.

O sr. Hussein disse no final do ano passado que o EI tinha “centenas de milhares de combatentes”, numa altura em que a CIA afirmava que estes eram entre 20.000 e 31.500. Ele não descarta por completo uma ofensiva para tomar Mossul mas, quando define as linhas gerais para um ataque com sucesso, fica claro que não espera que isso aconteça num futuro breve. Para que as tropas curdas Peshmerga ataquem Mossul precisariam de equipamento muito melhor “por forma a travar uma guerra decisiva contra o EI e derrotá-los”, afirma. “Por enquanto estamos a batê-los em alguns locais do Curdistão dando o nosso sangue. Morreram 1.011 Peshmerga e foram feridos cerca de 5.000”.

Os Curdos querem armas potentes e também Humvees, tanques para cercar mas não entrar em Mosul, e armas de atirador furtivo, porque o EI tem muitos atiradores de elite, bem como equipamento para lidar com explosivos improvisados e armadilhas, ambos usados profusamente pelo EI.

Acima de tudo, a participação curda numa ofensiva iria requerer um parceiro militar na forma de um exército iraquiano efetivo, e aliados sunitas locais. Sem este último, uma batalha por Mossul conduzida por xiitas e curdos apenas, iria provocar resistência dos árabes sunitas. O sr. Hussein tem dúvidas acerca da eficácia do exército iraquiano, que se desintegrou no passado junho quando, apesar de ter 350.000 soldados, foi derrotado por poucas centenas de combatentes do EI.

“O exército iraquiano tem duas divisões a proteger Bagdade, mas será possível ao governo iraquiano enviá-los?” pergunta o sr. Hussein. “E como chegarão eles a Mossul? Se tiverem de passar por Tikrit e Baiji, terão de combater árdua e longamente para lá chegar”.

Obviamente, uma ofensiva anti-EI tem vantagens que não existiam no ano passado, como ataques aéreos dos EUA, mas estes podem ser difíceis de usar numa cidade. A força aérea dos EUA levou a cabo cerca de 600 ataques aéreos na parte da pequena cidade síria de Kobani controlada pelo EI antes de que o EI finalmente retirasse, depois de um cerco de 134 dias. Nos cenários mais otimistas, o EI desagrega-se ou é alvo de um levantamento popular, mas até aqui não há sinais disso, e o EI já provou que leva a cabo uma vingança sem misericórdia sobre qualquer indivíduo ou comunidade que se lhe oponha.

O sr. Hussein afirma outra coisa importante: mesmo que seja difícil e perigoso para os curdos e para o governo de Bagdade recapturar Mossul, não a podem deixar sozinha. Foi aqui que o EI teve a sua primeira grande vitória e que Abu Baqr al-Baghdadi declarou o califado em 29 de junho do ano passado.

“Mossul é importante política e militarmente”, afirma. “Sem derrotar o EI em Mossul, será muito difícil falar em conseguir isso no resto do Iraque”.

De momento, as forças Peshmerga estão a apenas oito milhas de Mossul. Mas os combatentes do EI estão a uma distância semelhante da cidade de Kirkuk, controlada pelos curdos, e importante no que toca ao petróleo, e que o EI atacou no mês passado. Dado o tamanho do Iraque e a pequena dimensão dos exércitos postos em campo, cada lado pode surpreender o outro através de ataques pontuais ao longo de fronteiras cujo controlo está muito disperso.

Existem dois desenvolvimentos a favor do EI. Mesmo face a uma ameaça comum, os líderes em Bagdade e Erbil mantêm-se divididos. Quando Mossul caiu no ano passado, o governo do primeiro-ministro Nouri al-Maliki afirmou que o governo iraquiano tinha sido apunhalado pelas costas por uma conspiração entre curdos e o EI. Os dois lados continuam a suspeitar um do outro, e no início da semana, uma delegação conduzida pelo primeiro-ministro curdo Nechirvan Barzani não conseguiu chegar a um acordo em Bagdade sobre o valor dos lucros do petróleo do Iraque que deviam ir para os curdos, em troca de uma quantidade previamente acordada de petróleo dos campos do Nordeste controlados pelos curdos.

Inacreditavelmente, as divisões agora são tão profundas como com Maliki”, afirma o Dr. Othman. O EI fez muitos inimigos, mas pode ser salvo pela inabilidade destes para se unirem.

23 de fevereiro de 2015

Patrick Cockburn é o autor de “The Rise of Islamic State: Isis and the New Sunni Revolution”

Artigo publicado no Counterpunch

Tradução de Luís Moreira para o Esquerda.net

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