Agência FAPESP – Resultados de um estudo conduzido no município paulista de Serrana por pesquisadores do Instituto Butantan sugerem que a pandemia de COVID-19 poderá ser controlada no país quando algo em torno de 75% da população estiver imunizada. Por enquanto, somente 10% dos brasileiros já completaram o protocolo de vacinação.
De acordo com os dados apresentados ontem (31/05), em coletiva realizada na sede do Instituto Butantan, a vacinação de 95,7% da população-alvo do estudo (27.160 dos 45.644 moradores, segundo estimativa feita em 2020) possibilitou reduzir em 95% as mortes, em 86% as hospitalizações e em 80% os casos sintomáticos da doença.
Intitulada Projeto S, a iniciativa vem sendo conduzida com apoio da FAPESP. Trata-se de uma pesquisa inédita no mundo, que tem como objetivo avaliar a efetividade da vacina CoronaVac no controle da pandemia causada pelo novo coronavírus. O acompanhamento dos moradores e da evolução dos dados epidemiológicos na cidade continuará por mais um ano.
Segundo os pesquisadores, os resultados obtidos até o momento permitem afirmar que a vacinação em massa criou uma espécie de cinturão imunológico que protegeu tanto os indivíduos com mais de 18 anos vacinados como as crianças, adolescentes e demais adultos que não puderam ser imunizados. O benefício foi observado em todas as faixas etárias.
“Isso reflete a somatória do efeito direto e indireto da vacina, que é a redução na transmissão do vírus por haver uma alta proporção de vacinados na comunidade. Quem recebeu a vacina também está ajudando a proteger o outro”, ressaltou Ricardo Palacios, diretor médico de Pesquisa Clínica do Butantan e um dos líderes do estudo. Segundo ele, os resultados indicam que não há necessidade de aguardar as crianças e os adolescentes serem imunizados para a retomada das atividades escolares presenciais.
A vacinação dos voluntários em Serrana, município vizinho a Ribeirão Preto, teve início em março de 2021 e tinha como alvo a população adulta (62% dos moradores), que foi dividida em quatro grupos, vacinados com diferença de uma semana cada um. Segundo Palacios, antes mesmo de o último grupo receber a segunda dose do imunizante já era possível observar também nessa população uma redução no número de casos e mortes – uma “evidência palpável do efeito indireto da vacinação”.
No período entre a primeira e a segunda dose, foram registradas 15 internações de pessoas com mais de 60 anos (das quais cinco morreram) e 28 de indivíduos entre 18 e 59 anos (com dois óbitos). Passados 14 dias após o reforço vacinal, somente duas internações de pacientes com menos de 59 anos haviam ocorrido, sem o registro de mortes.
Palacios ressaltou que, a despeito de a epidemia estar descontrolada nas cidades do entorno, os benefícios da vacinação têm perdurado em Serrana.
"Serrana não é uma ilha, é um lugar que está exposto continuamente a lugares onde o vírus está circulando de forma importante e, mesmo assim, controla a epidemia", disse.
O pesquisador destacou ainda que o período de imunização em massa coincidiu com a introdução da variante P.1 na região. Segundo ele, os bons resultados indicam que a CoronaVac também é efetiva no controle da nova variante, considerada mais transmissível.
Perfil de segurança
O diretor do Hospital Estadual de Serrana, Marcos Borges, informou que 4,4% dos voluntários vacinados relataram reações adversas após a primeira dose. Dessas, apenas 0,02% foi considerada de grau 3, ou seja, capaz de interferir nas atividades cotidianas (em geral dores de cabeça ou musculares). Após a segunda dose, somente 0,2% teve alguma reação adversa, nenhuma considerada grave. Segundo ele, a CoronaVac apresentou um perfil “extremamente seguro”.
Borges também destacou a “alta aceitabilidade” da vacina por parte da população. “A alta cobertura mostra que a população quer ser vacinada, entende que é a melhor estratégia e que tendo vacina disponível ela vai se imunizar”, disse.
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, apontou o caráter inédito da pesquisa e sua importância para o desenho de políticas públicas durante uma pandemia.
“Os estudos clássicos realizados para avaliar a eficácia das vacinas não respondem a uma série de perguntas, por exemplo, qual é seu efeito sobre a pandemia ou sobre a transmissão do vírus. Nós conseguimos medir a efetividade de um imunizante de forma controlada, em uma situação de mundo real. Serrana virou um laboratório de epidemiologia e isso deve servir de exemplo para o mundo. O Brasil pode sair na frente, sua ciência é competente e aqui está a prova”, disse.
Ainda segundo Covas, os resultados do Projeto S sugerem que a CoronaVac também é protetora para os idosos e que, por enquanto, não haveria necessidade de revacinar a população com mais de 70 anos.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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