Ariano Suassuna: a luta do Brasil real contra o caricato Brasil oficial - Blog A CRÍTICA

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quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ariano Suassuna: a luta do Brasil real contra o caricato Brasil oficial


História inédita escrita por Ariano Suassuna para virar filme é ...

Perdi meu pai aos 3 anos de idade, assassinado. Fui muito marcado por isso. Não sei se por causa disso, as primeiras obras que escrevi eram todas trágicas.

Meus irmãos, que eram muito brincalhões, diziam que quando eu era jovem eu era um assassino terrível: quando não sabia o que fazer com um personagem eu matava. Desde os 11 anos eu pretendia ser escritor, o primeiro conto que escrevi, tinha 12 anos.

Em 1932, todos sabem, São Paulo se rebelou contra o Brasil, contra o governo na época. E Getúlio Vargas, que é quem estava no governo, recrutou os políticos no Brasil inteiro para ajudar a sufocar a rebelião em São Paulo.

Um familiar da polícia da Paraíba veio pra cá e, na ausência dele, sua mulher arrumou um amante. Quando ele voltou, trazendo presentes para a mulher (...), já em Campina Grande soube que a mulher estava traindo ele.

Então ele foi para casa, com a mala cheia de presentes (...), passou a noite com ela, de manhã pediu para ela passar um café, e quando ela estava terminando de passar o café ele atirou na nuca dela.

Minha mãe proibiu que a gente fosse ver, mas eu fui, escondido (...). Pois bem, esse foi o primeiro fato terrível depois da morte do meu pai. Meu primeiro conto, aos 12 anos, foi sobre esse fato. Só que detalhando o que meus irmãos diziam eu acrescentei à tragédia. Porque fiz ele matar a mulher, matar o amante e se suicidar.

(...) eu só escrevia tragédia, era terrível... Até que encontrei aquela figura ali (aponta para a mulher ao seu lado). Eu era todo travado por dentro, foi ela quem me desatou para a alegria e a beleza do mundo. Foi ela... mas mesmo assim, as primeiras impressões são tão fortes, que até as minhas peças mais cômicas são terríveis.

(...) O "Alto da Compadecida" é uma peça cômica, a gente passa o tempo todo rindo, mas morre todo mundo.

Só quem não morre é Chicó. Eu tenho uma simpatia tão grande por Chicó, que fiz ele não morrer.

Outro dia me perguntaram: mas você simpatiza mais com Chicó no que com João Grilo? Eu disse, muito mais. Porque João Grilo é um vitorioso, é um astucioso. Coisa que eu não sou.

Então, eu admiro é Chicó, com aquelas mentiras dele... eu sou um mentiroso. Todo escritor é um mentiroso. O que é um mentiroso? Um sujeito que não se satisfaz com o universo que lhe consta e cria outro.

O escritor é a mesma coisa. A gente acha que o universo comum não basta, e inventa outro.

Escrevi uma peça, a "Farsa da Boa Preguiça", que é teatro em verso e tem um personagem que diz: "Há uma preguiça com asas,/ outra com chifres e rabo./ Há uma preguiça de Deus/ e outra preguiça do Diabo".

O mesmo digo eu da mentira: "Há uma mentira com asas,/ outra com chifres e rabo./ Há uma mentira com asas,/ outra mentira do Diabo". Não é a mentira do diabo não, que eu gosto, é a mentira de Deus. A mentira para aumentar a alegria do mundo, e a beleza do mundo.

O "Alto da Compadecida" mesmo, é uma enorme mentira. Se você pegasse um cangaceiro, de verdade, você fosse com aquelas conversas... aquela gaitinha do João Grilo (...). Só um cangaceiro criado por um grande mentiroso que é Ariano Suassuna... porque um cangaceiro de verdade dava um tiro nas caixas do sujeito, que ele passava o resto da vida morrendo. (...)

Eu estou cultivando um mentiroso agora, lá do Recife, ele é ótimo. Ele disse que o pai dele é o maior produtor de mel de abelha do estado, porque conseguiu criar um mestiço de abelha com vagalume. E os bichos trabalham de dia e de noite. Que maravilha! Não é verdade não, mais devia ser. Aí o mentiroso vai e inventa. Faz muito bem. (...)

Desde que eu vi o circo em Taperoá, quando era menino, fiquei sonhando em ter um circo e nesse circo, além de dono eu seria o palhaço, que não ia abrir mão disso, que não sou besta.

Quando vi o palhaço nesse circo, o palhaço Gregório, tive tanta vibração com ele, que quando tomei posse na Academia Brasileira de Letras fiz referência a ele como uma das maiores influências da minha formação.

Essas pedras tem um significado para mim que vocês nem imaginam. Eu tenho tanto encanto por pedras, que meu romance se chama "A Pedra do Reino".

