A polarização digital sequestrou o debate público e eliminou o espaço para a construção de projetos de país — e o maior desafio será resgatar o eleitor de centro.
Por Elias Tavares, cientista político
Vivemos uma transformação silenciosa — porém avassaladora — na forma de fazer política. A ascensão das redes sociais, somada ao funcionamento dos algoritmos, mudou para sempre o jogo eleitoral. A política hoje não se resume mais a programas de governo, projetos de país ou debates sobre o futuro: ela se transformou em um campo de batalha emocional, alimentado por bolhas digitais e pela lógica do engajamento.
A polarização entre bolsonarismo e lulismo é a prova viva dessa nova dinâmica. Os extremos ganharam o palco principal. Não porque representam a maioria — ao contrário, a maioria da população brasileira não se sente adequadamente representada por esses polos —, mas porque o algoritmo privilegia a radicalização, amplifica os discursos de confronto e elimina qualquer espaço de construção equilibrada.
É por isso que, hoje, não existe uma verdadeira terceira via no Brasil.
O eleitor de centro — esse personagem fundamental, prudente, moderado — ficou sem voz. A arena digital, pautada pela lógica do “nós contra eles”, não permite que ele prospere. Não há espaço para a construção de consensos. Há apenas trincheiras.
Exemplos dessa contaminação do debate público não faltam. Em ambientes completamente alheios à política, como portais de entretenimento ou perfis de celebridades, a polarização invade os comentários: uma notícia sobre a venda de um jogador de futebol logo se transforma em acusações de “lulista” ou “bolsonarista”. Isso é o algoritmo em ação: radicalizando tudo o que toca, porque a radicalização gera mais cliques, mais tempo de tela e mais faturamento.
Essa transformação não surgiu do nada. Ela foi pavimentada ao longo dos últimos 20 anos. Um dos primeiros sinais desse novo tempo foi a eleição de Barack Obama em 2008, quando o então candidato à presidência dos Estados Unidos utilizou de forma inédita o Twitter para mobilizar eleitores. A partir dali, a política tradicional começou a ceder espaço para uma política de rede, de conexão direta e imediata — uma política moldada mais pela emoção do que pela razão.
No Brasil, esse processo amadureceu rapidamente.
As campanhas eleitorais passaram a investir volumes massivos em impulsionamento digital. As redes sociais deixaram de ser apenas ferramentas de comunicação para se tornarem verdadeiros campos de guerra ideológica — onde civis, muitas vezes desavisados, acabam sendo arrastados para batalhas que não escolheram lutar.
Essa nova política é feita de engajamento, e o engajamento é feito de tensão. Não há mais espaço para o debate ponderado, para o meio-termo, para a complexidade. O algoritmo mata a complexidade. Ele recompensa a paixão desenfreada, a indignação instantânea, o ataque rápido.
O maior desafio para 2026 — e para qualquer projeto sério de país — será reconstruir um ambiente onde a moderação volte a ser possível. Onde o centro político — esse centro tão massacrado, mas tão vital — possa, novamente, ser ouvido.
Enquanto isso não acontecer, a política continuará refém de extremos que falam muito, gritam muito, mas não representam a maioria silenciosa que deseja, antes de tudo, soluções concretas para seus problemas reais.
A política mudou. E se quisermos resgatar o país do algoritmo, precisamos mudar também.



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