Todas essas pedras me foram dadas por minha mulher. A gente começou a namorar em 1947, em 1948 ela me deu a primeira, foi essa aqui... ela encontrou nas margens do rio São Francisco.

O rio São Francisco eu considero muito importante. Eu me baseio na frase de um grande brasileiro, que foi meu amigo, de quem eu gostava muito, que se chamava Alceu Amoroso Lima. Foi um dos maiores críticos literários que o Brasil já teve. E ele escreveu uma frase – primeiro ele me disse – depois ele publicou. Ele disse: "Do Nordeste para Minas corre um eixo, que não por acaso, segue o curso do rio São Francisco. O rio da unidade nacional. A este eixo o Brasil tem que voltar de vez em quando, se não quiser se esquecer de que é Brasil".

Vejam, essa frase é mais importante ainda, porque ele, como vocês, não era mineiro, nem nordestino. Era um grande brasileiro nascido e criado no Rio de Janeiro.

Pois bem, pois ele, como grande brasileiro que era, teve a grandeza de reconhecer a importância desse eixo cultural.

(...) Em 1998 eu escrevi um artigo dizendo que, já que ele, que não era nordestino nem mineiro, tinha dito essa frase, nós nordestinos, temos a obrigação de dizer que esse eixo não se esgota não. Porque se prolonga pro sul até o Rio Grande e vai até o Amazonas. Porque o que mais me encanta no Brasil é essa unidade na diversidade.

Tenho tanta preocupação com isso, que tenho uma criação de cabras no sertão da Paraíba, e crio quatro cores de cabras. Vermelhas, para homenagear os índios, primeira vertente da nossa cultura. Brancas, para homenagear os portugueses. Pretas, para homenagear os negros, e azuis, para os que vieram depois, italianos, japoneses, etc, etc...

Fui convidado uma vez para dar uma aula em Curitiba, no Paraná. E um amigo meu, que é casado com uma paranaense, veio me dizer: "Ariano, você não vá com as suas conversas de sempre lá no Paraná não, por que lá não é Brasil não". Mentira, conversa dele. É do mesmo jeito. Olhe que coisa mais linda. Quando cheguei lá, para minha aula de noite, eles sabendo que sou pernambucano, apresentaram um grupo de jovens, jovens de todo tipo, que cantaram um conto da Paraíba e um maracatu de Pernambuco. Veja que gesto mais lindo.

Na hora que desci no aeroporto, a mocinha que foi me receber me perguntou, "fez boa viagem". E eu disse: minha filha, você vai me desculpar, mas não existe viagem de avião boa. Eu só conheço dois tipos de viagem de avião, as tediosas e as fatais. É uma coisa tão ruim, que a gente reza pra ser tediosa. (...)

Machado de Assis dizia que no Brasil existem dois países, o oficial e o real. Ele dizia, "o país real é bom, revela os melhores instintos. Mas o país oficial é caricato e burlesco".

Infelizmente, todos nós aqui somo nascidos, criados, formados e deformados, pelo Brasil oficial. A gente tem que fazer um esforço... Por isso, em uma das campanhas que eu apoiei, do nosso presidente Lula, eu dizia que o Brasil tinha que ficar atento a esse fato. Porque pela primeira vez em nossa história, nós íamos ter um presidente não egresso do país oficial e sim do país real.

O grande poeta que contou a história de Canudos...

Porque o que aconteceu em Canudos. Lá, o Brasil real ergueu a cabeça e, nós, do Brasil oficial, fomos lá e cortamos essa cabeça.

O grande poeta foi Euclides da Cunha, no livro "Os Sertões".

Eu vivo dizendo, quem não entender Canudos, não entende o Brasil. Porque ali pela primeira vez o Brasil real tentou se organizar, não da maneira que diziam a ele como ele era. Tentou se organizar de maneira política, econômica, social... aí o país oficial foi lá e cortou a cabeça na pessoa de Antonio Conselheiro. Ele já tinha morrido de um estilhaço de granada... Eram cinco mil homens contra quatro, no fim. Um velho, um adulto e duas crianças, que tinham escapado. Diante de quem, como dizia Euclides da Cunha, rugiam as baionetas de cinco mil soldados...

Foi um exemplo único na história, não sobrou ninguém. Fizeram isso. Nós fizemos isso. Então, nós, que comemos duas vezes por dia, que temos salário no fim do mês, nós que temos direito a uma vida digna, temos obrigação moral de olhar para esse povo...

É isso que quero fazer nessa missão. Já disse missão três vezes... mas é que botei na cabeça de uns tempos pra cá que o povo tinha me encarregado disso, de chamar a atenção para o povo do Brasil real, a cultura do Brasil real, o futuro do Brasil.

Um comentário:

  1. Muito bom este recorte, gostei! Vai me ajudar bastante a entender a figura de Ariano, obrigado!

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